Em meio ao contravapor das pesquisas (o Ibope desta 4ª feira amplia a vantagem de Haddad para 16 pontos, ou 20 pontos no cômputo dos votos válidos), o tucano José Serra enfrenta um desgaste de fundo.
Quanto mais se expõe, mais se configura uma trajetória em que as dissimulações caem, como cascas de uma cebola. Serra diz e se desdiz com desenvoltura vertiginosa. O acúmulo consolida a imagem de um político que sabota o próprio passado na busca desastrada pelo poder.
Resta saber se ainda há espaço para acionar o freio de arrumação numa candidatura que imbicou no plano inclinado e se ressente do essencial para mudar, a credibilidade. Parece difícil.
O tucano poderia ter feito uma correção de rumos no lançamento tardio de seu programa de governo esta semana. Mas o que se viu foi mais uma encenação filmada para o horário eleitoral, de pouca serventia para retificar a percepção crescente de um blefe, cuja única cartada agora é dobrar a aposta no vale tudo, enquanto torce por um tropeço de Haddad nos debates.
Essa é a grande dificuldade dos seus marqueteiros para reverter a humilhante derrota que se anuncia: hoje o tucano compõe aos olhos da população um personagem cada vez mais definido e desconectado de sua fala; as atitudes ecoam mais alto do que a voz e desautorizam as promessas.
O acúmulo tende a consolidar uma imagem que se move de forma autônoma.À revelia do arsenal publicitário calcifica-se o perfil de um político que sabota até o próprio passado na busca sôfrega --descontrolada agora, depois do Ibope-- pelo poder.
Mudar isso é como enxugar o chão com a torneira aberta.
Carrega-se na maquiagem aqui, arruma-se um beijo inverossímil ali. Lista-se um prohgrama mal-ajambrado de última hora desprovido de metas, cronogramas e estimativas de custo.Em seguida, a realidade irrompe como um vento inoportuno a sabotar o controle do incêndio.
Qual Serra o eleitor ainda estaria disposto a 'comprar'?
O 'progressista' teve atuação regressiva nas votações relativas ao direito do trabalhador, segundo levantamento do DIAP.
O 'desenvolvimentista', soube-se de fonte insuspeita, foi um dos mais empenhados defensores das grandes privatizações do ciclo tucano, caso da Vale do Rio Doce, por exemplo. Testemunho de FHC nas eleições de 2010.
O propalado 'arrojo administrativo' reduz-se ao cacarejar de galinha velha: faz barulho mas não bota. Juntos, Serra/Kassab completaram oito anos de um condomínio administrativo que objetivamente destratou SP; agora recolhe o saldo de uma rejeição estrondosa: 45% da cidade reprova a gestão consorciada.
No episódio mais recente, do 'kit anti-homofóbico, cairam as cascas da cebola que ostentavam as credenciais do liberal. Emergiu por debaixo o oportunista da intolerância, abraçado a um savonarola dos 'bons costumes'. Um intercurso explícito entre o obscurantismo e o o vale tudo que constrange até círculos intelectuais mais esclarecidos do tucanato.
Depois de alvejar a iniciativa do MEC, Serra foi desmascarado mais uma vez: em 2009, quando governador, distribuiu material semelhante em muitos aspectos ao professorado estadual de SP.
A semelhança é compreensível: o material nos dois casos foi produzido pela mesma instituição, a ONG Ecos.
Palavras de um dos integrantes da equipe que participou do projeto: "A Ecos sempre trabalhou na gestão do Serra; ele está cuspindo no pote que comeu. O material que fizemos para o MEC tem 80% do material do Estado de São Paulo. É um absurdo se utilizar do preconceito para ganhar voto" (Toni Reis, presidente da ABGLT).
Avulta nesse episódio a caricatural disposição de alguém disposto a dilapidar o próprio currículo. No desespero eleitoral, Serra atacar o programa do próprio Serra.
