domingo, 5 de junho de 2011

Bombeiros são presos no Rio



A ocupação, na noite de sexta-feira 3, do quartel geral do Corpo de Bombeiros promovida por militares e guarda-vidas que reivindicavam aumento salarial resultou na prisão de 439 pessoas e na demissão do comandante da corporação, Pedro Marco Cruz Machado – que será substituído pelo atual secretário de Defesa Civil do município do Rio, Sérgio Simões.
A decisão foi tomada após reunião convocada na madrugada deste sábado pelo governador Sérgio Cabral e a cúpula do governo e da segurança pública fluminense, que durou quatro duras. Os bombeiros que ocuparam o pátio do quartel em meio às manifestações organizadas na véspera vão responder administrativamente e criminalmente pelo ato. O processo deverá ser aberto pelo Ministério Público. Segundo o secretário estadual de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, os militares amotinados podem ser expulsos.
Em entrevista coletiva após o encontro, o governador chamou os militares de “vândalos”, mas admitiu que os salários pagos à corporação são baixos. Cabral afirmou que já investiu mais de R$ 120 milhões para modernizar o Corpo de Bombeiros e que o plano de recuperação salarial para os bombeiros já está sendo aplicado. Ele atribuiu a ocupação a movimentos políticos contrários ao seu governo. Já o novo comandante-geral disse que sua primeira medida será tranqüilizar a população. Simões considerou a invasão ao quartel central da corporação um ato irresponsável.
A prisão dos bombeiros que ocuparam o pátio do quartel por mais de 13 horas aconteceu após a convocação da Tropa de Choque e de homens do Bope. De dentro, líderes do movimento, usando megafones, pediam que os manifestantes não reagissem e permanecessem sentados. Mesmo assim, os bombeiros foram levados em 14 ônibus para o Batalhão de Choque da PM e transferidos, ainda pela manhã, para a Corregedoria Interna da Polícia Militar, em Niterói. Antes, eles foram identificados e revistados. Das janelas dos ônibus, eles gritavam palavras de ordem; alguns exibiam a bandeira do Brasil. Apesar da medida, apenas o coronel do Batalhão de Choque, que quebrou a mão e feriu o joelho, ficou ferida durante a ação.
No início da tarde, o Comando Geral do Corpo de Bombeiros divulgou nota dizendo que a rotina de atendimento à população está mantida. “Postos de salvamentos dos Grupamentos Marítimos, assim como quartéis, unidades de atendimento de urgências e emergências (SAMU/GSE) e serviços de socorro (combate a incêndios, salvamentos e desabamentos, etc) estão operando normalmente. Os substitutos dos bombeiros detidos pela Polícia Militar já assumiram seus postos desde o inicio da manhã na troca normal de plantões”, diz a nota.
Os bombeiros reivindicam aumento do piso salarial de 950 reais para 2 mil reais, e também melhores condições de trabalho.
Por causa da ocupação, o tráfego ficou tumultuado na Praça da República com reflexos na Praça Tiradentes e ruas próximas. Com faixas e cartazes, as entradas do quartel foram bloqueadas com caminhões de salvamento e mangueiras contra incêndio. A área ocupada ficou isolada.
“Radicalização” e reações
De acordo com a Secretaria de Planejamento do Estado, uma nova proposta dos representantes dos bombeiros militares era aguardada antes de ter início a manifestação. A última reunião entre as partes aconteceu no dia 25 de maio de 2011, na sede da Seplag.
Em nota, o secretário chamou de “gesto de radicalização” o ato dos manifestantes. “Nenhuma nova proposta foi apresentada até agora e os reajustes concedidos em junho de 2007, com início em janeiro de 2011, representam aumentos de 1% ao mês até dezembro de 2014, com impacto de R$ 1 bilhão no orçamento do Estado nos próximos quatro anos”, informou a nota.
Ainda segundo a Seplag, em meio aos protestos, o governo abriu negociação com os bombeiros, aceitou suspender os descontos dos dias parados, revogou a prisão das lideranças por atos anteriores à ocupação e suspendeu os processos de deserção dos bombeiros faltosos.
Em junho de 2010, segundo a nota, foi aprovada uma lei que resultará no aumento acumulado, em oito anos, de 100,8% na remuneração do soldado, passando de R$ 1.034,11 para R$ 2.077,25, em dezembro de 2014. Os valores incluem o auxílio moradia de 107% do soldo pago aos soldados com dependentes (80% da corporação). Os soldados que não têm dependentes recebem auxílio moradia de 45% do soldo.
Já o presidente da Associação de Cabos e Soldados do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, Nilo Guerreiro, condenou a forma como a tropa de choque e o Bope invadiu o quartel. “Esse é um sinal de que a segurança pública não está totalmente qualificada. Temos que estudar muito o assunto no Rio e no resto do país, porque foi uma demonstração de que não estamos realmente preparados para gerenciamento de crise.”
Com informações da Agência Brasil

