segunda-feira, 25 de agosto de 2014

A crise hídrica no 1º Debate para o Governo de SP, por Sergio Reis


A crise hídrica no 1º Debate para o Governo de SP
Provavelmente surpreendendo a muitos, a crise hídrica apareceu ontem como um dos principais tópicos abordados no primeiro debate entre candidatos ao cargo de Governador de São Paulo, promovido ontem pela Bandeirantes. Lamentavelmente, o cancelamento de última hora da participação do atual Chefe de Governo, Geraldo Alckmin, inviabilizou a observação de como o mandatário buscaria se defender das críticas com relação à gestão hídrica – bem como, evidentemente, com relação aos demais temas –, num contexto em que a percepção dos concorrentes a respeito da responsabilidade da gestão tucana com relação à tragédia que se avizinha parece se tornar cada vez mais aguda.
De fato, um registro interessante a ser feito é o de que todos os candidatos identificaram, em maior ou menor medida, que a crise hídrica corresponde não meramente a uma excepcionalidade pluviométrica-hidrológica, mas a falhas expressivas de planejamento e gestão. O debate se torna uma oportunidade essencial, então, para que – após meses e meses de protagonismo nos meios de comunicação da culpabilização do clima como causa do problema e dos improvisos da SABESP como soluções geniais de gestão – outras vozes e perspectivas passem a ocupar, cada vez mais, os espaços de disputa política e de proposição de alternativas para a iminente falta d’água em São Paulo.
Em outras palavras, o contexto eleitoral, apesar de todos os vícios e simplificações que o acompanham do ponto de vista do tratamento das políticas públicas, acaba por trazer a chance de o cidadão compreender a amplitude e as repercussões de um problema que nota cada vez mais diariamente em sua realidade, mas que, curiosamente, não reverbera com a mesma ênfase nos meios de comunicação.
Daí, então, torna-se válido trazermos alguns dos posicionamentos apresentados pelos candidatos ao longo do debate. É certo que, em virtude do formato excessivamente “higiênico” – para não dizermos “quadrado” e “não-espontâneo” – contido na estruturação das discussões, torna-se algo difícil abordar praticamente qualquer tópico com a profundidade que lhe deveria ser devida. Vale, contudo, enfatizarmos alguns elementos. Na pergunta de abertura, na qual Boris Casoy solicitava aos candidatos que apresentassem, sinteticamente, qual sua maior prioridade de governo, Maringoni (PSOL) foi único candidato que, explicitamente, tratou especificamente da crise hídrica, criticando o processo de privatização de metade da companhia (em processo iniciado em 1994 e ampliado em 2002, no qual a abertura de capital a transformou de empresa pública em sociedade de economia mista). O candidato foi claro em comentar que a crise não é de responsabilidade de São Pedro, mas sim do Governador, entendendo que será preciso interligar rios para lidar com o problema.
Em seguida, quem abordou, colateralmente, a questão, foi Padilha (PT) que, em sua pergunta a Laércio Benko (PHS), argumentou a respeito da fragilidade dos serviços públicos sob a gestão Alckmin, e sobre a sua contínua tática de auto-vitimização – corroborando a asserção de Maringoni no sentido de não ser o Governador uma “vítima” de São Pedro.
Benko, que é vereador do município de São Paulo, preside a recém-criada CPI da SABESP e é aliado regional da candidatura de Marina Silva (PSB), tratou da questão ao ser perguntado, por um jornalista da Bandeirantes, se a crise hídrica seria fruto da estiagem. Benko comentou que a estiagem é inegável, mas constitui apenas um dos fatores causadores do problema. O principal, efetivamente, é a falta de planejamento. O candidato apontou que há lugares em que chove menos e que não falta água (como Israel), e criticou a administração Alckmin pela não-construção de novos reservatórios, pelos elevados índices de perda de água no processo de distribuição (da ordem de 30% do total produzido), pela desconsideração do governo a respeito das mudanças climáticas (considerando que as estiagens são fenómenos cíclicos), e arrematou a questão opondo-se à distribuição dos lucros aos acionistas promovida pela SABESP: R$ 4,3 bilhões de reais (ao longo do período 2003-2013), o suficiente – segundo ele – para a construção de 2 Sistemas Cantareira. Sua proposta sobre o tema, inclusive, vai no sentido de acabar com a remuneração dos acionistas enquanto persistir a crise.
