quarta-feira, 8 de outubro de 2014

O Ministério da Fazenda, Aécio e um psicólogo amador

Eis o resumo do que Armínio Fraga disse em entrevista de ontem ao Estado de S. Paulo:
“O ex-presidente do BC no governo de Fernando Henrique diz que a situação do país já é muito ruim, e tenderá a piorar em 2015 caso a presidente Dilma Rousseff seja reeleita e atual política econômica tenha continuidade. Fraga acha que o resgate da confiança no caso da vitória de Aécio pode “mudar de forma radical a cabeça das pessoas e das empresas”, pavimentando o terreno para se reequilibrar a economia e se retomar o crescimento de uma forma bem mais suave do que as pessoas imaginam. “Se um veículo caminha para o despenhadeiro e alguém assume o volante e muda a direção, é natural que isso acalme bastante o espírito dos passageiros”, ele resume.”
Agora releia com atenção. Trata-se de um conjunto de banalidades e afirmações gratuitas que não se sustentam em qualquer tipo de fundamento na realidade concreta. O único elemento invocado como instrumento de retomada do crescimento é “o resgate da confiança no caso de vitória do Aécio”, o que levará a “mudar de forma radical a cabeça das pessoas e das empresas”. Portanto, estamos no campo exclusivo da psicologia. É o mantra da “confiança” que determina o futuro da economia, não a marcha das relações econômicas reais.
Se Aécio ganhar, teremos um psicólogo amador no Ministério da Fazenda. Não precisaremos cuidar da questão da demanda efetiva, da sustentação do emprego, da necessidade de retomada dos investimentos públicos em infraestrutura, da estagnação nos países industrializados avançados que limitam nossa capacidade de exportação de manufaturados, da concorrência chinesa, do esgotamento do ciclo do crédito interno. Tudo isso é secundário. Basta que Aécio seja eleito para que a “confiança” retomada do empresariado cuide do resto.
É preciso ter claro que esse tipo de doutrinação banal baseada no mantra da “confiança” não é exclusividade de Armínio. Esse é o cerne de toda uma doutrina econômica baseada na chamada “teoria das expectativas racionais” de matriz norte-americana. Já rendeu Prêmio Nobel, o que é deprimente para o velho Nobel. Entre outras coisas essa doutrina se apoia na ideia de que a ação governamental é inútil para direcionar a economia contra as forças do mercado porque o mercado, sabendo de tudo antes, inclusive das intenções do governo, opera no sentido de anular seus objetivos.
No caso concreto do debate em torno da sucessão presidencial, isso significa em essência o seguinte: o “mercado”, esse ente de razão dos neoliberais, sabendo que Aécio vai fazer tudo o  que está perfeitamente dentro de seu gosto, vai alegremente tomar múltiplas iniciativas de investimento e por a economia para funcionar a plena carga, dada a “confiança” restaurada no governo, que fará, como dito, o que ele quer. Ninguém vai examinar perspectivas de vendas internas e externas, situação concreta do mercado de trabalho, comportamento da renda da população. Tudo isso é insignificante. A restauração da “confiança” é tudo. Ela gera milagres econômicos, segundo Armínio.
Não é difícil para qualquer pessoa de senso comum, mesmo sem muitas noções de economia, concluir que essa história de restauração de “confiança” para estimular a retomada da economia é uma balela. Puro charlatanismo. Não consigo ver nisso uma teoria econômica consistente, mas apenas uma doutrina ideológica. É verdade que Keynes falava no “animal spirit” dos capitalistas como um elemento para a efetivação da retomada dos investimentos, mas isso se entende como parte de um processo complexo de retomada do ciclo de negócios, estimulada pelo investimento público, e não como algo auto-realizado. A “confiança” esperada por Armínio é um engodo. Um jogo eleitoral que não teria qualquer consequência relevante para a retomada da economia brasileira. Muito provavelmente, com os neoliberais no Governo, estaremos num barco furado em termos de perspectiva econômica.
*Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB

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