domingo, 18 de maio de 2014

Falsa socialite “Kelly Tranchesi” aplicava cerca de sete estelionatos por dia

Kelly Samara é transferida de delegacia após ser presa no Rio de Janeiro
Por Paulo Sampaio para revista Joyce Pascowitch
Mentirosa compulsiva, a estelionatária mato-grossense Kelly Samara Carvalho dos Santos se apresentava, em São Paulo, como Kelly Tranchesi, dizia que era da alta sociedade e aplicava golpes em lojas de grife, hotéis cinco- estrelas e locadoras de carros. Costumava também “apagar” os amantes de uma noite só, misturando tranquilizante em suas bebidas para depois subtrair deles dinheiro, talões de cheque e cartões de crédito. Entre períodos na cadeia e em liberdade, a falsa socialite está com o filme queimadérrimo no eixo Rio-SP
Nascida em Amambai, cidade a cerca de 360 quilômetros de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, Kelly Samara Carvalho dos Santos, 25 anos, sempre teve problemas com o próprio nome. Considerava Kelly Samara “pobre”. Kelly dos Santos? “Um horror.” Precisava dar um jeito de se livra daquela origem simples. Ainda criança, na escola, já roubava objetos dos coleguinhas mais fracos e ameaçava bater neles caso a denunciassem. Na adolescência, alternava longos períodos na Fundação Casa, ex-Febem. Aos 19, praticamente uma profissional, ela foi a São Paulo para uma temporada de estelionatos. Na ocasião, 2007, adotou vários pseudônimos “sofisticados” para proteger-se de suspeitas nos golpes que perpetrava em lojas de marca dos Jardins. Apresentava-se como Kelly Lambertini, Kelly Caramazoff e Daniela Garcete (de uma família rica do MS). Sua identidade preferida, contudo, era Kelly Tranchesi, alusão à antiga dona da butique Daslu.
Foi nessa época que se tornou uma figura nacionalmente conhecida, graças ao destaque que a mídia deu aos seus trambiques. Sua estreia nos jornais foi quando subtraiu do filho da dona de uma galeria de arte uma gravura do pintor espanhol Joan Miró, avaliada em R$ 35 mil. Kelly e Gianpaolo Gelleni se conheceram quando ele embicou o carro na porta da garagem do prédio onde morava. Enquanto ele aguardava que o portão automático abrisse, Kelly atravessou na frente do carro e o cumprimentou, como se o conhecesse. “Ela me chamou de Bruno, depois pediu desculpas e disse que eu parecia um amigo dela”, contou Gelleni ao jornal O Estado de S. Paulo. Os dois começaram a conversar, Kelly disse que era do Mato Grosso e que estava em São Paulo para estudar, por insistência do pai, dono de um bingo. Eles passaram a sair. Um dia, ele a convidou para ir ao Cafe de La Musique: “Pedi uma dose de uísque e apaguei”, contou o rapaz, que acordou na cama. “Tomei um ‘boa noite cinderela’ (golpe que consiste em apagar a vítima e furtar objetos dela).” A mãe dele, Marina, disse ao Estadão: “Sempre desconfiei, ela não tinha todos os dentes”. Gelleni ainda defendeu a moça: “Só faltavam alguns do fundo da boca”.
Aprendiz de delinquente

Criada pelos avós maternos, Kelly tornou-se uma aprendiz de delinquente já na adolescência, quando não respeitava regras na escola, inventava para si identidades grandiosas e cometia pequenos furtos. Em um determinado momento, passou a ser acompanhada pelo conselho tutelar do Mato Grosso do Sul. Quando se viu livre, com a maioridade, deixou a cidade de 31 mil habitantes para fazer a vida em lugares maiores e mais ricos, onde o relativo anonimato a deixaria sossegada para praticar seus delitos. Atuou no Mato Grosso do Sul, Goiás, São Paulo e interior (Ribeirão Preto, Dourados e Jaboticabal) e Rio de Janeiro. “Ela circulava com um status social bastante interessante”, disse o delegado José Eduardo Vasconcelos, de Bebedouro, que a investigou em um de seus golpes.
Da primeira vez em que a prenderam, em São Paulo, em 1º de agosto de 2007, a polícia chegou a ela graças à denúncia de uma locadora de automóveis para qual devia R$ 6,5 mil. Foi detida dirigindo um carro importado alugado. Morena de cabelos lisos, corte chanel, 1,76 metro de altura, 56 quilos, ela até enganava como patricinha. Saltos altos, Kelly entrava nos lugares pisando firme, poc, poc, poc, batia a cinza do cigarro no chão e tratava mal os serviçais. Não suspeitava que esse comportamento poderia revelar justamente seu complexo de pobreza. Assim que começava a falar, despejava nos ouvidos alheios um português tão castigado de erros de concordância que era impossível não suspeitar. Quando contrariada, ainda subia o tom de voz. “Ela era do tipo escandalosa. Falava: ‘Você sabe com quem está falando?’, e as vendedoras das lojas, com medo que ela espantasse os outros clientes, acabavam aceitando o pagamento com os cheques suspeitos”, lembra a delegada Aline Gonçalves, do 15º Distrito Policial, Itaim Bibi, zona oeste de São Paulo, em entrevista a J.P.
Muito solícita