Compare o tucano de agora, agarrado ao pastor Malafaia, com esse outro, que tomou as seguintes medidas, lembradas por Antonio Lassance, colunista de Carta Maior:
a) em 2005, ele criou a Coordenadoria de Assuntos da Diversidade Sexual em São Paulo; depois, instituiu a Comissão a Comissão Processante Especial para apuração de atos Discriminatórios a que se refere a Lei n° 10.948/2001, destinada a receber, analisar e mandar punir atos anti-homofóbicos;
b) também em 2005, Serra criou o Conselho Municipal em Atenção à Diversidade Sexual e o Centro de Referência e Combate à Homofobia;
c) em 2006, criou o GRADI – Grupo de Repressão a Delitos de Intolerância a DECRADI – Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, para o controle e repressão dos grupos homofóbicos.
Em resumo, quando o interesse era disputar o espaço LGBT com a petista Marta Suplicy, Serra não criou apenas um kit anti-homofobia, mas armou um elogiável rede da tolerância em SP. Agora, dá guinada na direção oposta e salta para os braços dos malafaias, supostamente puxadores do voto evangélico.
O evento tardio desta 2ª feira em torno do 'programa' para a cidade ressente-se desse vício congênito à natureza política de Serra: a simulação, irmã gêmea da falta de escrúpulo.
O que se divulgou foi um adereço de mão de fantasia eleitoral, no qual nem o candidato acredita, como deixou claro no discurso que proferiu no evento.
Passa-se ao largo da oportunidade preciosa de discutir São Paulo para valer, estendendo a seu moradores o direito elementar de escrutinar os problemas da cidade e tomar onsciência dos requisitos políticos para equacioná-los.
Não há rigor técnico algum na rudimentar listagem tardia das propostas mal-ajambradas pelo tucano. O que é feito para não valer pode elidir metas, omitir cronogramas e abstrair custos.
Em resumo, prescindir dos requisitos que lhe dariam veracidade e transparência compatível com a eventual fiscalização pela cidadania.
O simulacro do conjunto foi resumido na descrição de um item por insuspeita fonte: "Em um dos poucos momentos em que dedicou sua fala às próprias propostas, Serra lembrou a promessa de construir 30 AMAs (Assistência Médica Ambulatorial)". (...) "Mas não a ponto de detalhar onde vamos fazer..." (ressalvou o tucano). "Isso seria impossível" (UOL, 16-10).
O modelar descompromisso se repete em outros tiros a esmo, como a promessa de implantar '30 parques' na cidade (onde? como?com que verba?); ou instalar mais cinco mil novos pontos de luz ou ainda a etérea menção uma deficiência escandalosa da gestão de seu apadrinhado, que não dedicou a ela um centímetro adicional de asfalto: 'expandir a rede de corredores de ônibus'. Assim, em quatro palavras, desincumbe-se o tucano da grave distopia do transporte em São Paulo, como se fosse algo tangencial, passível de tratamento genérico e ligeiro. Vai por aí o seu crepuscular 'programa de governo'.
O conjunto exala o peso e a contundência de uma bolinha de papel eleitoral. Mais que isso, reforça uma percepção que se calcifica: Serra é o principal testemunho contra ele mesmo.
A postura professoral ancorada em boutades é quase ofensiva; a soberba incontrolável das sobrancelhas em pinça denuncia a impaciência de quem ouve por obrigação.
Quando tenta transparecer humildade, o tucano exala condescendência; o tom do discurso é sempre o mais revelador: ao tentar ser simpático é notório que está sendo falso.
O anti-sindicalismo udenista de Serra explode ao primeiro conflito social, assim como o recorte antidemocrático irrompe à primeira pergunta embaraçosa de jornalista não embarcado na vassalagem midiática.
O higienismo social que arremata o conjunto sequer é dissimulado --e olha que estamos falando de um dissimulador experimentado.
É difícil demover as consequências eleitorais dessa sedimentação ancorada na percepção intuitiva da população, saturada de dissimulações rotas, convicções esfarrapadas e do recorrente vale tudo das conveniências.
São Paulo é o grande bunker logístico do conservadorismo brasileiro.
A rejeição a um dos principais quadros desse aparato precisa acumular muito vapor na fornalha para romper uma blindagem arrematada com a solda dupla do jornalismo cúmplice.
O maior trunfo de Haddad hoje é esse discernimento em curso na opinião pública.
Trata-se de iluminar cuidadosamente o cerne da questão: Serra é impermeável a qualquer valor ou compromisso que não atenda ao seu exclusivo interesse pessoal. No seu arquivo biográfico, o interesse pela cidade ocupa o lugar da prateleira subalterna. E essa hierarquia se adensa nos episódios caricaturais desta campanha de 2012.