Chalita: cautela sobre Palocci e tapas para Kassab



PMDB enche o plenário da Assembléia Legislativa de São Paulo para receber Gabriel Chalita, pré-candidato à prefeitura de São Paulo. Foto: Gabriel Bonis
O PMDB de São Paulo dobrou, na manhã de sábado 4, a sua bancada de deputados federais. Golpeado, nos últimos 20 anos, por rachas internos entre caciques e com a dissidência de seus principais nomes rumo ao PSDB, o diretório estadual da legenda dormiu na véspera com apenas um deputado paulista entre os 79 que conseguiu eleger em 2010. No dia seguinte, em meio à festa reservada para 3 mil pessoas, contava com dois soldados. É o início do que vem sendo chamado nas fileiras peemedebistas de “refundação” da seção paulista da legenda, que em 2010 elegeu apenas o deputado Edinho Araújo para a Câmara. Para isso, recrutou para suas fileiras um ex-tucano que já foi seminarista e tem mais livros publicados do que anos de vida.
Aos 42 anos, o escritor, palestrante, professor, doutor em semiótica, cantor e “bom moço” Gabriel Chalita chega ao partido com a braçadeira de capitão: tem carta branca e a presidência do diretório municipal do partido para começar, a partir de agora, a pavimentar o caminho rumo à prefeitura de São Paulo. A filiação de Chalita, deputado que mais recebeu votos no Estado depois do palhaço Tiririca (PR-SP), em 2010, é até aqui a principal cartada do vice-presidente Michel Temer pelo controle de seu berço político, disputado a tapa até pouco tempo atrás com o ex-governador Orestes Quércia, morto no ano passado, e seu grupo.
Na festa de sua filiação, que lotou um auditório da Assembleia Legislativa paulista, Chalita deu uma pequena demonstração do que se espera dele. Mal chegou e já se esquivou de polêmicas com o governo federal, que assa em sua primeira crise em meio ao enriquecimento suspeito do chefe da Casa Civil, Antonio Palocci.
“Ele é um grande gestor e faz um bom trabalho, mas a análise é da Dilma. A torcida é para que o governo funcione, porque é melhor para o Brasil”, disse, numa segunda versão do discurso feito no mesmo dia pelo vice Michel Temer. A cautela tem explicação. Chalita, cuja projeção política se deve ao governador Geraldo Alckmin (PSDB), se tornou desde o ano passado uma espécie de colaborador informal da então candidata Dilma Rousseff. Tanto para assuntos de educação – foi cotado para o Ministério da Educação – como para questões religiosas. No auge da campanha, quando Dilma escorregava em meio a uma campanha arquitetada pelo adversário José Serra (desafeto de Chalita no PSDB), coube ao deputado, como bom membro da Renovação Carismática, fazer o meio-de-campo com padres e a comunidade religiosa para levar a mensagem de paz da sua candidata. O objetivo era tirar do palanque a ideia de que Dilma, caso eleita, baixaria lei liberando o aborto no País.
Desde então, ele se tornou maior objeto de desejo do vice-presidente. E o alinhamento com o novo padrinho político era notório durante todo o evento: “O PMDB não tem dono. É um partido de portas abertas, em que todas as pessoas virão para ajudar”, declarou, pouco antes de entrar no evento. No plenário paulista, a frase foi repetida por Temer.
A chegada de Chalita ao PMDB é vista com bons olhos até mesmo pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula a Silva, que, entre palestras e reuniões em Brasília, tem se ocupado também com os rumos de seu partido no estado, governado há quase 17 anos pelo PSDB. Com Chalita na disputa, crescem as chances de um petista ou algum aliado vencer num eventual segundo turno o favorito da disputa, José Serra – caso o ex-governador e ex-presidenciável aceite disputar novamente o posto. No plenário da festa para receber Chalita, no entanto, a principal estrela petista era o deputado Candido Vaccarezza, líder do governo na Câmara. Que, por sua vez, deu o tom do tratamento que será dispensado ao neoaliado: “O Chalita é experiente, tem capacidade e lealdade política. Talvez esse seja o maior fato político do semestre”, disse, sobre o dono da festa.
A última vez que o PMDB lançou candidato próprio para a prefeitura de São Paulo foi há quase 20 anos, com o hoje senador pelo PSDB, Aloysio Nunes. “Queremos comandar a maior capital do país”, bradou Temer, em um discurso em que pediu unidade à legenda.
E, já na largada para a disputa, a estratégia ficou clara: pacto de não agressão com os aliados na esfera federal, e ataques diretos ao atual prefeito Gilberto Kassab, que também tem dado seus passos com seu recém-fundado PSD para fazer o sucessor – e contava com uma aliança com os peemedebistas para manter o controle da prefeitura após deixar o cargo. Planos que parecem longe da realidade, a se observar a fala do pré-candidato ao comentar os problemas da atual gestão: “Vivemos o fenômeno da invisibilidade, a cidade mais rica da América Latina tem 120 mil crianças esperando por vagas em creches e três milhões vivendo em cortiços e favelas, pessoas invisíveis. Não tem lógica fazer política sem olhar para o lado humano”.
Ao fim da cerimônia de filiação, na sala apenas com os jornalistas, o tom foi ainda mais incisivo. “O povo não vem aprovando a gestão do Kassab, há muitos problemas e quase nenhuma alternativa apresentada”, disparou. “É preciso entender os problemas e encontrar os caminhos, buscar lideranças em várias áreas e refletir sobre o que funcionou em outras capitais do mundo”, disse Chalita, já colocando-se em campo e assumindo o papel para o qual foi escalado.

