domingo, 14 de julho de 2013

Um vovô apressado e protegido

Cheio de amigos no Paquistão, Osama bin Laden passava o tempo no esconderijo cuidando dos netos. Escapou de uma blitz de trânsito que flagrou seu carro em alta velocidade e construiu uma fortaleza, sem nunca levantar suspeitas

Mariana Queiroz Barboza
 

Um guarda de trânsito paquistanês poderia ter encerrado a caçada pelo homem mais procurado do mundo menos de dois anos depois do atentado de 11 de setembro de 2001. Durante uma blitz em Swat, no Paquistão, um policial parou, por excesso de velocidade, o carro que levava o líder da rede terrorista Al-Qaeda, Osama bin Laden. Uma conversa rápida com um dos capangas de Bin Laden, então sem sua barba característica, fez o militar liberar a passagem – e, assim, a perseguição ao terrorista continuaria ainda por quase uma década. A revelação está no relatório de 336 páginas da Comissão de Abbottabad, cidade onde Bin Laden se escondeu até ser morto por americanos, que foi obtido com exclusividade pela rede árabe Al Jazeera. Formada pelo Parlamento paquistanês para investigar a missão de 2 de maio de 2011, data oficial da morte de Bin Laden, a comissão entrevistou mais de 200 testemunhas. Além de revelar como foi possível viver durante tanto tempo em segredo, sem levantar suspeitas, o documento mostra que Bin Laden só conseguiu se manter oculto graças à colaboração dos próprios paquistaneses.

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BIN LADEN
A conivência dos paquistaneses ajudou o terrorista
a se esconder durante quase uma década

Segundo o relatório, o terrorista passou por seis lugares diferentes nos nove anos em que viveu incógnito no Paquistão, sendo os últimos seis na casa onde foi encontrado. Após escapar por pouco dos americanos na batalha de Tora Bora, no Afeganistão, em dezembro de 2001, acredita-se que Bin Laden tenha chegado ao país pelo noroeste. Três anos depois, ele comprou um terreno numa área residencial de Abbottabad com carteira de identidade falsa e começou a construção de um complexo cercado por muros altos. Detalhe: a casa ficava a apenas um quilômetro, em linha reta, da Academia Militar de Kakul, uma espécie de West Point do Paquistão. E, por incrível que pareça, nenhum oficial que dava expediente ali jamais notou o vizinho suspeito.

Pouco apegado a bens materiais, Bin Laden tinha apenas seis batas árabes (três para o verão e três para o inverno), uma jaqueta preta e duas blusas de frio. Como nunca saía de casa – por “falta de dinheiro”, diziam –, fora apelidado pelas crianças da casa de “tio pobre”. A comissão observa também que, para não ser identificado por satélites espiões, Bin Laden usava um chapéu de caubói. Suas mulheres disseram que ele “confiava em Alá para sua proteção”.

O chefe da Al-Qaeda era precavido. Nunca recebia visitas e não permitia que seus netos frequentassem a escola. Ele mesmo cuidava da educação religiosa das crianças, supervisionava seu tempo livre, o que incluía cultivar hortas, e premiava os melhores desempenhos. Quando se sentia mal (acredita-se que sofria com problemas de rim e coração), tratava-se com remédios tradicionais e ingeria chocolate e maçã para recuperar a energia. Na propriedade de Abbottabad, além do núcleo de Bin Laden, viviam as famílias dos irmãos Ibrahim e Abrar, seus homens de confiança. Dos 27 residentes, 11 eram adultos. Nenhum deles pagava impostos e as autoridades, ao que parece, jamais se preocuparam com isso. A família aproveitou um terremoto que danificou um dos muros da casa, em 2005, para construir ilegalmente um terceiro andar, e nem isso chamou a atenção do governo local. “Como a vizinhança toda, autoridades locais, a polícia e agentes de segurança e inteligência, todos deixaram passar o tamanho (da casa), o formato esquisito, o arame farpado, a ausência de carros e visitantes por um período de quase seis anos é inacreditável”, diz o relatório. “Todo o episódio parece, em grande parte, ser uma história de complacência, ignorância, negligência, incompetência, irresponsabilidade e possivelmente pior em vários níveis dentro e fora do governo”, conclui o documento.
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Foto abre: Al-Jazeera/AP photo

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