sexta-feira, 16 de maio de 2014

O economista francês que colocou a direita em pé de guerra





Concentração de renda como norma

Para romper a lógica da acumulação crescente no topo da pirâmide, o economista Thomas Piketty sugere imposto global sobre a riqueza


Tratamento de superstar para um professor de economia. Não é sempre que isso acontece…
Mas também não é todo dia que um livro de 700 páginas, cheio de gráficos, sobre a desigualdade histórica engendrada pelo capitalismo bate todos os recordes de venda pela internet (no momento, está esgotado) e dispara na lista de mais vendidos do jornal New York Times.

O assunto, aparentemente árido para o gosto popular, surpreendeu o mercado editorial e até mesmo o autor.

Mas o volume de vendas não deixa dúvidas: ele é o grande expoente de uma onda de publicações voltadas para assuntos correlatos.

Flash Boys”, de Michael Lewis, a respeito das operações de alta frequência em Wall Street mostra como pouquíssimos ganham uma fábula e está em quinto lugar na lista dos mais vendidas do Times.

Todos os banqueiros do presidente”, de Nomi Prins, a respeito da centenária interligação entre a Casa Branca e Wall Street, também anda badalado. São três aspectos de um único problema. Mas vamos ao francês que está na moda esta semana.

Thomas Piketty, professor da Escola de Economia de Paris, está voando de uma cidade à outra dos Estados Unidos para dar entrevistas e participar de seminários e palestras a respeito das ideias expostas no livro “Capital no Século XXI”.

Aqui em Nova York, ele dividiu a mesa de debates com dois economistas premiados com o Nobel: Joseph Stiglitz e Paul Krugman. Entre os três, não houve muita discórdia. A gritaria surgiu nos jornais e revistas mais conservadores, como o Wall Street Journal e a Foreign Affairs, onde as ideias de Piketty foram veementemente rechaçadas.

A edição norte-americana do livro do francês (desbancou sucessos comerciais como “Divergent”, a ficção científica que também ganhou versão cinematográfica) tem capa branca com a palavra Capital em grandes letras vermelhas em uma referência intencional à obra de Karl Marx.

Thomas Piketty está longe de ser um marxista. Mas é especialista em distribuição de renda, tema da tese de PhD que defendeu aos 22 anos de idade.

Agora, ele traçou o histórico da concentração de renda nos últimos três séculos e concluiu que o processo de concentração de renda aguda pelo qual o primeiro mundo passa hoje não é uma aberração e sim a norma do sistema capitalista (para a esquerda, até aí nenhuma novidade).

Uma lógica que foi rompida apenas em momentos de grande calamidade, como as guerras mundiais. Por isso os Estados Unidos viveram uma época áurea nos anos 50 e 60. Agora, para romper novamente a lógica da acumulação cada vez maior no topo da pirâmide, Piketty propõe a adoção de um imposto global sobre a riqueza.

A expressão “distribuição de renda” é quase um palavrão, hoje, nos Estados Unidos, como destacou Paul Krugman em uma entrevista a respeito do livro do colega francês.

“Existe um aparato muito eficiente na TV, na mídia impressa, nos institutos de análise e assim por diante, que martelam contra qualquer menção à redistribuição. Eles conseguiram convencer muita gente de que essa é uma ideia não americana”, disse Krugman. E foi mais longe: “olha, temos que admitir, a raça está sempre escondida sob tudo na vida norte-americana. E redistribuição de renda, na mente de muitas pessoas, significa tirar dinheiro de alguém como eu (branco) e dar para alguém que não se parece comigo”.

O racismo não explicaria tudo, mas nos Estados Unidos é com certeza um agravante. Segundo as previsões do livro de Piketty, a maior potência mundial caminha, a passos largos, na substituição da democracia por um regime autocrático.

De fato, faz tempo que o setor financeiro tomou posse da política e da economia. Desobrigado de prover uma vida melhor para a maioria da população do que o comunismo podia proporcionar, o capitalismo norte-americano soltou todas as amarras e não há governo que lhe devolva os freios já que é justamente o poder econômico quem determina o resultado das eleições, em todos os níveis, com raríssimas exceções.
A questão é como reverter um processo que deu a um grupo cada vez menor a maior fatia do bolo financeiro e, junto com ele, através dessa concentração, ainda mais poder de barganha política.

Daí a proposta do francês, na verdade um eco da grande reivindicação do movimento Occupy Wall Street, que tomou as ruas de várias cidades dos Estados Unidos, por meses, em 2011: instituir impostos altíssimos para o 1% mais rico da população.

Cobrar impostos elevados, também, sobre heranças para impedir que a casta endinheirada se perpetue passando a acumulação de uma geração para a outra. Faltou incluir na lista uma cobrança salgada para os lucros financeiros que não produzem, mas sugam o setor produtivo.

Piketty destaca que Estados Unidos e Europa trocaram de lugar. Os Estados Unidos, diz ele, foram concebidos como a antítese da sociedade patrimonial. “Alexis de Tocqueville, o historiador do século XIX, viu nos Estados Unidos um lugar onde a terra era tão abundante que todo mundo podia ter uma propriedade e a democracia de cidadãos iguais poderia florescer. Até a Primeira Guerra Mundial, a concentração de renda nas mãos dos ricos era bem menos extrema nos Estados Unidos do que na Europa. No século XX, entretanto, a situação se inverteu”.

O economista francês também lembra que a ideia de cobrar mais impostos dos mais ricos foi uma invenção norte-americana do período entre as duas grandes guerras justamente para evitar que o país repetisse o modelo de desigualdade europeu.

Paul Krugman destacou o essencialmente óbvio, que muita gente faz questão de esquecer. O ex-presidente Franklin Delano Roosevelt salvou o capitalismo norte-americano com a adoção de uma rede social e de redistribuição de renda. Mas se chegou lá, não foi por convicção.

Antes de Roosevelt desembarcar na Casa Branca, lembra Krugman, já existia um movimento progressista estruturado pressionando por mudanças. O movimento Occupy foi um começo. Mas dobrar a aliança capital-política cristalizada, hoje, nos Estados Unidos, vai exigir uma organização bem mais ampla e coesa.

http://www.viomundo.com.br/politica/o-frances-que-colocou-a-direita-neoliberal-em-pe-de-guerra.html

Nenhum comentário: