segunda-feira, 19 de maio de 2014

O erro da TelexFree: tungar brasileiros nos EUA

A maneira como as autoridades norte-americanas atuaram no caso TelexFree, desbaratando em pouco tempo a quadrilha, obrigará, mais cedo ou mais tarde, a que o Ministério Público Federal analise a atuação do Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo e da CVM (Comissão de Valores Mobiliários).
No mínimo, serão obrigados a dar explicações sobre a complacência em relação ao maior crime contra a economia popular já cometido no país.
Foram envolvidos mais de um milhão de consumidores, movimentados mais de R$ 2 bilhões. Houve crime contra a economia popular, contra o sistema financeiro, contra o mercado de capitais e crime de lavagem de dinheiro.
Essa enorme relação de crimes não sensibilizou nem o Ministério da Fazenda, nem a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) nem a Polícia Federal.
Pirâmides são golpes de vida curta. Como a relação das vítimas precisa crescer exponencialmente, para bancar os primeiros que entram, o ganho dos golpistas depende exclusivamente do tempo em que o golpe permanece no ar.
No início do ano passado, o sistema Procon identificou o golpe em vários pontos do país. A informação foi levada ao Ministério da Justiça. Em vez de pronta atuação, o Ministro José Eduardo Cardozo mandou remeter os contratos da TelexFree para análise no Ministério da Fazenda – para conferir se se tratava ou não de uma pirâmide.
Tratava-se de clara manobra protelatória, já que a própria Secretaria de Defesa do Consumidor do MJ poderia ter feito essa avaliação, um desafio simples em função do golpe ser grotescamente primário. Para se habilitar aos ganhos, o divulgador deveria apenas publicar anúncios do serviço em sites e, obviamente, vender o sistema para outros incautos. Era do dinheiro dos novos divulgadores que se pagava parte dos antigos – um golpe clássico e antigo.
Só após enorme pressão do jornalismo online, a Secretaria de Assuntos Econômicos da Fazenda se pronunciou, atestando o óbvio: tratava-se de um sistema de pirâmide.
Para não agir, José Eduardo Cardozo alegou que tratava-se de crime de estelionato, portanto de responsabilidade das justiças estaduais. O grupo continuou atuando livremente, conseguindo inclusive uma liminar para tirar o laudo do Ministério da Fazenda do ar.
As vendas do grupo foram interrompidas graças a atuação de uma juíza de direito e uma promotora do Acre, que conseguiram impedir novas vendas.
Mas o grupo continuou ativo. E a enorme rede golpista montada – os divulgadores – pode tranquilamente migrar para outros golpes, sem serem incomodados pelas autoridades brasileiras.

Como as autoridades dos EUA defenderam seus brasileiros

O enorme azar da organização criminosa foi tentar dar o golpe em brasileiros residentes nos Estados. Lá, as vítimas encontraram autoridades responsáveis, que desbarataram a quadrilha, colocaram alguns criminosos na cadeia e estão atrás de outros – que fugiram para o Brasil.
A quadrilha foi desbaratada, nos EUA, graças à atuação da SEC (a Comissão de Valores Mobiliários) de Massachusetts, ajudada pelo FBI. As principais vítimas da TelexFree eram  as comunidades brasileiras e dominicanas.
Apenas nos EUA, SEC apurou um golpe de mais de US$ 300 milhões, especialmente junto às comunidades brasileira e dominicana, e menciona valores superiores a US$ 1 bilhão no Brasil.
Após investigação conduzida pela SEC de Massachusetts, foram indiciadas oito pessoas, quatro diretores e quatro divulgadores da TelexFree.
A responsabilidade das autoridades norte-americanas – em contraposição à omissão das brasileiras – chega ao ponto de disponibilizar o relatório em português, para se tornar mais acessível às vítimas da quadrilha.

Os crimes mobiliários nos EUA

A SEC apurou os seguintes crimes mobiliários:
 (a) conduta fraudulenta ou enganosa relacionada com a compra ou venda de valores
mobiliários, em violação da seção 10 (b) do Exchange Act de 1934 ("Exchange Act") e Regra 10b-5;
(b) fraude na oferta ou venda de valores mobiliários, em violação da seção 17 (a) de
Securities Act de 1933 ("Securities Act"); e (
c) a oferta ou venda de títulos não registrados, emviolação da seção 5 da lei de valores mobiliários.
Todas essas condutas são tipificadas como crime no Brasil.
Nos primeiros episódios de pirâmide financeira, nos anos 90 – imensamente menos abrangente, posto que pré-Internet - pressionei a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) a atuar no caso por se tratar de venda ilegal de valores mobiliários.
Presidida na época por Costa e Silva, a CVM elaborou uma série de procedimentos para serem aplicados às pirâmides, equiparando-as à venda irregular de valores mobiliários. De fato, as pirâmides vendiam ou certificados de barras de ouro ou certificados de participação em empreendimentos agrícolas ouj pecuárias.
Quando estou a pirâmide do Boi Gordo, escrevi uma coluna de 5 de abril de 2001 cobrando os procedimentos da CVM.
No caso da TelexFree, montou-se o maior golpe da história, envolvendo mais de um milhão de pessoas. A CVM não se moveu.

