terça-feira, 28 de outubro de 2014

A regulação da mídia



do blog do Marcio Valley
A regulação da mídia
João Feres Júnior, cientista político que coordena o projeto Machetômetro da UERJ, cujo objetivo é analisar as valências das matérias publicadas na grande imprensa, declara, em entrevista ao jornal GGN, ser “muito preocupante para a democracia brasileira esse tipo de comportamento da grande mídia. A cobertura se encerrou com uma página deprimente". Referia-se ele à capa da revista Veja publicada dois dias antes da eleição e repercutida nos grandes jornais e no Jornal Nacional, da Rede Globo.
Ainda na mesma entrevista, o pesquisador sustenta que "a cobertura dos três jornais que a gente estuda, a Folha de S. Paulo, o Globo e o Jornal Nacional, se caracterizou por um viés bem forte contra a candidata do Partido dos Trabalhadores Dilma e contra o PT. Agora, no final da campanha, acho que a coisa se revestiu de uma radicalidade que eu nunca tinha visto antes. Todos os jornais e revistas semanais juntos querendo dar um golpe de mídia, ou seja, virar o resultado eleitoral por meio de um factoide que a Veja começou a publicar e que rebate nos outros jornais todos". Para ele, a campanha da oposição ao governo federal foi bancada pela revista Veja.
Como explicar esse alinhamento da opinião política manifestada pelas maiores empresas da imprensa brasileira?
Segundo penso, a unanimidade que demonstram na opinião contrária ao PT diz mais fortemente sobre os interesses ocultos dessas empresas do que propriamente sobre a qualidade do governo realizado pelo partido que atacam. Nunca é demais lembrar a famosíssima máxima de Nelson Rodrigues: “toda unanimidade é burra”.
Somente a concentração da mídia nas mãos de um número reduzidíssimo de grupos familiares explica essa atitude da imprensa de solenemente ignorar uma realidade na qual o Brasil vem apresentando um notável desenvolvimento econômico e social, ainda que muito reste a ser feito, e criar um ambiente virtual no qual tudo vai de mal a pior e todos os problemas derivam de uma única causa cujo nome é PT. É o reducionismo político conduzido à sua expressão máxima: basta tirar o PT do governo e tudo ficará bem.
Como pontificou o jornalista Luis Nassif em matéria sobre a imprensa brasileira, falta concorrência, falta pulverização.
Nenhum empresário em pleno gozo de sua sanidade, qualquer que seja o seu ramo de negócios, se atreveria a se opor de modo tão escancarado e feroz à vontade e à opinião de uma parcela significativa de eleitores que representa, pelo menos, um terço da população brasileira que vota no PT para o governo federal desde o ano de 2002.
Ou alguém consegue imaginar a Casas Bahia ou a Volkswagen abrindo mão de trinta milhões de eleitores/consumidores, sob o extremo risco de que eles simplesmente sumissem de suas lojas ante uma explicitação tão eloquente de seu apoio a uma candidatura antipetista e, além disso, com apresentação de gravíssimas acusações ao partido totalmente desprovidas de provas?
Claro que não. Quando um diretor do Santander ousou fazer uma gracinha parecida foi demitido e imediatamente surgiu um pedido de desculpas formal do presidente da instituição. Não foi uma gentil concessão do banco, foi puro negócio. Trata-se de uma parcela muito significativa de pessoas para ser pura e simplesmente desprezada. Pessoas que, não somente passariam a repudiar seu produto, como engrossariam um coro de contrariedade à empresa com efeito publicitário devastador.
Somente a extrema segurança e conforto de dirigir um negócio protegido pelo semi-monopólio existente nessa área de atuação empresarial determina tal ousadia, tal desprendimento. Montados nessa comodidade, em nada se preocupam pela flagrante contradição vislumbrada entre a opinião publicada e a opinião pública. Sentem-se seguros pela ciência de que o eleitor/consumidor possui raras opções ao seu dispor e pela circunstância de que, em geral, as opiniões manifestadas pela mídia estão em sintonia, provavelmente concertadas entre si.
Sendo, assim, pouco crível que a grande mídia brasileira esteja disposta ao suicídio, remando contra trinta milhões de eleitores/consumidores, então, o que explica esse comportamento aparentemente insensato?
