sábado, 26 de abril de 2014

Advogados dizem que julgamento do mensalão contrariou jurisprudência do STF

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Evento na OAB-RS debateu julgamento do mensalão com advogados e sindicalistas | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Samir Oliveira
Em evento promovido para discutir o julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal (STF), advogados observaram que o processo registrou uma jurisprudência diferente da adotada em outros casos semelhantes pela Corte e qualificaram o caso como um “ilusionismo jurídico” para prejudicar o Partido dos Trabalhadores (PT). As interpretações foram feitas durante o debate “Análise técnica de um processo político”, que ocorreu na noite desta quarta-feira (23) no auditório da OAB-RS. A iniciativa foi organizada pela Federação dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Fetee-Sul), pela Federação dos Metalúrgicos do RS, pela União Nacional dos Estudantes (UNE) e pela Central Única dos Trabalhadores (CUT).
 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Para o advogado criminalista Ricardo Cunha Martins, STF modificou jurisprudência ao se debruçar sobre o caso do mensalão | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Para o advogado criminalista e professor universitário Ricardo Cunha Martins, o julgamento do mensalão “inovou para pior” em termos da jurisprudência adotada pelos ministros do STF. Ele afirma que o Supremo “não foi coerente com sua própria história jurisprudencial” ao apreciar o caso.
Martins entende que o tribunal não tinha competência para julgar todos os 40 réus no processo – algo que assegura que já havia sido reconhecido pela Corte em outros casos. “Tenho 17 precedentes em que o STF já tinha decidido que sua competência para a hipótese da ação penal originária não pode julgar quem não é o detentor da prerrogativa de função”, disse.
Ele explicou que, em outros processos, o Supremo havia consolidado o entendimento de que, em ações penais, só pode julgar os réus diretamente envolvidos nas acusações. “O tribunal investido do poder constitucional quebrou sua tradição e violou seus próprios princípios”, argumentou.
O advogado também considerou que a Teoria do Domínio do Fato foi aplicada de forma equivocada no julgamento do mensalão. “Essa teoria jamais irá abstrair alguma prova cabal. É preciso haver uma prova cabal do domínio finalístico da conduta (criminosa) do outro (réu)”, ponderou. Para ele, esse embasamento jurídico foi aplicado sem a apresentação de provas e serviu como principal catalisador para a condenação do ex-ministro José Dirceu. “Houve uma manipulação doutrinária para tentar justificar uma condenação sem prova, criando um terrível precedente”, resumiu.
 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Advogado de Henrique Pizzolato entende que fundo do VisaNet não é composto por recursos públicos | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Para advogado de Henrique Pizzolato, não houve desvio de dinheiro público
Sávio Lobato atuou como advogado de Henrique Pizzolato no processo do mensalão. O réu, que era diretor de Marketing do Banco do Brasil, foi condenado sob a acusação de ter dado aval para retirada de recursos da instituição com o objetivo de pagar deputados da base aliada do governo Lula para que votassem a favor de projetos do Palácio do Planalto.
O advogado entende que não houve desvio de dinheiro e que o objeto julgado pelo STF – os recursos do VisaNet – sequer constituía um fundo de verbas públicas. Ele explicou que o VisaNet era um fundo destinado à publicidade de cartões de crédito com a bandeira Visa e que era abastecido com os recursos provenientes das próprias compras realizadas com os cartões dos clientes de diversos bancos, sendo o Banco do Brasil uma dessas instituições.
Lobato ainda acrescentou que nenhuma decisão era tomada de forma isolada no Banco do Brasil e que as notas técnicas que autorizavam a liberação de recursos do fundo VisaNet eram assinadas por outros três diretores da instituição. “Não existem decisões isoladas no Banco do Brasil. A modalidade de gestão compartilhada foi instituída no governo Fernando Henrique. O fundo VisaNet era vinculado não à diretoria de Marketing, mas à de Varejo. O ato de ofício (que libera recursos do fundo) era assinado por quatro pessoas. Se essa nota técnica era o ilícito penal, os quatro deveriam ser indiciados, mas pegaram só o Pizzolato, que era o único petista. Os outros três vinham da época do FHC”, recordou.
Por conta desse e de outros aspectos que comentou em sua fala, o advogado qualificou o julgamento do mensalão como “ilusionismo jurídico” com o objetivo de “criminalizar um partido”. “Houve uma desconstrução dos direitos fundamentais com a finalidade de criminalizar um partido. Isso só se efetiva com um estado de exceção”, opinou.
 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sindicalista diz que julgamento foi político | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Dirigente da CUT cobra reação mais enérgica do PT e blogueiro diz que mídia influenciou STF
Integrante da Executiva Nacional da CUT, Júlio Turra entende que o PT deveria ter defendido de forma mais enérgica os condenados pelo mensalão. “A reação do PT foi pusilânime, com raríssimas exceções”, criticou, acrescentando que, na sua avaliação, lideranças como o ex-presidente Lula e a presidenta Dilma também evitaram comentar o tema.
O sindicalista informou que a CUT defende uma revisão penal no processo do mensalão, por entender que se tratou de uma apreciação política e que os ministros do STF teriam ignorado os argumentos e provas apresentados pela defesa dos réus. “O julgamento foi político e impediu o exercício do direito de defesa para preservar as regras existentes no sistema político brasileiro”, opinou.
 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
“A imprensa pressionou o STF de várias formas” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
O blogueiro Eduardo Guimarães, fundador do Movimento dos Sem Mídia, acredita que a imprensa incitou os ministros do STF a condenarem os réus do mensalão e citou entrevistas nas quais os magistrados Ricardo Lewandowski e Celso de Mello declararam que se sentiram pressionados por veículos de comunicação. “A imprensa pressionou o STF em vários momentos e de várias formas para que tudo caminhasse no sentido que caminhou”, criticou, acrescentando que considera preocupante que, no Brasil, “meia dúzia de empresas familiares determine como a Justiça vai julgar um processo”.

http://www.sul21.com.br/jornal/advogados-dizem-que-julgamento-do-mensalao-contrariou-jurisprudencia-do-stf/?fb_action_ids=619321131491359&fb_action_types=og.likes&fb_source=aggregation&fb_aggregation_id=288381481237582


Nenhum comentário: