quinta-feira, 22 de novembro de 2012

A decadência da grande imprensa


Lula Miranda

LULA MIRANDA 

O fenômeno não é fruto apenas da obsolescência tecnológica, mas, e principalmente, do anacronismo do seu modo de fazer jornalismo: “denuncismo” seletivo, perda de credibilidade, falta de agilidade, associação ao crime etc

Milito na imprensa alternativa desde o começo da década de 1980, portanto lá se vão alguns bons anos – uma vida. Mas nunca imaginei, nem em meus mais delirantes sonhos típicos de um autêntico “utopista militante”, que estaria vivo para ver o dia em que nós, os “do lado de cá”,  experimentaríamos tamanha  pujança e iminente supremacia, como a que vislumbramos nos dias de hoje. 

Esse dia chegou. E, ainda bem,  estou vivo, atento e forte para saborear essa vitória. Mas, advirto já de saída, a fraqueza e arcaísmo da grande mídia não é condição suficiente para alicerçar e manter o êxito dos meios alternativos – até porque muitos destes ainda se deixam pautar quase que exclusivamente pelo oligopólio da mídia grande. Portanto, essa conquista só será completa quando todos os principais veículos da blogosfera tiverem competência, autonomia financeira e completa liberdade para deslanchar seus próprios projetos – sem que incorramos, mais uma vez, nos já conhecidos ciclos de pujança e penúria. 

Já somos hoje mais relevantes e atuantes que a ultrapassada grande imprensa. Os mais talentosos e valorosos estão do nosso lado.  Mas ainda falta dar mais alguns derradeiros passos. O que importa é que consolidemos essa nossa utopia – e em sua busca sigamos adiante. Sem apostar a nossa sorte na improvisação, na precariedade e no acaso. Sem descurar do profissionalismo.

Já há alguns anos testemunhamos jornais importantes e representativos da grande imprensa encerrando suas atividades. Não há o que comemorar, evidentemente, uma vez que muitos colegas já perderam,  estão perdendo ou perderão seus empregos. Mas esse fenômeno, a obsolescência da mídia impressa, revela-se  inevitável. Inadiável. 

Afinal, quem quer saber de notícia velha, ultrapassada; quem ainda lê jornal impresso com fatos que ocorreram no dia anterior? Quem? Senão  os saudosistas incorrigíveis que ainda gostam de sentir a prazerosa sensação de folhear suas páginas calma e lentamente, após o café da manhã, e emporcalhar os dedos e as mãos. Sim, porque a impressão dos nossos jornais ainda é de qualidade duvidosa. Ou seja, estamos mudando para os meios digitais sem sequer melhorarmos a qualidade da tinta e da impressão dos nossos jornais. 

Em face dessa decadência, que se reflete na diminuição do número de leitores aferidos e, consequentemente, na publicidade, alguns jornais já migraram para outras plataformas  (tablets, notebooks, celulares etc.) e estão comercializando seu conteúdo no formato digital, mediante a venda de assinaturas. Alguns desses veículos, por enquanto, ainda fazem um mix e vendem os dois serviços: a mídia impressa, entregue no conforto do lar,  e o acesso digital nas várias plataformas a cabo ou móveis ( 3G ou 4G). Ainda. Por enquanto, eu disse. É prudente salientar.

Uma das principais discussões e polêmicas diz respeito a se o acesso a esse conteúdo oferecido será gratuito, parcialmente gratuito ou pago. Esse é o “nó górdio” da questão. Sairá na frente aquele que conseguir desatar esse nó com maior agilidade, racionalidade e economicidade.

O mesmo fenômeno se dará com as revistas semanais, que terão que repensar o seu formato e conteúdo se quiserem manter-se vivas. Os seus editores  deverão pensar em conteúdos mais perenes  –  e não  somente notícias de anteontem, futilidades e escândalos de ocasião como ocorre hoje. 

É preciso então que saibamos surfar essa onda. Para quem tem, desde sempre, remado contra a corrente da maré, surfar uma onda sequer parece ser um novo desafio; parece mais um convite para  uma nova e prazerosa (a)ventura. Mas, repito o alerta: é preciso competência e habilidade para não se deixar afogar por essa vaga que cresce no horizonte. É preciso cuidar da forma, mas, enfatizo, também do conteúdo.

É nesse cenário que a mídia alternativa tem um terreno, mais ou menos terraplanado, para construir e pavimentar suas vias e  veredas – notadamente,  portais como os da Carta Maior e do Brasil 247, além, claro, dos blogueiros independentes, progressistas ou “de esquerda”. Estes últimos, aliás,  deveriam refutar o indevido rótulo de “sujos” que lhes foi pespegado irônica e injustamente. Mas, em absoluto, devem gastar energia, tempo e sono com isso.  “Os cães ladram e a caravana passa”. Deixemos os cães ladrarem seus impropérios, tomados pela sua risível e  grotesca fúria, em seu ladrido gratuito e solitário. Sigamos adiante.

Vale observar e registrar ainda que a decadência da grande imprensa não é fruto apenas de sua obsolescência tecnológica, mas, e principalmente, do anacronismo e decadência do seu modo de fazer jornalismo, de suas inúmeras mazelas: “denuncismo” seletivo, conteúdo fajuto, perda de credibilidade, falta de agilidade, associação ao crime das máfias que compram parlamentares e jornalistas etc. – vide o caso dos jornalistas  citados na CPI do Cachoeira e a operação abafa que se seguiu. Sem falar, decerto, no repasto dos hipócritas e nos sabujos do establishment.

Por isso, assim como antes cobravam dos veículos da grande imprensa, os veículos alternativos não podem descuidar dos pressupostos e insumos essenciais ao bom jornalismo: talento, argúcia, boa formação intelectual, pluralismo de pensamento, direito ao contraditório e franca participação do leitorado. E, acima de tudo, remunerar condignamente os seus colaboradores. 

Quem diria, a tal modesta Kombi (1) está se transformando num verdadeiro trem-bala.
O futuro nos pertence. Blogueiros progressistas, uni-vos! O momento é nosso.

N.A.: (1) Alusão à frase supostamente proferida por certo ministro do Supremo, que teria dito que o povo (que faz barulho na internet) “não enche uma Kombi”.

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