Ciglioni (PRTB), que centrou praticamente todas as suas propostas tendo como base a criação de um banco de investimentos estadual, abordou a crise hídrica  partir do descumprimento da Lei dos Mananciais. O candidato fez uma curiosa associação entre as ocupações irregulares – que, de fato, são vistas por especialistas como um fator importante, p.ex., para diminuir a capacidade de vazão dos rios – e o PT, considerando que as administrações feitas por esse partido nas cidades do ABCD foram coniventes com esses processos de habitação desordenado (na região da represa Billings). Há que se dizer que o candidato aparentemente se esqueceu de uma importante atualização nessa legislação ocorrida em 2002, a partir da proposta do então deputado estadual Ricardo Tripoli e sancionada pelo Governador Alckmin, que significou uma espécie de “anistia” para cerca de 1,6 milhão de moradores das regiões situadas em mananciais do Alto Tietê, do Guarapiranga e do Cantareira, sem prever a recuperação das regiões degradadas. O candidato do PRTB sugeriu, enfim, retirar os moradores dessas localidades, destinando a eles habitações populares – esquecendo-se, também, da existência de dezenas, talvez centenas de condomínios de altíssimo padrão situados no entorno das represas supracitadas.
Skaf (PMDB), ao ser questionado por Ciglioni a respeito da crise hídrica, observou que o que ocorre não é um problema de planejamento, mas de implementação, dados os atrasos nas obras. Citou como exemplos o Sistema Produtor São Lourenço (que se encontra atrasado em pelo menos 3 anos e só será concluído, eventualmente, em 2018), e a existência de do Plano Diretor da Macrometrópole (que estabeleceria como alternativas um conjunto de soluções hídricas capazes de aumentar a produção de água em mais 35 metros cúbicos por segundo). O que provavelmente Skaf não sabe é que mesmo esse plano atrasou vários anos – deveria, de acordo com o estabelecido na Outorga de 2004, ter ficado pronto 30 meses após a sua assinatura (fins de 2006, portanto), mas foi concluído apenas no final de 2013, com sete anos de atraso (o que também nos indica a profundidade dos problemas de planejamento da gestão Alckmin).
O candidato do PMDB ainda corroborou as afirmações de Benko a respeito dos elevados percentuais de desperdício na distribuição de água (30%), destacando a falta de investimentos da SABESP nesse setor. Skaf prometeu, então, “resolver” a crise hídrica em 4 anos a partir da diminuição significativa das perdas e da construção de novos reservatórios.
Natalini (PV) também foi indagado por jornalista da Bandeirantes a respeito da crise hídrica, mais especificamente sobre a eventual necessidade de se fazer um “rodízio de água”. O candidato do Partido Verde admitiu que fará racionamento se for preciso, e fez questão de ressaltar que a crise é muito mais grave do parece, já que poderá faltar água até para beber. Ele insistiu sobre a necessidade de o governo ser transparente e conversar abertamente com a população para que fique claro o quão sério é o problema, sem “tapar o sol com a peneira”. Como medidas mitigadoras, listou o aumento da capacidade de reservação do sistema, a recuperação das nascentes dos rios e o incremento das politicas de reuso da água (tanto no setor industrial, como no residencial). Natalini ainda atacou os atrasos ocorridos na execução de obras pela SABESP.
Em síntese, ainda que de forma incipiente – visto ser esse, finalmente, o primeiro debate entre os candidatos (a apenas 40 dias das eleições) – é possível notar algumas linhas de apropriação da crise por parte de alguns candidatos (especialmente por aqueles que trataram mais detidamente sobre a questão). Skaf parece seguir uma linha retórica mais “obreira”, talvez permitindo com que nos recordemos daquele de quem ele parece querer se aproximar, notadamente na seara da “tolerância zero” da Segurança Pública – me refiro, obviamente, a Paulo Salim Maluf. Natalini, em linha com o que se esperaria de um partido ambientalista, defendeu formas de atuação mais direcionadas à preservação do meio ambiente, à restrição do consumo (felizmente, a meu ver, se lembrando não só das residências, mas também das indústrias), à recuperação das nascentes dos rios.
