quarta-feira, 21 de novembro de 2012

A inexplicável dosimetria das penas



Doses Inexplicáveis

Marcos Coimbra

Para quem não é jurista, um dos aspectos mais estranhos do julgamento do mensalão é a tal dosimetria.
Quando passaram a discuti-la e aplicar a cada condenado a pena que entendiam cabível, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciaram uma etapa que o cidadão comum tem dificuldade de entender.
A dosimetria seria uma ciência exata? Aquelas cujos postulados e resultados se expressam na enésima casa decimal? Em que cada milímetro faz diferença e um grama muda tudo?

Para quem está acostumado com as disciplinas que estudam a sociedade e o comportamento dos indivíduos, tamanha precisão não faz sentido. Equivale a supor que as pessoas e seus atos podem ser transformados em fórmulas matemáticas.  

Que sentido real pode haver em uma pena de dezenas de anos, alguns meses e “cinco dias”? O que a fração expressa?

Ficar detido por dez, vinte, trinta, quarenta anos não é punição abundantemente suficiente? O que representam os meses e dias adicionais?

No fundo, tanta precisão serve apenas para fazer parecer que a dosimetria é impessoal, que consiste na aplicação neutra de regras científicas. Que o cálculo do tempo de castigo não decorre do arbítrio do julgador.

Mas não é apenas na aritmética que a dosimetria do STF é surpreendente.

Os réus até agora condenados receberam penas completamente fora da tradição jurídica brasileira. A começar pelos integrantes do “núcleo publicitário”, aos quais couberam as mais severas.

Qual o sentido de mandar para a cadeia por um período de 20 anos, no mínimo, pessoas que não cometeram qualquer crime de sangue, que não colocaram em perigo  a vida de ninguém, que não representam risco para a ordem pública, com antecedentes comparáveis aos de qualquer pessoa até 2005?
Que foram julgados em primeira e última instância simultaneamente, em nome de uma decisão discutível que estendeu a eles o foro privilegiado? Que, por isso, perderam o direito ao recurso?

A ideia de que os ilícitos que cometeram são tão graves quanto os que levam assassinos cruéis para as grades é despropositada. É falsa a noção de que “roubaram o dinheiro que iria para hospitais, escolas e creches” e que isso seria motivo bastante para emprisioná-los.

Nem com malabarismos é possível afirmar que o esquema de arrecadação irregular de que participaram “tirou o leite da boca das criancinhas pobres”. É só olhar os autos do processo.

Resta o argumento de que penas dessa magnitude têm “função pedagógica” e desencorajariam outros das mesmas práticas.

Primeiro, nada ensina que a hipótese seja verdadeira, como ilustram os casos de regimes  autoritários como o chinês, que estabelece a pena de morte para crimes de colarinho branco e se defronta com problemas cada vez mais graves em relação a eles.

Em segundo lugar, porque o excesso punitivo pode ser tão deseducador quanto a impunidade.
As prisões desproporcionais dos envolvidos no “mensalão” apenas mostram que alguns são punidos, enquanto a vasta maioria dos que fazem coisas iguais fica livre. O tamanho do castigo confirma a excepcionalidade.

É como se alguém tivesse que ser punido com excesso para garantir que tudo continue como antes.
Mas a duração das penas talvez tenha outra explicação.

Em alemão, existe uma palavra que poderíamos importar: Schadenfeude. Quer dizer sentir prazer com a dor alheia, ficar contente com o castigo do outro. E mais alegre se sofrer muito.

Os germanistas do STF devem conhecer a frase de Schopenhauer: “Sentir inveja é humano, saborear esse sentimento é diabólico”.

O Tribunal ainda tem tempo de se corrigir.

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