Quanto mais se expõe, mais se configura uma trajetória em que as dissimulações caem, como cascas de uma cebola. Serra diz e se desdiz com desenvoltura vertiginosa. O acúmulo consolida a imagem de um político que sabota o próprio passado na busca desastrada pelo poder.
Resta saber se ainda há espaço para acionar o freio de arrumação numa candidatura que imbicou no plano inclinado e se ressente do essencial para mudar, a credibilidade. Parece difícil.
O tucano poderia ter feito uma correção de rumos no lançamento tardio de seu programa de governo esta semana. Mas o que se viu foi mais uma encenação filmada para o horário eleitoral, de pouca serventia para retificar a percepção crescente de um blefe, cuja única cartada agora é dobrar a aposta no vale tudo, enquanto torce por um tropeço de Haddad nos debates.
Essa é a grande dificuldade dos seus marqueteiros para reverter a humilhante derrota que se anuncia: hoje o tucano compõe aos olhos da população um personagem cada vez mais definido e desconectado de sua fala; as atitudes ecoam mais alto do que a voz e desautorizam as promessas.
O acúmulo tende a consolidar uma imagem que se move de forma autônoma.À revelia do arsenal publicitário calcifica-se o perfil de um político que sabota até o próprio passado na busca sôfrega --descontrolada agora, depois do Ibope-- pelo poder.
Mudar isso é como enxugar o chão com a torneira aberta.
Carrega-se na maquiagem aqui, arruma-se um beijo inverossímil ali. Lista-se um prohgrama mal-ajambrado de última hora desprovido de metas, cronogramas e estimativas de custo.Em seguida, a realidade irrompe como um vento inoportuno a sabotar o controle do incêndio.
Qual Serra o eleitor ainda estaria disposto a 'comprar'?
O 'progressista' teve atuação regressiva nas votações relativas ao direito do trabalhador, segundo levantamento do DIAP.
O 'desenvolvimentista', soube-se de fonte insuspeita, foi um dos mais empenhados defensores das grandes privatizações do ciclo tucano, caso da Vale do Rio Doce, por exemplo. Testemunho de FHC nas eleições de 2010.
O propalado 'arrojo administrativo' reduz-se ao cacarejar de galinha velha: faz barulho mas não bota. Juntos, Serra/Kassab completaram oito anos de um condomínio administrativo que objetivamente destratou SP; agora recolhe o saldo de uma rejeição estrondosa: 45% da cidade reprova a gestão consorciada.
No episódio mais recente, do 'kit anti-homofóbico, cairam as cascas da cebola que ostentavam as credenciais do liberal. Emergiu por debaixo o oportunista da intolerância, abraçado a um savonarola dos 'bons costumes'. Um intercurso explícito entre o obscurantismo e o o vale tudo que constrange até círculos intelectuais mais esclarecidos do tucanato.
Depois de alvejar a iniciativa do MEC, Serra foi desmascarado mais uma vez: em 2009, quando governador, distribuiu material semelhante em muitos aspectos ao professorado estadual de SP.
A semelhança é compreensível: o material nos dois casos foi produzido pela mesma instituição, a ONG Ecos.
Palavras de um dos integrantes da equipe que participou do projeto: "A Ecos sempre trabalhou na gestão do Serra; ele está cuspindo no pote que comeu. O material que fizemos para o MEC tem 80% do material do Estado de São Paulo. É um absurdo se utilizar do preconceito para ganhar voto" (Toni Reis, presidente da ABGLT).
Avulta nesse episódio a caricatural disposição de alguém disposto a dilapidar o próprio currículo. No desespero eleitoral, Serra atacar o programa do próprio Serra.
Compare o tucano de agora, agarrado ao pastor Malafaia, com esse outro, que tomou as seguintes medidas, lembradas por Antonio Lassance, colunista de Carta Maior:
a) em 2005, ele criou a Coordenadoria de Assuntos da Diversidade Sexual em São Paulo; depois, instituiu a Comissão a Comissão Processante Especial para apuração de atos Discriminatórios a que se refere a Lei n° 10.948/2001, destinada a receber, analisar e mandar punir atos anti-homofóbicos;
b) também em 2005, Serra criou o Conselho Municipal em Atenção à Diversidade Sexual e o Centro de Referência e Combate à Homofobia;
c) em 2006, criou o GRADI – Grupo de Repressão a Delitos de Intolerância a DECRADI – Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, para o controle e repressão dos grupos homofóbicos.