Depois de uma saison na penitenciária de Santana, na zona norte de São Paulo, a luxuosa detenta conseguiu alvará de soltura e logo estava pronta para recomeçar a agir. Kelly não escolhia vítima, era a que estava à mão. Certa vez, ao amparar uma aposentada de 84 anos que tropeçou na rua, ela se propôs a acompanhá-la até em casa. A mulher até disse que já estava bem, mas, muito solícita, Kelly insistiu em subir ao apartamento dela. Lá, conversa vai, conversa vem, pediu um copo d’água e, enquanto a outra foi buscar, pegou um talão de cheques que estava dando sopa em cima da mesa da sala de jantar. “Essa moça subestimou minha inteligência, foi muito cínica”, disse, à época, Amena Campos de Souza.
Entre uma temporada e outra na cadeia, Kelly Samara executou um de seus golpes mais ousados. Foi à delegacia prestar queixa contra a própria advogada, Yara Alves Brasil, a quem ela acusava de ter roubado suas roupas. A verdade é que, quando foi presa anteriormente, Kelly pediu a Yara que pegasse sua mala no hotel onde estava hospedada. Como não tinha residência fixa, nem bons antecedentes para alugar um apartamento, ela aplicava 171 em cinco-estrelas. “O gerente do hotel estava furioso porque ela não tinha pago sequer uma diária”, conta Yara em entrevista a J.P. A advogada também não recebeu os R$ 4 mil que cobrou de honorários. Intimada na delegacia, Yara falou de suas suspeitas sobre a cliente e entregou a mala cheia de roupas ainda com etiquetas aos detetives. Ao chamar Kelly para pegar seus pertences, a polícia a prendeu em flagrante com o talão de cheques de dona Amena na bolsa. Tal qual as adolescentes deslumbradas do filme A Gangue de Hollywood (2013), de Sofia Coppola, que entram em casas de celebridades para furtar roupas de grife, Kelly insistia em manter a pose mesmo após ser detida. Tentou, inclusive, fazer uma social com a delegada: “Doutora, por que a gente não sai para jantar?”, ela perguntou, como se as duas fossem unha e carne.
Rainha do camarote

Sua agenda era recheada de contatos importantes. Como toda boa alpinista social, Kelly sabia de cabeça uma série de nomes que conhecia dos sites de celebridades. Em seu perfil no Orkut, onde se apresentava com a frase “Eu adoro festa em São Paulo”, aparecia em fotos com atores de TV, jogadores de futebol e socialites. Em geral, conseguia acesso aos camarotes vip das casas noturnas porque estava sempre com uma garrafa de uísque (roubada) para dividir com a turma. Dentro do camarote, ela enfiava a mão boba em todas as bolsas. Caso saísse da balada com algum incauto, dava um jeito de jogar umas gotinhas do tranquilizante Rivotril na bebida dele.
Quando foi presa, acharam um frasco do remédio em sua bolsa. Um dos boletins de ocorrência contra Kelly foi registrado por um rapaz que, ao despertar, dera pela falta de R$ 5,5 mil e o cartão de crédito.
Dependendo do interlocutor, quando queria impressionar muito, se passava por filha do presidente do Paraguai, Nicanor Duarte. O pai biológico de Kelly morava naquele país e nunca lhe dera a mínima. A mãe, segundo ela, a abandonara ainda bebê. Nas delegacias, ela costumava assumir o personagem da perturbada que cometia delitos para chamar a atenção dos pais. Porém, do mesmo jeito que começava a chorar para sensibilizar as pessoas, ela parava sem embaraço, quando se sentia desmascarada. Apareceram mais de 20 vítimas dela só em São Paulo. A polícia imagina que há muito mais. Segundo a delegada Aline Gonçalves, “ela cometia por volta de sete estelionatos por dia”. “A Kelly era investigada em sete inquéritos, mas poderiam ser 35. A polícia precisava ter uma delegacia só para ela.” A maioria das vítimas, segundo a delegada, não presta queixa porque se sente constrangida.
Sempre que o filme de Kelly queimava em uma cidade, ela se mudava para outra. Depois de São Paulo, desembarcou no Rio de Janeiro. Em pouco tempo, a polícia a deteve quando saía sozinha de uma boate na Gávea, na zona sul. Localizou-a com a ajuda de um taxista que fora vítima da mato-grossense. Para chegar à casa noturna, Kelly tinha pago a corrida de R$ 56 com um cheque roubado. “À saída, no caixa, o cartão de crédito não passou, ela disse que ia buscar o dinheiro no carro”, contou o policial que a detivera. Embora houvesse suspeita de que tinha contas a pagar em hotéis da zona sul e um laptop furtado no valor de R$ 8 mil, ela negou tudo. O estelionatário quase sempre é posto em liberdade provisória, por não ser considerado um criminoso violento ou que ameace a ordem social. É uma categoria conhecida por ganhar a vítima na lábia.
Mentirosa compulsiva, Kelly continuou sua peregrinação, agora pelo interior, fugindo. Em dado momento, ela ficou na cadeia por quase um ano. Além de São Paulo e Rio, passou por penitenciárias em Bebedouro, Viradouro e Colina. Recentemente, esguichou tranquilizante na bebida de um pretendente em Ponta Porã.
A última notícia dela, fornecida pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, dá conta de que estaria foragida, desde 2012, da cadeia de Dourados (MS), onde cumpria pena em regime semiaberto. “Enquanto a gente conversa, ela deve estar aplicando mais um golpe”, acredita a delegada Aline Gonçalves. Por sua vez, sempre que é capturada, Kelly se mostra arrependida, com uma frase que já virou seu bordão: “Agora me aposentei. Sério”. Então, tá.

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