O fenômeno não é fruto apenas da obsolescência tecnológica, mas, e principalmente, do anacronismo do seu modo de fazer jornalismo: “denuncismo” seletivo, perda de credibilidade, falta de agilidade, associação ao crime etc
Milito na imprensa alternativa desde o começo da
década de 1980, portanto lá se vão alguns bons anos – uma vida. Mas
nunca imaginei, nem em meus mais delirantes sonhos típicos de um
autêntico “utopista militante”, que estaria vivo para ver o dia em que
nós, os “do lado de cá”, experimentaríamos tamanha pujança e iminente
supremacia, como a que vislumbramos nos dias de hoje.
Esse dia chegou. E, ainda bem, estou vivo, atento e forte
para saborear essa vitória. Mas, advirto já de saída, a fraqueza e
arcaísmo da grande mídia não é condição suficiente para alicerçar e
manter o êxito dos meios alternativos – até porque muitos destes ainda
se deixam pautar quase que exclusivamente pelo oligopólio da mídia
grande. Portanto, essa conquista só será completa quando todos os
principais veículos da blogosfera tiverem competência, autonomia
financeira e completa liberdade para deslanchar seus próprios projetos –
sem que incorramos, mais uma vez, nos já conhecidos ciclos de pujança e
penúria.
Já somos hoje mais relevantes e atuantes que a
ultrapassada grande imprensa. Os mais talentosos e valorosos estão do
nosso lado. Mas ainda falta dar mais alguns derradeiros passos. O que
importa é que consolidemos essa nossa utopia – e em sua busca sigamos
adiante. Sem apostar a nossa sorte na improvisação, na precariedade e no
acaso. Sem descurar do profissionalismo.
Já há alguns anos testemunhamos jornais importantes e
representativos da grande imprensa encerrando suas atividades. Não há o
que comemorar, evidentemente, uma vez que muitos colegas já perderam,
estão perdendo ou perderão seus empregos. Mas esse fenômeno, a
obsolescência da mídia impressa, revela-se inevitável. Inadiável.
Afinal, quem quer saber de notícia velha, ultrapassada; quem ainda lê
jornal impresso com fatos que ocorreram no dia anterior? Quem? Senão os
saudosistas incorrigíveis que ainda gostam de sentir a prazerosa
sensação de folhear suas páginas calma e lentamente, após o café da
manhã, e emporcalhar os dedos e as mãos. Sim, porque a impressão dos
nossos jornais ainda é de qualidade duvidosa. Ou seja, estamos mudando
para os meios digitais sem sequer melhorarmos a qualidade da tinta e da
impressão dos nossos jornais.
Em face dessa decadência, que se reflete na diminuição do
número de leitores aferidos e, consequentemente, na publicidade, alguns
jornais já migraram para outras plataformas (tablets, notebooks,
celulares etc.) e estão comercializando seu conteúdo no formato
digital, mediante a venda de assinaturas. Alguns desses veículos, por
enquanto, ainda fazem um mix e vendem os dois serviços: a mídia
impressa, entregue no conforto do lar, e o acesso digital nas várias
plataformas a cabo ou móveis ( 3G ou 4G). Ainda. Por enquanto, eu disse.
É prudente salientar.
Uma das principais discussões e polêmicas diz respeito a
se o acesso a esse conteúdo oferecido será gratuito, parcialmente
gratuito ou pago. Esse é o “nó górdio” da questão. Sairá na frente
aquele que conseguir desatar esse nó com maior agilidade, racionalidade e
economicidade.
O mesmo fenômeno se dará com as revistas semanais, que
terão que repensar o seu formato e conteúdo se quiserem manter-se vivas.
Os seus editores deverão pensar em conteúdos mais perenes – e não
somente notícias de anteontem, futilidades e escândalos de ocasião como
ocorre hoje.
É preciso então que saibamos surfar essa onda. Para quem
tem, desde sempre, remado contra a corrente da maré, surfar uma onda
sequer parece ser um novo desafio; parece mais um convite para uma nova
e prazerosa (a)ventura. Mas, repito o alerta: é preciso competência e
habilidade para não se deixar afogar por essa vaga que cresce no
horizonte. É preciso cuidar da forma, mas, enfatizo, também do conteúdo.
É nesse cenário que a mídia alternativa tem um terreno,
mais ou menos terraplanado, para construir e pavimentar suas vias e
veredas – notadamente, portais como os da Carta Maior e do Brasil 247,
além, claro, dos blogueiros independentes, progressistas ou “de
esquerda”. Estes últimos, aliás, deveriam refutar o indevido rótulo de
“sujos” que lhes foi pespegado irônica e injustamente. Mas, em absoluto,
devem gastar energia, tempo e sono com isso. “Os cães ladram e a
caravana passa”. Deixemos os cães ladrarem seus impropérios, tomados
pela sua risível e grotesca fúria, em seu ladrido gratuito e solitário.
Sigamos adiante.
Vale observar e registrar ainda que a decadência da grande
imprensa não é fruto apenas de sua obsolescência tecnológica, mas, e
principalmente, do anacronismo e decadência do seu modo de fazer
jornalismo, de suas inúmeras mazelas: “denuncismo” seletivo, conteúdo
fajuto, perda de credibilidade, falta de agilidade, associação ao crime
das máfias que compram parlamentares e jornalistas etc. – vide o caso
dos jornalistas citados na CPI do Cachoeira e a operação abafa que se
seguiu. Sem falar, decerto, no repasto dos hipócritas e nos sabujos do establishment.
Por isso, assim como antes cobravam dos veículos da grande
imprensa, os veículos alternativos não podem descuidar dos pressupostos
e insumos essenciais ao bom jornalismo: talento, argúcia, boa formação
intelectual, pluralismo de pensamento, direito ao contraditório e franca
participação do leitorado. E, acima de tudo, remunerar condignamente os
seus colaboradores.
Quem diria, a tal modesta Kombi (1) está se transformando num verdadeiro trem-bala.
O futuro nos pertence. Blogueiros progressistas, uni-vos! O momento é nosso.
N.A.: (1) Alusão à frase supostamente
proferida por certo ministro do Supremo, que teria dito que o povo (que
faz barulho na internet) “não enche uma Kombi”.
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