Tudo passa a fazer sentido se pensarmos nos interesses das corporações que controlam essas empresas, que integram o capital financista que está dominando a globalização econômica. E o PT não atende aos principais interesses dessas corporações. A política desenvolvimentista adotada pelo PT possui nítido viés de proteção aos interesses nacionais, o que contraria a lógica da globalização defendida pelos financistas, essa espécie de neo-capitalista que arrepiaria todos os cabelos de Marx se ele vivesse hoje. São parasitas sociais que vivem e lucram exclusivamente da especulação. Sem compromisso algum com a produção, não precisam fabricar um prego, vivem de negociatas de títulos e de manipulação de câmbio e juros de países distintos.
O PT, ao tentar proteger o seu parque industrial, torna-se um espinho de tamanho considerável no pé da globalização econômica financista. Se o modelo do Brasil obtiver consagração mundial, estará aberto um caminho perigoso para que outras nações se questionem sobre os próprios modelos a serem adotados. A comparação com os EUA será evidente: social-democracia ou ultraliberalismo? A resposta a essa indagação passará pelo exemplo do Brasil, que está fornecendo indícios reveladores de que é possível o sucesso da social-democracia através do desenvolvimentismo. É um sonho perigoso que precisa ser combatido pelos financistas de Wall Street. Esse combate eles realizam através da imprensa que controlam e de "matérias" que conduzem a opinião pública na direção que eles indicam. Isso será feito ainda que ao custo de prejuízo para algumas das empresas jornalistícas dos quais, direta ou indiretamente, oficial e não oficialmente, possuem o controle. Ao meu ver, essa é a questão que subjaz à profunda rejeição que a imprensa demonstra ao governo do PT. Se isso custar a Abril ou o Estadão, que custe. É apenas dano colateral aceitável e nem é grande coisa.
Por conta disso, essas eleições, mais do que todas as outras, evidenciou ainda mais o que já era absurdamente cristalino: a regulação da mídia se impõe e é urgente. Não para limitar a liberdade de expressão e de informação, cuja restrição aos poucos deve ser instruída a partir das indenizações judiciais concedidas pelas ofensas à moral eventualmente ocorridas, mas para impedir a concentração de diversos canais de propagação da informação nas mãos de poucos grupos. Essa concentração, que se materializa na forma de propriedade cruzada dos meios de comunicação, fornece o substrato material necessário para que a pauta de assuntos e de opiniões seja formulada, basicamente, por quatro empresas no país: Globo, Abril, Estadão e Folha.
Essas empresas detêm em suas mãos o poder decisório final sobre os assuntos que serão discutidos pelos cidadãos em suas casas, no trabalho e socialmente. Os assuntos escolhidos por esse seleto clube de informações são disseminados através de mídias distintas que estão sob seu controle, como jornais, rádios, revistas e tevês, tudo submetido a uma única decisão: a do controlador do grupo.
Se cada uma dessas espécies de mídia fosse controlada por proprietários igualmente distintos, se cada um desses proprietários fosse impedido de ter o controle de outro meio de comunicação, ocorreria não somente a pulverização das titularidades dos meios, como também a fragmentação das decisões sobre os assuntos a serem colocados na pauta pública das discussões.
Isso possibilitaria, inclusive, algo que hoje é praticamente inexistente: o controle recíproco dos conteúdos, seja através de crítica formulada por uma mídia em relação a algo publicado por outra, como pela mera exposição de opinião divergente.
Claro que a vitória do PSDB, com Aécio ou qualquer outro, implica necessariamente a manutenção da regulação na forma atual, ou seja, inexistente, porque essa forma é útil aos interesses políticos e econômicos representados por essa candidatura, os quais são coincidentes com a agenda de interesses dos grupos titulares das grandes empresas de comunicação do Brasil.
Todavia, caso Dilma consiga se sagrar vitoriosa nesse pleito, a regulação da mídia inexoravelmente deve ser alçada à condição de pauta prioritária, juntamente com a reforma política.A radicalização testemunhada nessas eleições, não somente entre as candidaturas, mas principalmente entre os eleitores, que chegaram ao enfrentamento físico, é, ao lado de um grave sintoma de que a pauta escolhida pelos grupos de mídia está adoecendo o ambiente político brasileiro, um forte indicativo de que o Brasil precisa ser salvo desse verdadeiro aprisionamento de opiniões que hoje assistimos.

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