segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Meditações meditabundas sobre o ódio implícito no discurso de Marina Silva


Esta semana Marina Silva acusou seus adversários de estarem fazendo uma “campanha de ódio” contra ela. Vários comentaristas políticas sustentaram que ela tem razão, outros disseram que a candidata do PSB está apelando querendo aproveitar a imagem de vítima. Notei algo bem mais perigoso no discurso da ex-petista.
Há duas maneiras de incitar o ódio. A primeira e mais evidente é aquela que se faz de maneira direta. Neste caso o autor do discurso nomeia e desqualifica a vítima, não reconhecendo nela qualidades humanas, titularidade de direitos ou atributos de cidadania que lhe permitam reivindicar algo do Estado. Os exemplos mais claros deste tipo de discurso na atualidade são a homofobia do pastor Malafaia e a criminalização da indigência social promovida pela jornalista Rachel Sherezade. Um instiga a violência contra homosexuais, a outra acarretou uma onda de linchamentos de suspeitos negros miseráveis.
A segunda forma de incitar o ódio é um pouco mais sofisticada. O autor deste tipo de discurso se coloca na posição de vítima para levar seus apoiadores a acreditarem que cometem atos de justiça ao vingar com violência as calúnias, difamações e injúrias cometidas contra seu líder pelos adversários. O cálculo feito pelo autor deste tipo de discurso é o seguinte: se alguém cometer uma violência em minha defesa, o ato praticado em meu favor intimidará meus adversários impedindo-os de me culpar pelo resultado uma vez que não pedi para que eles fossem agredidos.
Num Estado de Direito, o discurso de ódio implícito é mais perigoso do que o discurso de ódio direto, pois:
“Os discursos políticos em geral qualificados como ‘extremistas’ são também os que aparecem, do ponto de vista psicológico, como os mais regressivos. De fato, eles buscam, na matriz do imaginário infantil, os meios para ‘ler’ e interpretar as realidades da crise. Alimentam-se do caos da sociedade, esteja ela ou não em guerra, para dizer: ‘Vejam como temos razão!’ Quanto a isso, as relações entre o imaginário e o real são contraditórias apenas em aparência. Claro, é mesmo nas representações imaginárias do carrasco que, primeiro, se constrói a figura da vítima, da ‘sua’ vítima.” (PURIFICAR E DESTRUIR, Jacques Sémelin, Difel, 2009, p. 44/45)
Marina Silva representa um grupo político e religioso minoritário. Mas a sede dela e de seus apoiadores de chegar ao poder é evidente. Enquanto a candidatura dela crescia nas pesquisas ela não fez absolutamente nada para criminalizar a oposição. Foi somente quando Dilma Rousseff começou a recuperar as intenções de voto no primeiro e no segundo turno que a candidata do PSB disse que está sendo vítima de um discurso de ódio. Num contexto de disputa incerta, este tipo de discurso pode funcionar como uma senha para seus apoiadores desencadearem violências contra o grupo oponente? Sim e não.
A ambiguidade da resposta à pergunta é preocupante, pois sabemos que:
“Indubitavelmente, os indivíduos são tragados pela dinâmica de morte em massa, mas, mesmo assim, eles sem dúvida sabem como tirar proveito. Não lhes faltam oportunismo e cálculo para instrumentalizar seus efeitos em benefício próprio. Por isso, na escala individual, as razões da passagem ao ato são múltiplas. O que é verdadeiro para determinado indivíduo, em preciso momento, não é para outro. E é exatamente essa variabilidade de motivos privados que ajuda a dar ao assassínio a sua dimensão de massa. Os indivíduos entram na dinâmica assassina não como autômatos balbuciando um mesmo discurso ideológico estereotipado, mas sim com histórias diferentes e, daí, com expectativas e motivações pessoais. A implicação comum para causar mortes resulta das posturas variadas e equívocas.” (PURIFICAR E DESTRUIR, Jacques Sémelin, Difel, 2009, p. 390/391)
Apesar dos acertos dos governos Lula e Dilma, o anti-petismo virulento e irracional faz parte da realidade política brasileira. O fenômeno nasceu da retórica agressiva dos tucanos (frustrados com suas seguidas derrotas em disputas presidenciais) e tem sido diariamente alimentado por vários articulistas da grande imprensa (Reinaldo Azevedo, Diogo Mainardi, Demétrio Magnoli, Olavo Carvalho etc...). O anti-petismo já resultou em atos violentos, como aqueles que foram vistos na Av. Paulista ano passado quando filiados do PT foram agredidos por manifestantes de direita que infiltraram o MPL. No Facebook há comunidades de extrema-direita que pregam abertamente um golpe de estado e a prisão e perseguição política dos petistas.  
