segunda-feira, 2 de junho de 2014

Ferreira Gullar, do poema sujo ao argumento raso




Por Sergio Saraiva

O Poeta Ferreira Gullar morreu assassinado.

Mas não em uma sala de torturas dos porões da ditadura. Foi assassinado em algum momento pós-democratização. Foi assassinado não por um militar ou policial depravado, mas pela pessoa mais próxima de si que houvesse.

Seu assassino é conhecido, trata-se de José Ribamar Ferreira. Esse José Ribamar não só assassinou o Poeta, como tomou seu lugar. Na mais perfeita forma de ocultação de cadáver, faz se passar por ele e, hoje em dia, escreve crônicas dominicais em seu nome.

Ninguém soube cantar tão belo e doloroso o “sufoco”, os anos de chumbo, o país em estado de opressão pela ditadura e o último fio de esperança como Ferreira Gullar em seu Poema Sujo:

“E também rastejais comigo
pelos túneis das noites clandestinas
sob o céu constelado do país
entre fulgor e lepra
debaixo de lençóis de lama e de terror
vos esgueirais comigo, mesas velhas,
armários obsoletos gavetas perfumadas de passado,
dobrais comigo as esquinas do susto
e esperais, esperais
que o dia venha”.

Tal beleza trágica é a melhor prova do assassinato do Poeta quando comparada com os argumentos rasos de José Ribamar Ferreira em seu texto de 01/06/2014 na Folha de São Paulo, ”A Copa custou caro mesmo?”. Onde, achando-se ainda o Poeta, tenta um jogo de dizer e negar para reafirmar o que foi dito. José Ribamar não competência para tanto.

Logo no início, roga uma praga contra a Copa no Brasil, malsinando tumultos na porta dos estádios impedindo o acesso dos torcedores que desistiriam de assistir aos jogos temendo por sua integridade física. Para, logo em seguida, afirmar que não deseja tal desgraça, ainda que ela possa acontecer. Quem sabe? Eu também não creio em bruxos, mas que eles existem, existem. Eis um.

Depois do que ocorreu na Copa das Confederações e ninguém deixou de ver aos jogos ou para isso teve uma unha quebrada, só rogando praga mesmo.

Segue o bruxo, ou corvo, falando de estádios caríssimos em cidades onde pouco se pratica o futebol e cita, como exemplo, Brasília. Ah, que bola fora. O belíssimo “Mané Garrincha” será palco, se não de futebol, de memoráveis shows de músicos sertanejos a atrações internacionais. É o mais rentável dos estádios multiusos. Mas José Ribamar ainda acha que em estádios de futebol só se joga futebol.

Depois, deblatera contra a corrupção e os altos custos das obras que nunca ficam prontas no prazo. Do que fala, não sei, já que não cita onde houve a tal “corrupção” nas obras da Copa e os estádios estão prontos e já sendo utilizados no Campeonato Brasileiro deste ano. Os aeroportos estão sendo entregues, assim como as obras viárias.

Não vendo o que está à frente dos olhos, diz tratar-se, tal situação, de uma vergonha. Vergonha e envergonhados, sem dúvida, estão na moda.

Denuncia o mal uso do dinheiro público, que seria melhor utilizado em educação, saúde e infraestrutura(sic).

Em seguida, reconhece que os custos com a Copa não afetaram os gastos com educação. Os gastos com a Copa representam um duodécimo do que o Governo gasta com educação. Ele sabe, o jornal para o qual escreve, ele mesmo, noticiou isso em manchete.

Cabe, então, sair-se com o argumento de que, enquanto não tivermos a condição de educação da Finlândia, não poderíamos gastar um tostão sequer com a Copa. Não creio que a Alemanha, penúltima sede da Copa, tenha resolvido todos os seus problemas, educacionais inclusive, antes de promovê-la. Nem os EEUU, nem a Espanha, nem a Itália e mesmo nem a Coréia ou o Japão. Todos, países sedes. Imagino que a Copa tenha sido importante para o orgulho nacional dos sulafricanos, independente de seus problemas muitos e dos custos que sediar a Copa trouxe-lhes. Mas, que importa? José Ribamar é mais um brasileiro indignado, mais uma alma com complexo de vira-latas. Parece, esse complexo, ser o “mal do século” de intelectuais, artistas e ex-atletas brasileiros há algum tempo longe de seu maior brilho.

Por fim, em sua última maldição, prevê que a Presidente não comparecerá ao jogo inaugural por medo de ser vaiada. Não sei se a presença de um presidente é protocolar na cerimônia de abertura da Copa. Se for, ela lá estará presente. Esqueceu se José Ribamar do lema de vida da Presidente: “A vida quer é coragem”. Em nome dele, enfrentou a prisão e a tortura. O que uma claque de apupadores amestrados poderia fazer-lhe de mal?

São constrangedores argumentos tão rasos. Lamento. Em vida, Ferreira Gullar não os usaria. Lamentaria se do que seu assassino faz  em seu nome, tendo feito o tanto que o Poeta fez:

“Como se perdeu o que eles falavam ali
mastigando
misturando feijão com farinha e nacos de carne assada
e diziam coisas tão reais como a toalha bordada”.

Sinto, do profundo do coração, ver mais um poeta morto.

http://jornalggn.com.br/blog/sergio-saraiva/ferreira-gullar-do-poema-sujo-ao-argumento-raso

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