As medidas preventivas nos EUA

Para impedir perdas maiores para os consumidores, assim que constatados os crimes, a SEC tomou as seguintes medidas preventivas:
“(a) proibir os rés de continuar a violar as disposições pertinentes a ação jurídica de títulos federais
(b) congelar os bens dos rés e dos rés nominais;
(c) exigir que os rés e os rés nominais repatriem todos os lucros da fraude que agora estão localizados no exterior;
(d) exigir que os rés e os rés nominais apresentem uma fisco dos fundos de investidores e outros ativos em sua posse;
(e) impedir que os rés e os rés nominais destruam documentos pertinentes; e
(f) autorizar a Comissão a realizar a descoberta acelerada”.


A SEC também propôs:
(a) uma medida cautelar permanente proibindo os
rés de novas violações das disposições pertinentes da legislação federal de valores mobiliários;

(b) a restituição pelos rés e rés nominais dos ilícitos ganhos, acrescido de juros pré-julgamento; e
(c) penalidades civis devido à natureza das violações flagrante dos rés.


O levantamento do golpe

A SEC fez um trabalho minucioso de levantamento da história e da forma de operação da quadrilha:
Segundo o relatório da SEC:

“Em 2005, Wanzeler começou a vender adaptadores telefônicos analógicos - dispositivos que ligam uma linha telefônico tradicional com uma rede digital ou o serviço de VoIP.  A maioria dos clientes dele eram no Brasil, e Wanzeler usou o nome "Brazilian Help" nos Estados Unidos e "Disk A Vontade Telefonia" (Português para "Chamada ilimitado") no Brasil.  
A empresa baseou-se principalmente em propagandas de televisão e rádio no Brasil para atrair clientes, porque a tentativa de usar o modelo de marketing multi-nível do WorldxChange não foi bem sucedida.  A mensalidade era de$49,90 dólares.  Em 2007, Wanzeler incorporou Brazilian Help em Massachusetts.  Merrill ajudou
Wanzeler, mas nunca possuiu um título ou participação acionária na "Brazilian Help".
Não foi necessário parecer do Ministério da Fazenda para identificar o golpe:
“A TelexFree cobrava $50 dólares para um investidor se tornar um "membro" ou
"parceiro".  Por si só, uma associação era sem sentido.  A única maneira para um investidor ganhar
dinheiro era se tornar um "promotor" que colocasse anúncios na internet, recrutasse novos membros,e/ou vendesse o serviço VoIP”.
Em seguida, levantou todos os tipos de pacotes vendidos aos divulgadores.
O programa "AdCentral" custa $339 dólares (taxa de  adesão de $50 dólares mais taxa de contrato de $289 dólares) para um contrato de 52 semanas.  Promotores no programa AdCentral
receberam dez pacotes de um meses de serviço da VoIP "99TelexFree" e eram obrigados a colocar um
anúncio na internet por dia.  A cada semana que os promotores do AdCentral colocassem o número
necessário de anúncios, eles receberiam um pacote adicional do VoIP.  
Sob o "Team Builder Plan", os promotores do AdCentral Family que
recrutassem dez membros para o AdCentral Family, no qual cada um vendesse cinco pacotes VoIP
(para si ou para outros), eram prometidos 2% do faturamento da rede do TelexFree no mês seguinte, até um máximo de $39.600         de dólares.



O grande volume de anúncios praticamente idênticos para o serviço VoIP do
TelexFree tornou-os em grande parte sem sentido, especialmente porque quem usasse "TelexFree"
como um termo de pesquisa na internet seria levado para o site da própria empresa.    
No início de abrilde 2014, um site, Adpost.com, continha mais de 33.000 anúncios paraTelexFree, enquanto outro,
ClassifiedsGiant.com, continha mais de 25.000 anúncios postados desde apenas dia 1 de fevereiro de
2014.




As mentiras preparatórias

Várias das mentiras contadas pela TelexFree já tinham sido desvendadas pelo trabalho solitário de blogueiros brasileiros.
Como a foto de Merril na frente de um enorme edifício apresentado como a sede da empresa nos EUA. A empresa tinha apenas um pequeno escritório alugado no edifício, compartilhando com outras 28 empresas.
Na análise das transações de cartão de crédito, de agosto de 2012 a março de 2014, apenas US$ 1,3 milhão corresponderam a contratos de venda de VoIP. Cerca de US$ 302 milhões vieram de pagamentos de 48 mil promotores AdCentral e 202 mil
AdCentral Family.
Para esses promotores, a TelexFree prometeu pagamentos de US$ 1,1 bilhão.  
Qual o motivo para tanto desleixo das autoridades brasileiras?
Não é um motivo, são dois: as vítimas eram excessivamente pobres; e a quadrilha excessivamente rica. Por isso mesmo, a quadrilha resolveu fugir para o local mais seguro, com a garantia de que não serão incomodados: o Brasil.
http://jornalggn.com.br/noticia/o-erro-da-telexfree-tungar-brasileiros-nos-eua

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