terça-feira, 19 de junho de 2012

Em carta dura, PF abre guerra contra ministro



Em carta dura, PF abre guerra contra ministroFoto: Edição/247

MAIOR ENTIDADE DE CLASSE DA PF FAZ CARTA DE PROTESTO CONTRA JOSÉ EDUARDO MARTINS CARDOZO; CORPORAÇÃO DIZ QUE AGENTES AUTORES DE CRÍTICAS CONSTRUTIVAS SÃO PERSEGUIDOS COMO NUNCA; TRATAMENTO É DE "CIDADÃOS DE SEGUNDA CLASSE"; ABERTA MAIOR CRISE NA FEDERAL DO GOVERNO DILMA; POR CLAUDIO JULIO TOGNOLLI

19 de Junho de 2012 às 11:27
Claudio Julio Tognolli _247 - Marcos Vinício Wink, presidente da maior entidade de classe da Polícia Federal, a Fenapef, com 15 mil afiliados, deu o tiro de aviso nesta terça-feira (19/6): a categoria está em pé de guerra contra o governo Dilma e em particular contra o ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo. Motivo: perseguições políticas, e punições administrativas, praticadas como nunca contra funcionários da corporação.
"O assédio disciplinar, configurado por perseguições de caráter pessoal, já se tornou quase rotina, principalmente contra os representantes sindicais dos servidores da PF", relata Marcos Vinício Wink, presidente da Fenapef. "O caso do diretor desta Fenapef, que responde outros processos disciplinares relacionados à atividade sindical, é emblemático, mas infelizmente não é isolado. Outros dirigentes de nossos sindicatos, como do Distrito Federal, do Acre, Bahia, Goiás, Paraíba, dentre outros, foram ou estão sendo enquadrados disciplinarmente, em virtude da atuação sindical", diz Wink.
Ele escreveu uma carta ao ministro da Justiça, em que verbera os protestos pela punição contra um diretor da Fenapef, por ter escrito artigo, para o site da Fenapef, com críticas à PF.
Na corporação,a carta de Wink é vista como o prenúncio do maior racha ocorrido na PF desde o governo FHC. Veja abaixo a carta do presidente da Fenapef, seguida do artigo que causou a punição do Ministério da Justiça contra o diretor da entidade de classe
Senhor ministro,
Foi com espanto e preocupação que tomamos conhecimento da decisão de Vossa Excelência, publicada no Diário Oficial da União (DOU), de 21/05/2012, que manteve a punição disciplinar aplicada ao agente de Polícia Federal e diretor de comunicação desta Federação, Josias Fernandes Alves, autor do artigo "Polícia de juristas", publicado há dois anos, no site da nossa federação, por críticas tidas como "desrespeitosas" à Administração.
Já acostumados com os frequentes pareceres de pretensos juristas da PF, não nos surpreenderam os ouvidos moucos da Corregedoria e da Direção-geral do órgão em relação aos argumentos apresentados pela defesa do servidor. Muito menos o fato de terem sido ignoradas as provas dos autos do processo administrativo disciplinar (PAD), bem como orientações do manual da própria Corregedoria da PF e o parecer da comissão processante para arquivamento do PAD.
Também não nos causou admiração que os renomados "constitucionalistas" da PF não tenham levado em conta a decisão, transitada em julgado, que considerou improcedente o pedido de reparação por danos morais e materiais, feito por um delegado, em virtude do mesmo artigo.
De acordo com o magistrado que examinou o texto, "o exercício da crítica às instituições públicas, notadamente em um País que ainda revela traços de autoritarismo em diversos quadrantes de sua administração pública, constitui não apenas o exercício de um direito fundamental, consagrado na Constituição nacional como também em diversos normativos internacionais e supranacionais, mas também constitui um princípio fundamental à própria ideia republicana que orienta o Estado democrático de direito."
