quarta-feira, 6 de abril de 2011

Os mais brutais ataques imperialistas na Líbia


Nas últimas duas semanas a Líbia sofreu o mais brutal ataque imperialista, por ar, por mar e por terra, da sua história moderna. Milhares de bombas e de mísseis, lançados de submarinos, vasos de guerra e aviões de guerra, americanos e europeus, estão a destruir as bases militares líbias, os seus aeroportos, estradas, portos, depósitos petrolíferos, posições de artilharia, tanques, porta-aviões blindados, aviões e concentrações de tropas. Dezenas de forças especiais da CIA e do SAS têm andado a treinar, a aconselhar e a apontar alvos para os chamados “rebeldes” líbios empenhados numa guerra civil contra o governo de Kadafi, as suas forças armadas, as milícias populares e os apoiadores civis ( NY Times 30/03/11). 

Apesar deste enorme apoio militar e do total controlo dos céus e da linha costeira da Líbia pelos seus 'aliados' imperialistas, os 'rebeldes' ainda não foram capazes de mobilizar o apoio de aldeias e cidades e encontram-se em retirada depois de enfrentarem as tropas governamentais da Líbia e as milícias urbanas, fortemente motivadas ( Al Jazeera 30/03/11).

Uma das desculpas mais idiotas para esta inglória retirada dos rebeldes, apresentada pela “coligação” Cameron-Obama-Sarkozy, e repetida pelos meios de comunicação, é que os seus “clientes” líbios estão “menos bem armados” ( Financial Times, 29/3/11). Obviamente, Obama e companhia não contabilizam o grande número de jatos, as dezenas de vasos de guerra e de submarinos, as centenas de ataques diários e os milhares de bombas lançadas sobre o governo líbio desde o início da intervenção imperialista ocidental. A intervenção militar direta de 20 potências militares estrangeiras, grandes e pequenas, flagelando o estado soberano da Líbia, assim como o grande número de cúmplices nas Nações Unidas não contribui com nenhuma vantagem militar para os clientes imperialistas – segundo a propaganda diária a favor dos rebeldes.

Mas o Los Angeles Times (31/Março/2011) descreveu como “… muitos rebeldes em caminhões com metralhadoras deram meia-volta e fugiram… apesar de as suas metralhadoras pesadas e espingardas antiaéreas serem parecidas com qualquer veículo governamental semelhante”. De fato, nenhuma força "rebelde" na história moderna recebeu um apoio militar tão forte de tantas potências imperialistas na sua confrontação com um regime instituído. Apesar disso, as forças "rebeldes" nas linhas da frente estão em plena retirada, fugindo desordenadamente e profundamente descontentes com os seus generais e ministros “rebeldes” lá atrás em Bengazi. Entretanto, os líderes “rebeldes”, de fatos elegantes e de uniformes feitos por medida, respondem à “chamada para a batalha” assistindo a “cimeiras” em Londres onde a “estratégia de libertação” consiste no apelo, perante os meios de comunicação, de tropas terrestres imperialistas ( The Independent, Londres) (31/03/11).

É baixo o moral dos “rebeldes” na linha da frente: Segundo relatos críveis da frente da batalha em Ajdabiya, “Os rebeldes… queixaram-se de que os seus comandantes iniciais desapareceram. Acusam camaradas de fugirem para a relativa segurança de Bengazi… (queixam-se de que) as forças em Bengazi monopolizaram 400 rádios de campo oferecidos e mais 400… telemóveis destinados ao campo de batalha… (sobretudo) os rebeldes dizem que os comandantes raramente visitam o campo de batalha e exercem pouca autoridade porque muitos combatentes não confiam neles” ( Los Angeles Times, 31/03/2011). Segundo parece, os “twitters” não funcionam no campo de batalha.

As questões decisivas numa guerra civil não são as armas, o treino ou a chefia, embora evidentemente esses fatores sejam importantes: A principal diferença entre a capacidade militar das forças líbias pró-governo e os 'rebeldes' líbios apoiados por imperialistas ocidentais e por “progressistas”, reside na sua motivação, nos seus valores e nas suas compensações materiais. A intervenção imperialista ocidental exaltou a consciência nacional do povo líbio, que encara agora a sua confrontação com os “rebeldes” anti-Kadafi como uma luta para defender a sua pátria do poderio estrangeiro aéreo e marítimo e das tropas terrestres fantoches – um poderoso incentivo para qualquer povo ou exército. O oposto também é verdadeiro para os “rebeldes”, cujos líderes abdicaram da sua identidade nacional e dependem inteiramente da intervenção militar imperialista para levá-los ao poder. Que soldados rasos “rebeldes” vão arriscar a vida, a lutar contra os seus compatriotas, só para colocar o seu país sob o domínio imperialista ou neocolonialista?

Finalmente, as notícias dos jornalistas ocidentais começam a falar das milícias pro-governo das aldeias e cidades que repelem esses “rebeldes” e até relatam como “um ônibus cheio de mulheres (líbias) surgiu repentinamente (de uma aldeia) … e elas começaram a fingir que aplaudiam e apoiavam os rebeldes…” atraindo os rebeldes apoiados pelo ocidente para uma emboscada mortal montada pelos seus maridos e vizinhos pró-governo ( Globe and Mail, 28/03/11 e McClatchy News Service, 29/03/11).

