segunda-feira, 28 de abril de 2014

COMETEU CRIME HEDIONDO E QUER SER POLICIAL

Esta história fundiu minha cabecinha, porque não sei o que pensar.
Muitas das pessoas que me leem são jovens, e nem estavam vivas, ou eram crianças, em 1997. Nesse ano aconteceu um crime terrível em Brasília: na madrugada do dia 20 de abril, cinco jovens de classe média-alta atearam fogo ao índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, que dormia num ponto de ônibus. 
Galdino era um líder indígena que tinha vindo da Bahia para participar de comemorações do Dia do Índio e fazer reivindicações. Ele e outras lideranças chegaram a se reunir com o então presidente FHC. Morreu queimado, horas depois. Hoje há alguns monumentos em sua homenagem. O local onde ocorreu o assassinato foi rebatizado de Praça do Compromisso. 
Em sua "defesa", os jovens criminosos disseram, na época, que só queriam dar um susto no homem, e que pensavam que ele era um mendigo. Esse tipo de "defesa" foi usada novamente em 2007, quando cinco rapazes, também de classe média alta, espancaram uma empregada doméstica num ponto de ônibus no Rio. Eles pensaram que era uma prostituta (porque, né, atear fogo em mendigo ou espancar prostituta, tudo bem).
Voltando ao terrível caso Galdino, quatro dos cinco jovens foram condenados a 14 anos de prisão, desfrutados com inúmeras regalias que são concedidas apenas aos brancos bem nascidos que raramente vão parar na prisão. O quinto envolvido era menor de idade quando cometeu o crime. Tinha 17 anos na ocasião, e por isso teve que cumprir apenas medida socioeducativa de quatro meses. Saiu do centro de reabilitação juvenil com ficha limpa, como manda o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Dezessete anos depois, Gutemberg (o menor de idade na época) prestou concurso para a polícia civil do DF. Passou em todas as provas (objetivas, discursivas, biométrico, psicológico, de capacidade física). Faltava só a análise da vida pregressa. Porém, como ele não tinha antecedentes criminais (afinal, pela lei, a infração de um menor de idade é apagada), ele teria que ser aprovado. E não foi. É essa a dúvida.
O Correio Brasiliense publicou uma boa reportagem ontem, entrevistando especialistas com opiniões discordantes. Mas é quase unânime que, se Gutemberg entrar na justiça, conseguirá a aprovação no concurso, porque ele não pode ser punido ou discriminado por um crime cometido quando era menor. Outra coisa, que muita gente ignora, é que maiores de idade que cumpriram sua pena tampouco podem ser discriminados. 
Ou seja, se algum dos outros quatro rapazes prestasse concurso e passasse nas provas, seria aprovado -- obteria a certidão de nada consta se tivesse cumprido a pena e ficado mais dois anos sem delitos. "Não existe punição perpétua. Depois que pagou pela pena, o indivíduo deve ser reintegrado à sociedade", disse um advogado à reportagem.
Então. Tudo isso mexe comigo. Sou contra a redução da maioridade penal, porque acho que isso simplesmente não resolve. A cada caso de violência que causasse comoção pública, teríamos que baixar mais e mais a maioridade, até o ponto de querer mandar, se depender da sanha punitivista de muitos, crianças de cinco anos para a cadeira elétrica.
Sem falar que reduzir a maioridade colocaria no xilindró apenas alguns menores de determinada cor e classe social.  E sem falar que há infinitamente mais menores de idade que são mortos (por adultos) do que menores que matam. 
Eu sou contra a barbárie, e barbárie, pra mim, não é só o bandido que estupra ou mata ou queima uma pessoa, mas também quem lincha esse bandido. 
Como sou contra a pena de morte, acredito em reabilitação. Acredito que as pessoas possam mudar e aprender a conviver pacificamente em sociedade. Mas acho que um criminoso deve ser punido (por exemplo, quero que o goleiro Bruno passe boa parte dos 22 anos a que foi condenado pelo assassinato de Eliza Samudio preso, sem poder ser contratado para jogar futebol). Punido e reabilitado. 
Sou a favor que Gutemberg exerça algumas profissões, mas não outras, como policial ou juiz. Eu não quero que um sujeito que cometeu o crime bárbaro de queimar alguém tenha acesso a uma arma e a muito poder. Até porque a gente sabe que a carreira policial atrai muitos caras problemáticos, preconceituosos, violentos, trigger happy, digamos (eu pensava sempre nos amigos de Alex em Laranja Mecânicadepois que conheci os mascus, vi que existem vários policiais entre eles). 
Lógico, eu não mando nada, e quem tem que decidir é a justiça. Mas o tema da reabilitação, do perdão (que pra mim não tem o menor sentido religioso), é algo que sempre me inquieta. Quanto tempo é necessário para que a gente "absolva" uma celebridade que cometeu um crime? O que seria totalmente imperdoável pra você?
Eu penso sempre no ótimo filme do Cronenberg, Marcas da Violência (veja trailer), em que um pacato dono de um bar numa cidadezinha mata dois criminosos sádicos, em legítima defesa. Sua mulher descobre que ele havia sido um mafioso assassino vinte anos atrás, antes de conhecê-lo. E aí, o que você faria? Separa-se dele? Continua com ele, porque ele sempre foi um marido exemplar? 
E se não estivermos falando de um mafioso assassino, mas de algo mais dúbio? Tipo: você é super amigx há dez anos de um cara, e aí fica sabendo que ele atropelou e matou alguém enquanto dirigia bêbado, dez anos antes de vocês serem apresentados. Ou você descobre que aquela pessoa que você gosta tanto participou de um trote que resultou na morte (ou estupro) de um calouro. Ou alguém te conta que seu melhor amigo votou no Collor pra presidente em 1989. Você segue sendo amigx dessa pessoa?
Pra mim essas questões morais me soam interessantíssimas. Mas, no caso do Gutemberg ingressar na polícia civil, não sei se tenho opinião formada.
 
http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/2014/04/cometeu-crime-hediondo-e-quer-ser.html

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