O absoluto silêncio dos gestores da PF sobre os fatos de interesse público relatados no texto era previsível. Como também era razoável esperar que fossem ignorados princípios e normas que asseguram a liberdade de expressão e manifestação do pensamento, vedação à toda e qualquer censura, bem como o exercício da atividade sindical.
Nem mesmo a instauração de inquérito policial, que tramita há um ano e meio na superintendência regional da PF em Brasília, para apurar os supostos "crimes de opinião" cometidos pelo autor, através do artigo, foi novidade para nós.
O assédio disciplinar, configurado por perseguições de caráter pessoal, já se tornou quase rotina, principalmente contra os representantes sindicais dos servidores da PF.
Contudo, foi com estranheza que recebemos a notícia da decisão de Vossa Excelência, de quem esperávamos uma postura mais isenta e menos suscetível aos argumentos dos "doutrinadores" da PF e, enfim, mais compatível com os princípios constitucionais e os valores democráticos.
Como é do seu conhecimento, há mais de dois anos, o Congresso Nacional promulgou o Decreto nº 206, publicado no DOU de 08/04/2010, que aprovou o texto da Convenção 151 e da Recomendação nº 159 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ambas de 1978, sobre as relações de trabalho na Administração Pública.
A adesão do governo brasileiro à referida norma internacional, refletiu o compromisso de aplicá-la à legislação pátria, cuja essência é garantir que servidores públicos gozem de adequada proteção contra atos de discriminação que acarretem violação da liberdade sindical em matéria de trabalho.
Com expressa aplicação aos servidores públicos regidos pela Lei nº 8.112/90, entre os quais se incluem os policiais federais, a referida convenção prevê a "independência das organizações de trabalhadores da função pública face às autoridades pública" e a "garantia dos direitos civis e políticos essenciais ao exercício normal da liberdade sindical".
Vale lembrar também a Portaria Interministerial nº 02/2010, assinada pela Secretaria Especial de Direitos Humanos e Ministério da Justiça, publicada no DOU de 16/12/10, que foi chamada de "Portaria de Direitos Humanos do Policial".
A referida portaria estabeleceu diretrizes para efetivação de direitos constitucionais e participação cidadã dos policiais, a adequação das leis e regulamentos disciplinares que versam sobre direitos e deveres dos profissionais de segurança pública ao texto constitucional. A norma recomenda que seja assegurado o exercício do direito de opinião e de liberdade de expressão dos profissionais de segurança pública, "especialmente por meio de internet, blogs, sites e fóruns de discussão, à luz da Constituição Federal de 1988".
Mas a Lei nº 4.878/65, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores policiais federais, tem sido invocada e aplicada pelos dirigentes da PF com a finalidade de restringir o exercício da liberdade sindical e da liberdade de manifestação do pensamento, como já relatado a Vossa Excelência em outras oportunidades.
O caso do diretor desta Fenapef, que responde outros processos disciplinares relacionados à atividade sindical, é emblemático, mas infelizmente não é isolado. Outros dirigentes de nossos sindicatos, como do Distrito Federal, do Acre, Bahia, Goiás, Paraíba, dentre outros, foram ou estão sendo enquadrados disciplinarmente, em virtude da atuação sindical.
A série de condutas antissindicais por parte de dirigentes da PF foi o motivo que levou a Fenapef a representar formalmente contra o governo brasileiro, perante o Comitê de Liberdade Sindical da Organização Internacional do Trabalho (OIT), por violação à referida convenção, que deverá examinar as denúncias em breve.
Dentre outras metas definidas em seu estatuto, nossa entidade tem por objetivo lutar permanentemente pela democratização da Polícia Federal e pelo cumprimento integral dos direitos constitucionais relativos às garantias dos servidores públicos, bem como atuar em defesa das instituições democráticas e do Estado democrático de direito, combatendo todas as ações e posturas antidemocráticas e opressivas.
