quarta-feira, 30 de maio de 2012

Gilmar e Demóstenes, Cachoeira e Veja


Por Ricardo Kotscho, no Balaio do Kotscho

Para entender este misterioso encontro de Lula com Gilmar Mendes no apartamento de Nelson Jobim, o novo escândalo denunciado pela revista Veja com o único objetivo de atingir o ex-presidente da República e o PT, uma verdadeira obsessão do seu proprietário, é preciso recuar um pouco no tempo.


3 de setembro de 2008. A mesma revista denunciou que o mesmo Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal, foi grampeado numa conversa com um senador da República pela Agência Brasileira de Inteligência, a Abin, então dirigida pelo delegado Paulo Lacerda.

E quem era o senador? Ninguém mais, ninguém menos do que Demóstenes Torres, que era do DEM de Goiás, promovido pela revista em suas “páginas amarelas” como caçador de corruptos, aquele mesmo que está depondo agora na manhã desta terça-feira na CPI do Cachoeira, o “empresário de jogos” que é seu amigo e parceiro nos negócios, como revelou a Operação Monte Carlo, da Polícia Federal.

Em 2008, como agora, também se criou uma enorme crise em Brasília, capaz de abalar os alicerces da República e ameaçar a independência entre os poderes. Gilmar chegou a marchar ao lado de outros ministros do STF até o Palácio do Planalto para “chamar o presidente Lula às falas”.

Até hoje, o áudio do grampo não apareceu. A revista Veja nunca mais tocou no assunto. O delegado Paulo Lacerda, da Polícia Federal, que tinha comandado a prisão de PC Farias e a investigação que levou ao impeachment de Fernando Collor, foi suspenso das suas funções e depois perdeu o cargo, sendo obrigado a se exilar como adido policial da nossa embaixada em Portugal.

Lula terminou tranquilamente seu governo, após inúmeras outras crises políticas que nasceram e morreram na imprensa, com mais de 80% de aprovação popular, o maior índice já registrado por qualquer presidente da República.

Gilmar é amigo de Demóstenes, que é amigo de Carlinhos Cachoeira, o grande contraventor que é “fonte” das reportagens de Veja, a ponta de lança do Instituto Millenium, que fornece munição para os demais veículos vindos a reboque.

Podem variar os enredos e os personagens, mas o “modus-operandi” da turma é sempre o mesmo. Conhecendo como conhece Gilmar Mendes e seus amigos na imprensa, que sempre darão a  versão dele sobre os fatos (ou não fatos), o que não consigo entender é como Lula entrou nesta fria aceitando um encontro secreto na casa do ex-ministro Nelson Jobim, amigo de ambos.

Só estavam os três no encontro e, até agora, não se falou em gravações de áudio ou vídeo, a especialidade da equipe de arapongas de Cachoeira comandada por Jairo Martins, cujo nome também apareceu no grampo sem áudio de 2008.

Lula e Jobim desmentiram a versão publicada pela Veja, segundo a qual Gilmar Mendes teria sido “constrangido” pelo ex-presidente a adiar o julgamento do mensalão, em troca de uma blindagem do ministro do STF na CPI do Cachoeira.

Outro fato bastante estranho nesta história é que Gilmar Mendes tenha levado um mês curtindo sua perplexidade antes de chamar os repórteres da Veja, a quem disse, depois de “decodificar” os recados: “Fiquei perplexo com o comportamento e as insinuações despropositadas do presidente Lula”.

O ex-presidente só respondeu à reportagem da revista na noite de segunda-feira, quando o assunto já havia tomado conta de todos os noticiários desde sábado.

“Meu sentimento é de indignação”, reagiu Lula, que confirmou ter participado do encontro na casa de Jobim, mas qualificou de inverídica a versão publicada pela revista Veja.

Tem certas coisas que a gente nunca vai saber como de fato aconteceram. Melhor seria, com certeza, se não tivessem acontecido.

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