O que aconteceria à disputa eleitoral brasileira este ano se fanáticos religiosos que apóiam a candidata do PSB agredirem candidatos do PT? É desconhecido o número de pessoas suscetíveis aos discursos de ódio direitos de Malafaia e da Rachel Sherezade e aos discursos de ódio indiretos da candidata do PSB e dos retóricos anti-petistas influentes na imprensa que estão no campo de Marina Silva. A julgar pelo aumento de linchamentos e agressões a homosexuais, podemos supor que eles não são poucos. Formularei a pergunta de outra maneira. O que ocorreria se a própria Marina Silva fosse agredida por alguém acusado de estar a serviço dos petistas?
A violência política sempre começa com um ato simbólico, com uma bolinha de papel atingindo a cabeça do candidato adversário por exemplo. Nas últimas eleições a temperatura foi elevada ao extremo por José Serra. Nos quatro anos que se seguiram a eleição de Dilma Rousseff a imprensa atacou o PT e a presidenta de maneira sistemática, sempre com o intuito de assegurar uma vitória eleitoral na próxima eleição.
Uma derrota de Marina Silva é possível. Impossível dizer se aqueles que a apóiam estão dispostos a correr o risco. A Casa Grande tem dado indicações claras de que quer voltar ao poder de qualquer maneira. Neste contexto, a violência política real ou simulada, intencional ou difusa, pode acarretar um verdadeiro massacre.
“Distingamos, enfim, a terceira utilização possível do massacre, principalmente por atores não estatais (ou, pelo menos, assim supostos). Nesse caso, a finalidade é a de agredir em um ponto preciso o grupo visado, para provocar em seu interior um choque traumático intenso, que seja capaz de dobrar a política de seus dirigentes. Como os organizadores do massacre sabem que constituem minoria na sociedade em que agem, o recurso a tal procedimento espetacular lhes permite, já de início, se afirmar na cena pública, chamando a atenção para a sua causa. Quer reivindiquem a responsabilidade ou se mantenham anônimos, eles acham que os efeitos políticos da ação de destruição podem pesar sobre quem decide a política: por exemplo, criando uma crise das instituições ou bloqueando uma evolução política que eles desaprovam.” (PURIFICAR E DESTRUIR, Jacques Sémelin, Difel, 2009, p. 489/490)
Até o presente momento a grande imprensa não atacou Marina Silva com a mesma intensidade, virulência que tem atacado Dilma Rousseff. Os ataques que a candidata do PSB sofreu de alguns blogueiros são irrelevantes do ponto de vista político, pois o público alvo destes é reduzido e composto majoritariamente por eleitores da adversária de Marina Silva. Apesar de estar sendo constantemente atacada diante de um público bem maior, Dilma Rousseff não se fez de vítima. A candidata do PT tem sido bem mais responsável, ela sentiu na carne quais são as consequencias dramáticas provocadas por um discurso de ódio.
Os fatos contrariam as opiniões de Marina Silva. E ela deveria recusar a postura agressiva que adota ao se dizer vítima, pois:
“Fatos e opiniões, embora possam ser mantidos separados, não são antagônicos um ao outro; eles pertencem ao mesmo domínio. Fatos informam opiniões e as opiniões, inspiradas por diferentes interesses e paixões, podem diferir amplamente e ainda serem legítimas no que respeita à sua verdade factual. A liberdade de opinião é uma farsa, a não ser que a informação fatual seja garantida e que os próprios fatos não sejam questionados. Em outras palavras, a verdade fatual informa o pensamento político, exatamente como a verdade racional informa a especulação filosófica.” (ENTRE O PASSADO E O FUTURO, Hannah Arendt, Perspectiva, 2009, p.295/296)
Apesar de apoiar Marina Silva e de saber que são irrelevantes e minoritários os eventuais ataques feitos contra ela, a grande imprensa faltou com a verdade factual. Por razões que não são ignoradas, os jornais, telejornais e revistas admitiram como verdadeira a opinião divulgada por Marina Silva de que ela é vítima de uma campanha de ódio. Isto tende a reforçar a verdadeira campanha de ódio que tem sido feita diariamente pelos apologistas do anti-petismo (Malafaia, Rachel Sherezade, Reinaldo Azevedo, Diogo Mainardi, Demétrio Magnoli, Olavo Carvalho etc...).
Marina Silva precisa começar a ter cuidado com o que deseja. É muito fácil montar num tigre, difícil mesmo é descer dele. Ao se apoiar em grupos que difundem discursos de ódio diretos e indiretos contra o PT, ao usar sua extrema visibilidade como candidata preferida por grupos poderosos de mídia para veicular um discurso que legitima e instiga de maneira sutil a violência contra seus adversários, a candidata do PSB pode provocar uma verdadeira tragédia nacional. Presumo que, pessoalmente, ela não deseje um massacre. Mas como sabemos, nem sempre um líder político consegue prever exatamente o que está começando.
http://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/meditacoes-meditabundas-sobre-o-odio-implicito-no-discurso-de-marina-silva

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