sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Em Itajubá, a nova vida do superexecutivo


O ex-presidente da Siemens Adilson Primo trabalhou na multinacional alemã por 34 anos até ser afastado em 2011, acusado por um desvio de 6,5 milhões de euros. Agora ele é secretário municipal de Itajubá, onde ainda tem fama de poderoso

Rodrigo Cardoso, enviado especial a Itajubá (MG)
 

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O ARQUIVO VIVO
O ex-executivo da Siemens Adilson Primo é atualmente
o manda-chuva da Prefeitura da cidade mineira de Itajubá

Os primeiros raios de sol da manhã atravessam as árvores que circundam a praça Theodomiro Santiago e ajudam a aquecer um grupo de aposentados sentados sobre cadeiras de plástico em frente a um café. A conversa da turma fica mais calorosa quando entra em pauta a política da cidade onde eles moram, Itajubá, situada no sul de Minas Gerais.  “A prefeitura quer desapropriar um terreno enorme sei lá pra que diabo!”, solta um deles. De pronto, o colega ao lado comenta: “Certeza que tem dedo do supersecretário”. Apoiado em uma bengala, o outro senhor retruca, antes de saborear um café: “Esse é danado! Foi por causa dele que a secretária da Indústria e Comércio pediu pra sair.” Os três moradores da cidadezinha mineira situada nas encostas da Serra da Mantiqueira referiam-se ao secretário municipal de Administração Geral e Gestão, Adilson Antonio Primo. Ele é um homem de currículo incomum. Executivo aclamado no mundo dos negócios, Primo presidiu a Siemens do Brasil por dez anos e pilotou resultados tão fantásticos para a companhia que chegou a ser cotado para liderar o QG mundial do conglomerado alemão. Até que, em 2011, foi demitido sob suspeita de ter desviado cerca de 6,5 milhões de euros. Aos 60 anos, Primo deu uma reviravolta em sua vida e, numa trajetória surpreendente, desabou sobre a política local da cidade onde ele havia se formado engenheiro eletricista em 1975 e hoje é ocupada por pouco mais de 91 mil habitantes. Embora neófito na política, Primo tornou-se, na boca do povo, supersecretário da Prefeitura de Itajubá. O processo de criação da Secretaria de Administração dá a dimensão exata do prestígio de Primo na cidade. Até janeiro de 2011, quando o prefeito Rodrigo Riera (PMDB) tomou posse, o órgão nem sequer existia. Dois meses depois, a secretaria foi erguida apenas para acomodá-lo, com salário de R$ 6.882,34. Na época de sua saída da Siemens, Primo ganhava 26 vezes mais: seu salário era de R$ 181,9 mil.
Mas Primo não é um secretário qualquer. Apesar de ter dito em entrevista exclusiva à ISTOÉ que tem “ojeriza à política”, o ex-executivo da Siemens dá as cartas na cidade. Não à toa, ele também é conhecido no meio político local como “CEO” e “primeiro ministro” da prefeitura. “Quem manda na prefeitura é o Adilson Primo. Ele mesmo já disse que o prefeito tem de prefeitar, ou seja, viajar, fazer política, contatos. Enquanto Riera faz isso, o Primo coordena todas as secretarias de uma forma totalmente centralizadora”, disse à ISTOÉ um dos maiores empresários da região. O fato é confirmado por Leandra Machado Santos. Hoje proprietária de uma rede de drogarias, Leandra é a ex-secretária que pediu demissão do cargo após bater de frente com Primo. “Adilson ficaria com a missão de choque de gestão, além de promover a integração entre as secretarias. Mas não foi assim. Ele não conseguia ser integrador e passou a assumir projetos de outras secretarias, como a que estava sob a minha responsabilidade. De forma desrespeitosa, mandava e desmandava nos programas dos quais eu era responsável. Pedi afastamento do cargo e do governo”, contou Leandra, por e-mail, de Londres, onde se encontrava em viagem.

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DUPLA DO BARULHO
O ex-governador do DF José Roberto Arruda e Adilson Primo
foram contemporâneos na Universidade Federal
de Itajubá (abaixo), em meados dos anos 70