Por acreditar na independência do Poder Judiciário, estamos confiantes que a justiça será feita, como já tem ocorrido em alguns casos, com a anulação dos atos arbitrários e abusivos, que afrontam princípios e direitos constitucionais e tratam os policiais federais como "cidadãos de segunda categoria".
Respeitosamente,
MARCOS VINÍCIO DE SOUZA WINK
Conheça o artigo que gerou a punição contra Josias Fernandes Alves, diretor de comunicação da Fenapef
O processo de seleção do "Curso de Especialização (lato sensu) em Ciência Policial e Investigação Criminal" - o primeiro do gênero oferecido pela academia da Polícia Federal, cujo resultado preliminar foi divulgado no final do mês passado – causou frustração e indignação de grande parte dos candidatos, dos policiais federais excluídos do certame e levantou a suspeita de direcionamento das vagas para um cargo específico.
A exigência de graduação em ciências jurídicas, um dos pré-requisitos impostos pelo edital aos candidatos, também suscitou uma polêmica em torno da própria concepção da Academia Nacional de Polícia (ANP) quanto à natureza da ciência policial e da investigação criminal.
Não-declarada, por motivos óbvios, a intenção subjacente parece ser de privilegiar os candidatos que ocupam o cargo de delegado de Polícia Federal, estes 100% formados em Direito.
Ao excluir do processo seletivo os agentes, escrivães, papiloscopistas e peritos criminais federais, com formação em outras áreas do conhecimento, os mentores desse curso, deram um recado tão claro quanto preocupante: o de que a capacidade de produção de conhecimentos e o desenvolvimento de metodologia da ainda incipiente ciência policial seria monopólio de bacharéis e doutores em Direito (com ou o título acadêmico).
No alto de sua sapiência, surpreendentemente, a "Coordenadoria de Altos Estudos da Segurança Pública" da ANP, responsável pela seleção e organização do curso, parece ignorar que a natureza da profissão e os conhecimentos pertinentes à ciência policial e à investigação criminal têm (e devem ter) caráter interdisciplinar e multidisciplinar, para os quais todos policiais qualificados têm a contribuir para a produção do conhecimento.
Equivaleria defender que a necessidade ou a conveniência de aperfeiçoar e aprofundar os conhecimentos teóricos e práticos dos policiais federais fosse privilégio dos pretensos juristas. Ou que os demais não mereceriam complementar sua formação profissional e acadêmica, que é um dos objetivos elencados no próprio plano do curso.
Não por acaso, grande parte das pesquisas, teses acadêmicas e a bibliografia sobre segurança pública, criminologia, violência e sistema e técnicas de investigação criminal, dentro e fora do Brasil, têm sido produzidos por sociólogos, antropólogos, cientistas políticos, jornalistas, médicos legistas, psicólogos e pesquisadores de outros ramos da ciência, muitas vezes em equipes multidisciplinares.
As inovações tecnológicas e a modernização das técnicas de investigação criminal, bem como o perfil e as qualificações exigidas de investigadores, analistas, peritos e outros tantos profissionais especializados nas polícias norte-americanas, por exemplo, indicam que – cada vez mais – a ciência policial deverá se interagir com as outras áreas do conhecimento científico.
Em tempos de globalização da criminalidade organizada, ocultação e lavagem de capitais, delitos cibernéticos, profusão de novas drogas sintéticas e crescente sofisticação dos meios e técnicas empregadas pelos infratores da lei, soa  como amadora e arrogante a postura de gestores policiais que se apresentam como donos da verdade.
O paquidérmico, burocrático e falido sistema de investigação criminal tupiniquim – cujo símbolo é o jurássico inquérito policial – não justifica mas talvez explique essa tentativa de circunscrever o conhecimento policial no feudo das ciências jurídicas.