Os “rebeldes”, que entram nas aldeias, são considerados invasores, que arrombam portas, fazem explodir casas e prendem e acusam os líderes locais de serem “comunistas da quinta coluna” a favor de Kadafi. A ameaça da ocupação militar “rebelde”, a detenção e a violência sobre as autoridades locais e a destruição das relações de família, de clã e da comunidade local, profundamente valorizadas, levaram as milícias líbias e os combatentes locais a atacar os 'rebeldes' apoiados pelo ocidente. Os “rebeldes” são considerados “estranhos” em termos de integração regional e de clã; menosprezando os costumes locais, os “rebeldes” encontram-se pois em território 'hostil'. Que combatente “rebelde” estará disposto a morrer em defesa de um território hostil? Esses “rebeldes” só podem pedir à força aérea estrangeira que lhes “liberte” a aldeia pró-governo.

Os meios de comunicação ocidentais, incapazes de entender essas compensações materiais por parte das forças pró-governo, atribuem o apoio popular a Kadafi à “coerção” ou “cooptação”, agarrando-se à afirmação dos “rebeldes” que “todo o povo  se opõe secretamente ao regime”. Há uma outra realidade material, que muito convenientemente é ignorada: A verdade é que o regime de Kadafi tem utilizado a riqueza petrolífera do país para construir uma ampla rede de escolas, hospitais e clínicas públicas .

Os líbios têm o rendimento per capita mais alto de África com 14 900 dólares por ano ( Financial Times, 02/04/11).

Dezenas de milhares de estudantes líbios de baixos rendimentos receberam bolsas para estudar no seu país e no estrangeiro. As infraestruturas urbanas foram modernizadas, a agricultura é subsidiada e os pequenos produtores e fabricantes recebem crédito do governo. Kadafi promoveu esses programas eficazes, para além de enriquecer a sua própria família/clã. Por outro lado, os rebeldes líbios e os seus mentores imperialistas prejudicaram toda a economia civil, bombardearam cidades líbias, destruíram redes comerciais, bloquearam a entrega de alimentos subsidiados e assistência aos pobres, provocaram o encerramento das escolas e forçaram centenas de milhares de profissionais, professores, médicos e trabalhadores especializados estrangeiros a fugir.

Os líbios, mesmo que não gostem da prolongada estadia autocrática de Kadafi no cargo, encontram-se agora perante a escolha entre apoiar um estado de bem-estar, evoluído e que funciona ou uma conquista militar manobrada por estrangeiros. Muito compreensivelmente, muitos deles escolheram ficar do lado do regime.

O fracasso das forças “rebeldes” apoiadas pelos imperialistas, apesar da sua enorme vantagem técnico-militar, deve-se a uma liderança traidora, ao seu papel de “colonialistas internos” que invadem as comunidades locais e, acima de tudo, à destruição insensata de um sistema de bem-estar social que tem beneficiado milhões de líbios vulgares desde há duas gerações. A incapacidade de os 'rebeldes' avançarem, apesar do apoio maciço do poder imperialista aéreo e marítimo, significa que a “coligação” EUA-França-Inglaterra terá que reforçar a sua intervenção, para além de enviar forças especiais, conselheiros e equipes assassinas da CIA. Perante o objetivo declarado de Obama-Clinton quanto à “mudança de regime”, não haverá outra hipótese senão introduzir tropas imperialistas, enviar carregamentos em grande escala de caminhões e tanques blindados e aumentar a utilização de munições de urânio empobrecido, profundamente destrutivas.

Sem dúvida que Obama, o rosto mais visível da “intervenção armada humanitária” na África, vai recitar mentiras cada vez maiores e mais grotescas, enquanto os aldeões e os citadinos líbios caem vítimas da sua força destruidora imperialista. O “primeiro presidente negro” de Washington ganhará a infâmia da história como o presidente americano responsável pelo massacre de centenas de líbios negros e da expulsão em massa de milhões de trabalhadores africanos subsaarianos que trabalham para o atual regime ( Globe and Mail, 28/03/11).

Sem dúvida, os progressistas e esquerdistas anglo-americanos vão continuar a discutir (em tom “civilizado”) os prós e os contras desta “intervenção”, seguindo as pisadas dos seus antecessores, os socialistas franceses e os “new dealers” americanos dos anos 30, que debateram nessa época os prós e os contras do apoio à Espanha republicana… Enquanto Hitler e Mussolini bombardeavam a república por conta das forças fascistas “rebeldes” do general Franco que empunhava o estandarte falangista da “Família, Igreja e Civilização” – um protótipo para a “intervenção humanitária” de Obama por conta dos seus “rebeldes”.

04/Abril/2011

James
Petras
*James Petras é Professor Emérito de Sociologia na Universidade de Binghamton, Nova Iorque. É autor de 64 livros publicados em 29 línguas, e mais de 560 artigos em jornais da especialidade, incluindo o American Sociological Review, British Journal of Sociology, Social Research, Journal of Contemporary Asia, e o Journal of Peasant Studies. Já publicou mais de 2000 artigos. O seu último livro é War Crimes in Gaza and the Zionist Fifth Column in America.

Traduzido por Margarida Ferreira.
Esta tradução foi extraída de: Resistir