segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Drama de republiqueta


Obama consegue acordo para elevar o teto da dívida dos EUA, mas ainda não afasta risco de um calote internacional

Fabíola Perez
 

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Países latino-americanos foram tratados como republiquetas irresponsáveis quando tiveram dificuldades em honrar suas dívidas externas na década de 1980. As moratórias e os calotes que marcaram aqueles anos eram vistos pelas nações ricas como atrasos civilizatórios, e não como consequência previsível da brutal alta de juros que os Estados Unidos adotaram para conter a inflação causada pela crise do petróleo. Pois na semana passada, foi a maior economia do mundo que se salvou, por pouco, de dar um calote. Seria um calote colossal, capaz de lançar o mundo inteiro em recessão. Na quarta-feira 16, um dia antes de os Estados Unidos ficarem tecnicamente sem dinheiro para pagar seus compromissos financeiros, o Congresso aprovou um projeto que elevou o teto da dívida do país. Foi o desfecho de duas semanas de pressões políticas que obrigaram o governo americano a interromper atividades não essenciais. Exigindo o adiamento da reforma da saúde pública, a oposição republicana provocou uma paralisação que custou aos Estados Unidos pelo menos 0,6% no resultado do PIB do quarto trimestre, ou seja, US$ 24 bilhões. O presidente Barack Obama agradeceu aos partidos que negociaram o entendimento, mas alertou: “Precisamos nos livrar do hábito de governar o país por meio de crises. Temos que conquistar de volta a confiança do povo americano”.

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PODER RACHADO
O líder republicano John Boehner, presidente da Câmara, também ficou nas
mãos dos radicais, sem forças para comandar uma saída para a crise

Não será uma tarefa fácil, dentro ou fora do país. “O mero fato de se cogitar um calote é totalmente irresponsável”, afirmou o megainvestidor Warren Buffet. “Credibilidade é como virgindade: pode ser preservada, mas não recuperada facilmente.” Os Estados Unidos brincaram com fogo e, apesar de o risco de uma profunda recessão ter sido adiado, saíram da crise com a imagem arranhada. A pressão do Tea Party, a ala radical do Partido Republicano, sobre o presidente Obama despertou uma insatisfação generalizada na população. Uma pesquisa recente realizada pelo Instituto Gallup revelou que a aprovação dos conservadores caiu dez pontos percentuais em um mês, ou seja, apenas 28% dos americanos são favoráveis ao partido. “Eles perceberam que não chegariam a lugar nenhum com as paralisações e resolveram ceder ao acordo”, disse à ISTOÉ Alan Brinkley, historiador e especialista em política americana da Universidade Columbia. Mas a paralisação do governo também jogou luz sobre outro entrave da política do país: o colapso da autoridade americana. A segmentação da oposição fez com que o presidente da Câmara, John Boehner, ficasse nas mãos dos opositores radicais, sem poder de liderança diante da confusão. O impasse animou adversários pelo mundo afora. Na semana passada, autoridades chinesas se animaram a defender uma economia global “desamericanizada”, para que a comunidade internacional consiga se proteger dos efeitos da política doméstica dos Estados Unidos. “Eles se esqueceram de que são os detentores da moeda mundial e tiveram uma atitude irresponsável”, observou Miguel Daoud, economista e diretor da Global Financial Advisor. Para o especialista, o ambiente de segurança foi retomado, mas o mundo perdeu a confiança. “Nas variáveis que as agências de risco avaliam entrou o componente político, sinalizando que as autoridades americanas visam mais o poder do que a nação”, disse Daoud.

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O maior problema é o tamanho do déficit dos Estados Unidos. Desde a crise de 2008, o rombo nos gastos públicos cresce vertiginosamente. Para resolver o impasse, republicanos acreditam que cortar os gastos públicos é premente. Já para os democratas, a solução está em aumentar os impostos para as classes de maior poder aquisitivo. Obama e os líderes democratas têm até fevereiro do ano que vem (quando vencem os termos do acordo acertado agora) para mostrar resultados positivos na economia. Caso contrário, podem voltar a sofrer mais uma vez a pressão dos conservadores, colocando em risco o programa de incentivo à saúde que foi a grande promessa de campanha de Obama. A seu favor, o presidente americano tem ainda o desgaste que seus opositores também sofreram com o jogo pesado no Congresso. “Os republicanos perceberam que adotaram a estratégia errada”, acredita Gunther Rudzit, professor de relações internacionais das Faculdades Rio Branco. “A população se preocupa com a dívida pública, mas não concorda em colocar em xeque os benefícios para a saúde”, diz ele. O acordo que veio para adiar uma situação insustentável dará alguns meses de respiro a Obama, mas está longe de ser uma solução, num país que se mostra profundamente dividido e radicalizado. 

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