A absurda exigência de formação jurídica para o estudo da ciência policial, entra na contramão da tendência de respeitadas instituições acadêmicas, tanto nacionais quanto de outros países do Primeiro Mundo. O pré-requisito de formação em ciências jurídicas não consta nos editais de seleção de vários outros cursos similares de pós-graduação. O público alvo de muitos desses cursos são os profissionais de segurança pública, oferecidos por diversas instituições de ensino superior, que exigem formação em nível superior em qualquer área de conhecimento.
É assim em cursos de especializações em segurança pública, violência e criminalidade, dentre outros, oferecidos por núcleos e departamentos de prestigiadas universidades públicas e particulares, tais como UFMG, UnB, FGV, UERJ, USP, dentre outras.
Alguns cursos de pós-graduação são financiados com recursos do Ministério da Justiça, através do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), que criou a Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública (Renaesp). Este projeto de educação permanente é direcionado a profissionais de segurança pública, inclusive com vagas a policiais federais, além de outros profissionais interessados e atuantes nesta área.
A Renaesp foi formada através de parcerias com instituições de ensino superior, que promovem cursos de pós-graduação lato sensu sobre diferentes temas relacionados à segurança pública, nas modalidades presencial e à distância. Dentre outros objetivos, se propõe a "articular o conhecimento prático dos policiais, adquiridos no seu dia-a-dia profissional, com os conhecimentos produzidos no ambiente acadêmico" e difundir "a construção de uma cultura de segurança pública fundada nos paradigmas da modernidade, da inteligência, da informação e do exercício de competências estratégicas, técnicas e científicas".
Uma das diretrizes para a seleção dos candidatos é que o profissional interessado em participar da rede possua diploma de nível superior em qualquer área de conhecimento e seja servidor ativo da área de segurança pública. A exigência do curso da ANP contraria até uma regra do programa do Ministério da Justiça, em prejuízo de seus servidores.
Outro pré-requisito questionável previsto no edital foi a exigência que o servidor não estivesse respondendo a processo administrativo disciplinar. Seria uma espécie de punição prévia? O fato de estar respondendo a PAD não pressupõe, obviamente, que o candidato esteja afastado do serviço ou que vá ser punido. Qual o motivo para excluí-lo do processo de seleção? Seu "dotô", me dá licença: onde fica o princípio da presunção da inocência ?
Além das dúvidas quanto à eficácia da opção acadêmica do curso de pós-graduação da ANP, a própria transparência do processo de seleção ficou comprometida. O edital de seleção não apontou critérios objetivos de avaliação e pontuação do "currículo vitae" e da "carta de intenções", parcialmente detalhados após a divulgação da relação dos qualificados a preencher as 30 vagas oferecidas. Vários candidatos tiraram notas baixíssimas e até nota zero nesses dois quesitos, que definiram a seleção.
A desconfiança quanto à possível subjetividade das avaliações ou privilégio dos delegados aumentou ainda mais com a forma de divulgação da lista dos candidatos qualificados. Em vez de se publicar os nomes e cargos dos candidatos selecionados, optou-se pela divulgação de um "código", diferente do número de inscrição, que inviabilizou a identificação dos aprovados.
Pode ter sido apenas um "ato falho" dos gestores da ANP. Mas feriu o princípio constitucional da publicidade, que deve pautar os atos administrativos. Com certeza, a "lista misteriosa" também prejudicou a elaboração de eventuais recursos contra o resultado, previstos no edital. Afinal, se não se tem clareza dos critérios objetivos de avaliação, nem dos nomes dos aprovados, o que se poderia alegar na fase recursal?
Na visão otimista, as trapalhadas na seleção do curso de pós-graduação da ANP podem ser interpretadas "apenas" como inexperiência ou incompetência dos organizadores. Na mais pessimista, como indicador de que a "ciência policial" que a academia da PF pretende produzir tem quase nada de científico, pouco de policial e muito de imoral.
Josias Fernandes Alves é Agente de Polícia Federal, Diretor de Comunicação da FENAPEF, formado em Jornalismo e Direito. josiasfernandes@hotmail.com

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