Em resumo, quando o interesse era disputar o espaço LGBT com a petista Marta Suplicy, Serra não criou apenas um kit anti-homofobia, mas armou um elogiável rede da tolerância em SP. Agora, dá guinada na direção oposta e salta para os braços dos malafaias, supostamente puxadores do voto evangélico.
O evento tardio desta 2ª feira em torno do 'programa' para a cidade ressente-se desse vício congênito à natureza política de Serra: a simulação, irmã gêmea da falta de escrúpulo.
O que se divulgou foi um adereço de mão de fantasia eleitoral, no qual nem o candidato acredita, como deixou claro no discurso que proferiu no evento.
Passa-se ao largo da oportunidade preciosa de discutir São Paulo para valer, estendendo a seu moradores o direito elementar de escrutinar os problemas da cidade e tomar onsciência dos requisitos políticos para equacioná-los.
Não há rigor técnico algum na rudimentar listagem tardia das propostas mal-ajambradas pelo tucano. O que é feito para não valer pode elidir metas, omitir cronogramas e abstrair custos.
Em resumo, prescindir dos requisitos que lhe dariam veracidade e transparência compatível com a eventual fiscalização pela cidadania.
O simulacro do conjunto foi resumido na descrição de um item por insuspeita fonte: "Em um dos poucos momentos em que dedicou sua fala às próprias propostas, Serra lembrou a promessa de construir 30 AMAs (Assistência Médica Ambulatorial)". (...) "Mas não a ponto de detalhar onde vamos fazer..." (ressalvou o tucano). "Isso seria impossível" (UOL, 16-10).
O modelar descompromisso se repete em outros tiros a esmo, como a promessa de implantar '30 parques' na cidade (onde? como?com que verba?); ou instalar mais cinco mil novos pontos de luz ou ainda a etérea menção uma deficiência escandalosa da gestão de seu apadrinhado, que não dedicou a ela um centímetro adicional de asfalto: 'expandir a rede de corredores de ônibus'. Assim, em quatro palavras, desincumbe-se o tucano da grave distopia do transporte em São Paulo, como se fosse algo tangencial, passível de tratamento genérico e ligeiro. Vai por aí o seu crepuscular 'programa de governo'.
O conjunto exala o peso e a contundência de uma bolinha de papel eleitoral. Mais que isso, reforça uma percepção que se calcifica: Serra é o principal testemunho contra ele mesmo.
A postura professoral ancorada em boutades é quase ofensiva; a soberba incontrolável das sobrancelhas em pinça denuncia a impaciência de quem ouve por obrigação.
Quando tenta transparecer humildade, o tucano exala condescendência; o tom do discurso é sempre o mais revelador: ao tentar ser simpático é notório que está sendo falso.
O anti-sindicalismo udenista de Serra explode ao primeiro conflito social, assim como o recorte antidemocrático irrompe à primeira pergunta embaraçosa de jornalista não embarcado na vassalagem midiática.
O higienismo social que arremata o conjunto sequer é dissimulado --e olha que estamos falando de um dissimulador experimentado.
É difícil demover as consequências eleitorais dessa sedimentação ancorada na percepção intuitiva da população, saturada de dissimulações rotas, convicções esfarrapadas e do recorrente vale tudo das conveniências.
São Paulo é o grande bunker logístico do conservadorismo brasileiro.
A rejeição a um dos principais quadros desse aparato precisa acumular muito vapor na fornalha para romper uma blindagem arrematada com a solda dupla do jornalismo cúmplice.
O maior trunfo de Haddad hoje é esse discernimento em curso na opinião pública.
Trata-se de iluminar cuidadosamente o cerne da questão: Serra é impermeável a qualquer valor ou compromisso que não atenda ao seu exclusivo interesse pessoal. No seu arquivo biográfico, o interesse pela cidade ocupa o lugar da prateleira subalterna. E essa hierarquia se adensa nos episódios caricaturais desta campanha de 2012.
Postado por Saul Leblon às 15:10
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