Benko foi o mais assertivo na ênfase da sua crítica do ponto de vista da falta de planejamento, reconhecendo que mesmo os eventos climáticos também devem estar nos modelos de previsão a serem avaliados pelas politicas de gestão. Também fez oposição a uma visão que associa a água a uma commodity, tal qual empreendida pela SABESP a partir do foco de sua gestão financeira na distribuição dos lucros aos acionistas. Essa, também, foi a leitura de Maringoni, que avançou nessa perspectiva - possivelmente sob um prisma mais progressista - ao se opor à privatização da empresa de abastecimento. Padilha, que contextualmente tratou menos da questão de forma direta, inseriu as defesas de Alckmin sobre a crise em um âmbito maior de suas práticas, em geral associadas a um vitimismo inimputável do governador com relação a tudo aquilo que é visto como problema de politica pública. Ciglioni, enfim, nos apresentou uma perspectiva um tanto mais conservadora ao, aparentemente, colocar a população (principalmente a mais pobre, habitante das regiões dos mananciais) como corresponsá vel pela crise.
De modo geral, apesar do prejuízo – do ponto de vista do accountability – com a ausência de Geraldo Alckmin do debate, há que se dizer que o evento permitiu com que observássemos que haverá uma tendência válida de se ressaltar a crise hídrica como um tópico de politica pública prioritário para todos os candidatos. É evidente que o formato das discussões dificulta a qualificação das abordagens sobre o tema, mas apenas a sua inclusão na agenda dos candidatos como um elemento de primeiro nível é um sinal positivo no sentido de que, finalmente, a crise hídrica poderá vir a ser abordada com a relevância que lhe é devida, dadas as suas repercussões para a população.
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Ps: Importante registrar, como parte do acompanhamento diário do sistema SAISP, uma súbita mudança no comportamento da SABESP na gestão da transferência das águas do Cantareira para a Estação de Tratamento Guaraú. Conforme vocês podem verificar por meio da imagem abaixo, a descarga média de água no túnel que sai de Atibainha (o T5) é de 19 a 20 m3/s (uma determinação, como já vimos em outros artigos, do Comitê Anticrise como uma medida de restrição de oferta de água). Muito estranhamente, ontem (Sábado, 23 de Agosto), por volta das 9 da manhã, pela primeira vez vimos o completo fechamento das descargas, seguida pela abertura irrisória até quase as 12 horas. A partir daí, o sistema passou a liberar algo como 10 m3/s, operação que continuou até as 18 horas. Ao longo desse processo, o pequeno reservatório de Águas Claras esvaziou bem mais do que a média (tendo perdido, possivelmente, algo como 100 milhões de litros – para compensar a redução da descarga do T5, acreditamos). Posteriormente, o sistema voltou à vazão típica de saída. Verificamos, nos dados de transparência disponibilizados pela SABESP e pela ANA, que a vazão média de saída para o dia de ontem foi de aproximadamente 15 m3/s, 75% do habitual (sem que houvesse qualquer mudança aparente nas condições do sistema – como maior vazão de entrada, chuvas, etc).
Hoje, talvez como medida compensatória, tivemos um grande incremento da saída de água entre as 11 da manhã e as 3 da tarde – chegamos a um pico de mais de 26 m3/s de saída (um valor próximo à operação do Cantareira antes da crise). Agora, no entanto, estamos vendo o sistema liberar apenas 5 m3/s. Ficam, então, as perguntas: a SABESP está encontrando problemas com o bombeamento do volume morto do Atibainha e/ou do Jaguari-Jacareí? Estão tendo dificuldades de alguma outra ordem para o envio de água para Paiva Castro e Águas Claras? Caso ocorra uma pane de larga escala, não precisaria que fosse noticiada à população? Quanto tempo as pequenas represas situadas à frente desse túnel no fluxo de água conseguem sustentar a produção de água à população até que se torne inviável?
Desemboque do Túnel 5 - Sistema Cantareira
 http://jornalggn.com.br/blog/sergiorgreis/a-crise-hidrica-no-1%C2%BA-debate-para-o-governo-de-sp-por-sergio-reis

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