quarta-feira, 20 de agosto de 2014

O que a Globo vai descobrir se o jatinho do JN pousar em Montezuma: reforma de aeroporto abandonado vale duas unidades de saúde

Por Ricardo Amaral, no Conversa Afiada
Dos 16 minutos cronometrados [da entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo], Dilma falou 10 minutos e meio; [o apresentador William] Bonner, 4 e meio, e Patrícia [Poeta, a apresentadora] quase 1 minuto. Dá 65% para ela e 35% para eles. Dilma pronunciou 1.383 palavras, contra 980 da dupla (766 só do Bonner), o que dá 60% x 40%. Isso é escore de debate, não de entrevista. A dupla encaixou 26 acusações ao governo e ao PT; algumas, com ponto de exclamação. Nos quatro blocos temáticos (corrupção, mensalão, saúde e economia) Bonner lançou no ar 13 pontos de interrogação, e Patrícia, dois. A presidenta foi interrompida 19 vezes. Tomou dedo na cara de Bonner e de Patrícia, que reclamou de uma resposta com um soquinho na mesa. Isso não é comportamento de jornalista. Na entrevista com Aécio Neves – que muitos acharam “dura”, embora tenha sido apenas previsível – a dupla fez quatro interrupções e cinco reiterações de perguntas.
Cópia de bici
Antes de pousar, avisem o menino

por Luiz Carlos Azenha, de Montezuma, Minas Gerais

Estamos, outra vez, em temporada eleitoral. Temporada de entrevistas no Jornal Nacional, de debates, daquele jatinho que cruza os céus do Brasil em busca de discutir os problemas nacionais. Em geral, são os problemas federais. Como os leitores, ouvintes e telespectadores do quarteto midiático — Folha, Estadão, Abril, Organizações Globo — talvez já tenham notado, não existem problemas de fundo em São Paulo, nem em Minas Gerais — por coincidência, sob governos tucanos.

Talvez a produção do JN decida pousar em Montezuma, no extremo norte do estado de Minas, fronteira com a Bahia. Há quem estranhe que a emissora mais poderosa do Hemisfério Sul não tenha feito isso ainda, diante das denúncias de que um dos candidatos ao Planalto teria beneficiado a própria família com dinheiro público.
Jornal Nacional está preocupadíssimo com a corrupção, como se viu na entrevista de William Bonner com a presidente Dilma Rousseff.

Assim sendo, é mais que justo que despache o jatinho até Montezuma.

A simpática cidade, de cerca de 8 mil habitantes, tinha uma pista de terra mandada construir pelo ex-governador mineiro Newton Cardoso. No final de 2007, quando Aécio Neves era governador de Minas Gerais, o aeródromo foi incluído no ProAero, o Programa Aeroportuário de Minas Gerais.

Segundo o Diário Oficial de Minas Gerais, o objetivo do programa tocado pela Secretaria de Estado e Obras Públicas (SETOP) era que Minas tivesse, em 2011, “69 aeroportos funcionando 24 horas por dia”.
Antecipando-se à Globo, apesar de seus parcos recursos, o Viomundo constatou que, no que se refere a Montezuma, o programa fracassou.

Não se você considerar justificável construir aeroportos para manter a saúde pública.

Hoje Montezuma, cidade de 8 mil habitantes, dispõe de uma pista asfaltada de cerca de 1.300 metros. É mais ou menos o mesmo tamanho da pista de Guarujá, no litoral paulista, cidade de 300 mil habitantes onde aconteceu o trágico acidente envolvendo o candidato Eduardo Campos.

Cópia de casinha

Porém, o aeródromo de Montezuma está abandonado.

