quinta-feira, 13 de março de 2014

Chico Alencar: 14 votos derrotados que assustam e as razões para esperança



da assessoria do deputado Chico Alencar, sobre discurso feito em 13.03.2014

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) julgou, anteontem, representação contra o Juiz João Batista Damasceno, por suposto descumprimento de dever funcional. Seu suposto “crime”? Ter pendurado em seu gabinete, em agosto do ano passado, o quadro “Por uma cultura de paz”, do conhecido artista Carlos Latuff.
A tela mostra um homem negro crucificado, alvejado por um policial armado. De acordo com o Juiz Damasceno, em entrevista ao portal “Vi o Mundo”, “o quadro retrata a violência do Estado contra os excluídos”, e a sua afixação foi “uma forma de denunciar o genocídio que se pratica contra os pobres”.  Amarildo é um caso emblemático, mas não isolado: em 2012, segundo o juiz, foram 5.900 desaparecimentos no estado do Rio de Janeiro. O magistrado chama a atenção, ainda, para os autos de resistência, que mascaram os assassinatos cometidos pelo aparelho repressivo estatal nas periferias.

A obra de arte é de rara felicidade, pois atualiza a mensagem solidária de Cristo: “incluir os excluídos e pregar a paz”, segundo síntese do Papa Francisco, em sua pregação de Natal. Hoje, no Brasil, precisamente como exibido na obra de Latuff, isso exige combater a violência sistêmica do Estado, dirigida em especial contra pobres, negro(a)s, mulheres, homossexuais e outros grupos explorados e oprimidos.

O Deputado estadual Flávio Bolsonaro (PP-RJ) entrou com representação contra o Juiz Damasceno pela afixação do quadro. A acusação? A obra seria “difamatória” à Polícia Militar. De um parlamentar de convicções autoritárias, como Bolsonaro, seria de se esperar esse tipo de atitude. Preocupante mesmo é que a Presidenta do TJ-RJ, desembargadora Leila Mariano, tenha determinado ao Juiz Damasceno a retirada do quadro de seu gabinete. Para piorar o cenário absurdo, o Corregedor do Tribunal, Valmir de Oliveira Silva, levou a representação adiante, para ser julgada pelo Tribunal, defendendo a instauração de processo administrativo disciplinar.

O Desembargador Siro Darlan, após apresentar carta de repúdio à grotesca representação, deu “asilo artístico” ao quadro e o pendurou em seu gabinete. O Tribunal deu nova ordem absurda, então, de retirada.

É no mínimo paradoxal que magistrado(a)s, que em tantos casos têm crucifixos pregados em seus gabinetes, persigam um colega pelo fato de exibir, no seu, uma imagem que nada mais faz do que inserir a mensagem de Cristo no nosso contexto social.

A censura à obra de arte e a perseguição ao digno Juiz João Augusto Damasceno constituem graves ataques à liberdade de expressão e à independência do Juiz, garantias fundamentais do Estado Democrático de Direito.

Para nosso alívio, o farisaísmo e o autoritarismo foram derrotados: por 15 votos a 6, o TJ-RJ julgou a representação no dia 11 de março passado e a rejeitou. “Os votos vencedores realçaram que a colocação da obra ‘Por uma cultua de paz’, do cartunista Carlos Latuff, expressa preocupação com a dignidade da pessoa humana e que está no âmbito da liberdade de manifestação do pensamento garantida pela ordem jurídica. A obra pugna por uma política de segurança humanizada, que valorize os próprios agentes do Estado que a executa, o que também constou em alguns votos”, disse o Juiz Damasceno.

Mesmo assim, os seis votos pela instauração de procedimento administrativo disciplinar contra o magistrado são preocupantes. Tanto quanto os oito sufragados à candidatura de Jair Bolsonaro para a Presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, recentemente.

Porém, há razões para esperança: o quadro de Latuff foi levado a leilão, junto a outras obras de arte doadas por outros(a)s artistas. O dinheiro arrecadado foi utilizado para adquirir uma casa para a família do pedreiro Amarildo. E quem arrematou a tela da crucificação contemporânea foi a Juíza Kenarik Boujikian, presidenta da Associação Juízes para a Democracia (AJD), que o pendurou em seu gabinete no tribunal de Justiça de São Paulo, ainda no ano passado. Até aqui, não recebeu ordem de censura…

A chama ecumênica e democrática de indignação contra a violência e a exclusão segue viva no Poder Judiciário.

http://www.viomundo.com.br/denuncias/chico-alencar-sobre-os-14-votos-derrotados-que-assustam.html

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