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Embora não tenha nascido em Itajubá, Primo – natural da cidade mineira de São Lourenço – começou a pavimentar sua carreira de executivo da Siemens na cidade onde hoje atua como secretário com superpoderes. Nos anos 70, a Siemens costumava dar uma bolsa para o melhor aluno de engenharia elétrica da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), afamada pela excelência na formação de engenheiros. Primo, que era considerado um aluno brilhante da instituição centenária, recebeu a honraria e passou a estagiar na empresa. Na multinacional alemã passou 34 anos até ser afastado em 2011 por “grave violação” de diretrizes. Um de seus ex-professores universitários confirma o que ex-colegas de classe disseram sobre a inteligência acima da média do ex-presidente da Siemens. “Ele é um dos ex-alunos dos quais eu mais me orgulhava no passado. Hoje, com essas histórias todas, não tenho o mesmo sentimento por ele”, lamentou. Arquivo vivo dos escândalos da Siemens, Primo, se quisesse,  poderia contribuir e muito para a elucidação do funcionamento do cartel, da qual a Siemens fez parte, que superfaturou obras no Metrô e nos trens de São Paulo durante os governos de Mario Covas, José Serra e Geraldo Alckmin. Mas ele prefere silenciar sobre o assunto. “Sobre a Siemens eu não falo. Tenho um processo que corre em segredo de Justiça e não posso dar absolutamente nenhuma declaração”, disse ele à ISTOÉ, na saída do melhor restaurante de Itajubá, depois de ter saboreado um abadejo acompanhado de suco de laranja durante o almoço na quarta-feira 7. Enquanto Primo presidia a Siemens, a empresa tinha planos de instalar duas fábricas em Itajubá, num invetimento de R$ 300 milhões que geraria 700 empregos diretos. Depois que ele assumiu a secretaria municipal, os alemães desistiram do empreendimento.

Dono de passado recente conturbado, depois de permanecer por três décadas numa multinacional, na qual ocupou vários cargos de confiança, Primo contrariou a lógica ao se expor assumindo um cargo público. Para um político local, Primo, ao contrário do que alardeia, acalenta o sonho de assumir a prefeitura em 2014. Para atingir a pretensão política, contaria com o aval do atual prefeito. Enquanto não confirma sua postulação, Primo leva uma vida tranquila na cidade. Construiu um prédio de três andares como investimento e possui um lote de terreno em um condomínio fechado, onde irá construir uma casa. Mora em um apartamento de três quartos em um prédio com porteiro 24 horas por dia muito bem localizado no centro da cidade, próximo da praça central e da igreja matriz. No mesmo endereço, o ex-governador do Distrito Federal, itajubense e engenheiro eletricista José Roberto Arruda, possui apartamentos alugados. Primo e Arruda foram contemporâneos na Unifei, em meados dos anos 70. Frequentavam juntos a praça central, ponto de encontro da juventude na época. “Mas Arruda não era da minha panela”, garantiu o secretário, que gostava de tocar violão e presentear as namoradas com LPs de Roberto Carlos.

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“Não sei de nada. O meu tema com a
Siemens corre em segredo de justiça”

Adilson Primo, ex-executivo da Siemens, entrevistado por ISTOÉ
na quarta-feira 7, enquanto saía de um restaurante de Itajubá

“O ARRUDA NÃO ERA DA MINHA PANELA”

ISTOÉ – Por que o sr. decidiu retornar a Itajubá?
Adilson Primo
– Vim para dar uma contribuição temporária para a cidade. Ela mudou muito, me formei aqui.

ISTOÉ – O sr. quer seguir carreira política?

Primo –
Não, não! Não há nenhuma intenção minha de enveredar para a política. De jeito nenhum! Isso aqui está sendo um período. A ideia é tentar ajudar a cidade com a minha experiência. Aliás, tenho ojeriza à política. O meu negócio é técnico. Agora me aposentei e estou em uma fase de emprestar um pouco da minha experiência. Só isso.

ISTOÉ – O sr. e José Roberto Arruda se formaram como engenheiros eletricistas praticamente na mesma época, nos anos 70, em Itajubá. Eram amigos?

Primo –
A turma da escola se encontrava todo dia. Evidentemente que tinham as panelas. Mas o Arruda não era da minha panela, do meu círculo. Não frequentávamos um a família do outro, não.

ISTOÉ – O sr. tinha conhecimento do envolvimento da Siemens no cartel que superfaturou obras do Metrô de São Paulo? 

Primo –
Tenho um processo com a Siemens que corre em segredo de Justiça e não posso dar absolutamente nenhuma declaração.

ISTOÉ – O governador de São Paulo tinha conhecimento desse superfaturamento?

Primo –
Não sei de nada. Absolutamente, não posso tocar sobre nenhum tema, porque o meu tema com a Siemens corre em segredo de Justiça.

ISTOÉ – O sr. teria como contribuir para a elucidação desse caso?

Primo –
Não posso, absolutamente, contribuir com essa entrevista com nada que diga isso. Hoje, o processo com a Siemens corre em segredo de justiça. Ponto!

ISTOÉ – Muitos cidadãos de Itajubá dizem, em tom de reclamação, que o sr. fica na cidade de segunda a sexta, mas passa os fins de semana em São Paulo com a família. É isso? 

Primo –
Olha, eu...

ISTOÉ – O sr. mora em Itajubá?

Primo –
Às vezes, venho para cá, às vezes, vou para lá...Varia. Frequento Itajubá há 60 anos.

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