Em março de 2008, o Departamento de Estradas de Rodagem mineiro adiantou-se e escolheu uma empreiteira para pavimentar a pista de terra de Montezuma. Contratou a Pavisan, por 268.460,65 reais. Segundo um ex-executivo da empresa, que lá trabalhava à época, a obra foi um mau negócio. O valor seria irrisório e não cobriria os custos. Ele não vê razão econômica para o estado investir no local, pois perto de Montezuma há cidades maiores que poderiam ter sido contempladas com um aeroporto. Qual seria a justificativa? A proximidade com as terras da família de Aécio? Facilitar o contato aéreo entre pai e filho? E se o negócio era ruim, por que a empreiteira topou? A Pavisan fechou vários contratos com o governo mineiro durante a administração de Aécio. O dono da construtora, Jamil Habib Cury, ocupou cargo público na gestão do tucano. Foi diretor do Instituto de Desenvolvimento Integrado de Minas Gerais. Estava no posto quando a Pavisan foi escolhida para a pavimentação em Montezuma. Consta ainda na lista de doadores das duas campanhas vitoriosas de Aécio ao comando do estado, em 2002 e 2006. Na última, doou 51 mil reais.
Cópia de detalhe placa

A placa acima é de uma Unidade Básica de Saúde que está sendo reformada, bem diante do aeroporto abandonado de Montezuma.

Quer dizer que o governo de Aécio Neves torrou, em dinheiro de 2011, reajustado pela inflação de William Bonner, duas unidades básicas de saúde da Patrícia Poeta para asfaltar um aeroporto-fantasma?
Teria sido pelo fato de que a família do candidato tucano ao Planalto é proprietária, no município, de quase mil hectares de terras, na Perfil Agropecuária e Florestal?

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Quando as obras foram feitas em Montezuma, com Aécio governador de Minas, o pai dele era o dono das terras, obtidas através de usucapião.

O pai de Aécio foi deputado estadual entre 1955 e 1963 e deputado federal entre 1963 e 1987. Ou seja, estava em posição de poder ou tinha o filho em posição de poder quando tocava demandas judiciais para ficar com a propriedade.

Era dono das terras e tinha o filho em posição de poder quando a reforma do aeroporto aconteceu, mais ou menos a 30 quilômetros de sua propriedade.

Mera coincidência?

Em nossa passagem por Montezuma, entrevistamos duas pessoas que viram o agora senador desembarcando no aeroporto reformado. Aécio pousou lá. Em outra ocasião, foi o cantor Amado Batista, na véspera de fazer um show numa cidade do sul da Bahia.

Uma moradora da cidade disse que o aeroporto foi um dos principais investimentos estaduais já feitos em Montezuma. Segundo ela, antes da obra os montesumenses eram obrigados a caminhar em rodovias da região, correndo risco de atropelamento.

Agora, dispõem de um aeroporto para se exercitar. As caminhadas acontecem de manhã, bem cedinho, ou no final da tarde.

cópia de andando com cachorro
É isso mesmo: a obra do ProAero foi convertida em uma imensa pista para que a população local mantenha a forma física.
Perguntei a um dos usuários sobre o risco de um avião pousar inadvertidamente. Ele respondeu mais ou menos com as seguintes palavras: “Dá para ouvir o barulho. Qualquer coisa a gente se joga no mato”.

O aeroporto nunca foi homologado pela ANAC, a Agência Nacional de Aviação Civil.

Ainda assim, segundo os montesumenses que ouvimos, em tempos “de política” pousam ali aviões trazendo candidatos.

Este ano, quem sabe, será a vez do jatinho do Jornal Nacional.

PS do Viomundo: Na semana que vem, publicaremos a reportagem completa sobre nossa visita à cidade, bem como um mini-doc sobre o Choque de Gestão em Montezuma. A produção de conteúdo exclusivo do Viomundo, inclusive esta reportagem, foi bancada pela contribuição generosa de nossos assinantes. Fiquem com um álbum de fotos do aeroporto-fantasma, clicando sobre a foto abaixo:


http://www.viomundo.com.br/denuncias/o-que-globo-vai-descobrir-se-o-jatinho-jornal-nacional-pousar-em-montezuma.html

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