quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Sobre amigas e bancos


Logo que se transformou em principal candidata do PSB, Marina Silva tratou de apresentar Neca Setubal como uma das coordenadores de seu programa político, e também como grande amiga. Nestes tempos de inúmeros textos na mídia tradicional e na internet cobrindo tudo que diz respeito às eleições de 2014, já existe informação suficiente sobre essa nova celebridade política para sabemos, por exemplo, que ela passou pelo curso de Ciências Sociais da USP, e que se apresenta como "educadora". No entanto, o dado a respeito de Neca Setubal mais mencionado nos diversos meios de comunicação é a sua condição de proprietária de parcela de ações do Banco Itaú.
A campanha de Dilma, evidentemente, tratou de destacar a amizade entre Marina e Neca, com detalhes sobre a aliança entre a candidata e a acionista de um grande banco, sobretudo aqueles referentes a doações generosas.  Imediatamente, ferozes jornalistas da mídia tradicional passaram a classificar as referências à fortuna de Neca Setubal como perseguição pessoal, denunciando uma suposta campanha petista para "desconstruir Marina" através de "ataques" à vida pessoal da amiga. Mas não é apenas a  imprensa assumidamente anti-petista que insiste que não é adequado explorar o pertencimento de Neca Setubal ao Itaú. Em primeiro lugar, dizem alguns observadores neutros,  ela não participa dos assuntos do banco, e além disso tem carreira própria como educadora e dirigente de ONG da área de educação. Acreditam que bater nessa tecla é descabido e injusto para com uma pessoa que, como qualquer outra, tem o inalienável  direito cívico de participar da vida política independentemente da sua fortuna.
Afinal, é incorreto, ou injusto, referir-se a Neca Setubal como "banqueira"?, Ou "herdeira"? Ou, ainda, como "rentista" ou "acionista"? Ocorre que a própria candidata Marina Silva, ao propor a independência do Banco Central,  trouxe para o primeiro plano do debate político nacional a condição de "banqueira" de sua amiga.
É no mínimo exótico que uma personalidade política identificada há décadas com as  causas ambientalistas venha prontamente a público, assim que assumiu sua candidatura, propor a independência do Banco Central. Onde exatamente, ao longo de sua militância na defesa das florestas, dos rios e das populações ribeirinhas, Marina Silva se deu conta das virtudes de um Banco Central independente?
A partir daí -- ou seja, da explicitação do plano de colocar o Banco Central numa redoma  blindada contra as decisões de um poder político democraticamente eleito pelos cidadãos e,  consequentemente, de torná-lo inteiramente acessível às determinações do mercado financeiro -- Marina Silva atraiu todos os olhares do Brasil eleitoral para a verdadeira inserção profissional e econômica de sua amiga Neca Setubal. 
É essa realidade que levou a grande imprensa, inclusive publicações de outros países, a destacar a dimensão da fortuna de Neca Setubal. O leitor brasileiro é informado em sites dedicados ao "big bussiness" e em grandes jornais, que Neca Setubal tem uma fortuna líquida de 1 bilhão de reais, ou 428 milhões de dólares. Ou, ainda, que recebeu 56 milhões de reais em dividendos nos últimos quatro anos. Ao mesmo tempo, as publicações alternativas, mas não apenas estas,  passaram a especular como seria a relação de uma chefe do poder executivo central com o maior banco do país levando em consideração  não apenas os estreitos laços de amizadade com uma das herdeiras do banco, mas também  a expressiva dívida já vencida que o Itaú tem para com a Receita Federal.  
A acionista do Itaú, por sua vez, participou com empenho  na consolidação de sua reputação de proprietária de uma grande fortuna ligado ao capital financeiro quando, entre outras manifestações, afirmou que "o mercado é contra Dilma". E para que não restassem dúvidas, usou sua condição de  "insider" para declarar que "o mercado está apostando em Marina".
A amiga e colaboradora de Marina Silva assumiu sua condição de integrante plena da burguesia ligada aos bancos e, ao mesmo tempo, destacou sua situação de colaboradora privilegiada de uma candidata com chances reais de vencer a eleição presidencial.
Na realidade é essa condição de proprietária-acionista de um grande banco que faz dela uma das principais colaboradora de Marina Silva. Fosse ela uma simples educadora --  como as que esbanjam competência e dedicação e podem ser encontradas em dezenas de outras instituições respeitadas -- Neca Setubal não teria capturado a atenção da militante das causas ambientalistas e nem teria o lugar de principal colaboradora-amiga da atual candidata. 
Profa. Dra. Roseli Martins Coelho é docente da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP)
http://jornalggn.com.br/noticia/sobre-amigas-e-bancos-por-roseli-martins-coelho

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