quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Sobre imprensa e jornalistas

Diálogo entre dois amigos do personagem principal de Recordações do Escrivão Isaías Caminha, de Lima Barreto, sobre a imprensa do começo do século 20. 



A imprensa! Que quadrilha! Fiquem vocês sabendo que, se o Barba Roxa ressuscitasse, agora com os nossos velozes cruzadores e formidáveis couraçados, só poderia dar plena expansão a sua atividade, se se fizesse jornalista. Nada há tão parecido como o pirata antigo e o jornalista moderno: a mesma fraqueza de meios, servida por uma coragem de salteador; conhecimentos elementares do instrumento de que lançam mão e um olhar seguro, uma adivinhação, um faro para achar a presa e uma insensibilidade, uma ausência de senso moral a toda prova... E assim dominam tudo, aterram, fazem que todas as manifestações de nossa vida coletiva dependam do assentimento e da sua aprovação. Todos nós temos que nos submeter a eles, adulá-los, chamá-los gênios, embora intimamente os sintamos ignorantes, parvos, imorais e bestas... Só se é geômetra com seu placet, só se é calista com a sua confirmação, e se o sol nasce é porque eles afirmam tal coisa... E como eles aproveitam esse poder que lhes dá a fatal estupidez das multidões! Fazem de imbecis, gênios; de gênios, imbecis; trabalham para a seleção das mediocridades, de modo que... 

– Você exagera, objetou Leiva, o jornal já prestou serviços. 

– Decerto... Não nego... mas quando era manifestação individual, quando não era coisa que desse lucro; hoje, é a mais tirânica manifestação do capitalismo e a mais terrível também... É um poder vago, sutil, impessoal, que só poucas inteligências podem colher-lhe a força e a essencial ausência da mais elementar moralidade, dos mais rudimentares sentimentos de justiça e honestidade! São grandes empresas, propriedade de venturosos donos, destinadas a lhes dar o domínio sobre as massas, em cuja linguagem falam e a cuja inferioridade mental vão de encontro, conduzindo os governos, os caracteres para os seus desejos inferiores, para os seus atrozes lucros burgueses... Não é fácil a um indivíduo qualquer, pobre, cheio de grandes ideias, fundar um que os combata... Há necessidade de dinheiro; são precisos portanto capitalistas que determinem e imponham o que se deve fazer num jornal... 

Vocês vejam: antigamente, entre nós, jornal era de Ferreira de Araújo, de José do Patrocinio, de Fulano, de Beltrano. Hoje, de quem são? A Gazeta é do Gaffré, O País é do Visconde de Morais, ou do Sampaio, e assim por diante. E por detrás dela estão os estrangeiros, se não inimigos nossos, mas quase sempre indiferentes às nossas aspirações.

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