Situação segue delicada após entrevista



Entrevista do ministro-chefe da Casa Civil ao Jornal Nacional deixa de esclarecer principais pontos da polêmica
Embora o discurso oficial seja o de que Antonio Palocci foi convincente e que ainda desfruta de confiança no Planalto após as primeiras entrevistas concedidas desde que inaugurou a primeira crise do governo de Dilma Rousseff, o ministro-chefe da Casa Civil começa a semana em situação ainda mais delicada do que encerrou a última. Ao decidir não revelar o nome dos clientes nem detalhes sobre como conseguiu enriquecer nos últimos quatro anos prestando serviços de consultoria, Palocci deu munição para que a oposição subisse o tome e ampliasse a ameaça de uma convocação no Congresso.
O momento político fez com que opositores, imersos na própria crise de identidade, vissem na tensão do governo uma oportunidade de se montar um novo palanque. É o que deixa a entender, por exemplo, o líder tucano no Senado, Alvaro Dias (PR), ao anunciar, logo após a entrevista do ministro ao Jornal Nacional, que pretende levar à votação a convocação do ministro no Senado, desta vez na Comissão de Constituição e Justiça. “Podemos usar a entrevista dele como peça de acusação, nunca de defesa”, declarou ao site do PSDB. A intenção, ameaça o senador, é submeter Palocci a perguntas “incômodas” ao Planalto.
A outra frente da oposição é a Comissão de Agricultura da Câmara, onde deputados conseguiram aprovar a convocação do ministro na última quinta-feira – a decisão, porém, foi suspensa em seguida pelo presidente da Casa, Marco Maia (PT-RS). Após a entrevista, o líder tucano na Câmara, Duarte Nogueira (SP), cobrou o afastamento do ministro que, segundo ele, “falou e não disse absolutamente nada”. A artilharia de Nogueira é disparada apesar do silêncio dos colegas caciques, como o ex-governador José Serra e o senador mineiro Aécio Neves.
Do lado do governo, a avaliação é que, a partir de agora, cabe à presidenta Dilma Rousseff avaliar se o ministro convenceu ou se deve ser substituído. Dela ainda não houve manifestação pública desde a entrevista – embora a mídia paulista já dê conta de que a presidenta dispõe de uma lista de eventuais substitutos, e até mesmo uma conversa agendada com o antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, para decidir o que fazer. Enquanto isso, petistas e aliados que vieram a público se esforçam para expressar a confiança no ministro. “Ela [Dilma] que dispõe do cargo. Não sou eu que tenho que dizer o que deve ser feito. Não sei se há possibilidade de Palocci sair. Sei que temos muita confiança nele”, disse o vice-presidente Michel Temer, no sábado, dias após bater boca com o próprio ministro por causa da votação do Código Florestal.  “A fala dele [Palocci, na entrevista] foi muito útil. Acho que foram eficientes as explicações. Ele foi muito convincente e com muita lealdade profissional aos seus clientes, aqueles que ele serviu”, completou.
No PT, o esforço para manter a crise longe do Planalto ao dizer que ela é pessoal e não partidária foi mantido. Líder do governo na Câmara, Candido Vaccarezza deu entrevistas dizendo que Palocci deixou claro que os problemas eram dele e que não houve uso de “informações privilegiadas”.
Já o deputado estadual Rui Falcão, presidente nacional do PT, avaliou a entrevista de Palocci ao Jornal Nacional como “muito convincente” e tentou, de todo jeito, retirar a crise da conta do Planalto: “Ele mesmo afirmou, e sempre achei isso também, que não há nenhuma crise, e com essas informações detalhadas acredito que se encerra o assunto”.
O governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), que chegou a declarar que o aumento patrimonial do ministro era estranho, fugiu de polêmica durante encontro do partido em Salvador, no sábado 4. Ao chegar ao evento, se negou a falar sobre o assunto e brincou com os jornalistas que insistiam: “A agenda [de sábado] é de trabalho e de projeto político. Vocês só pensam naquilo”.
Após 20 dias, Palocci falou
Na primeira entrevista após a denúncia de que multiplicou exponencialmente seu patrimônio com sua empresa de consultoria, ao Jornal Nacional, o ministro-chefe da Casa Civil não revelou o nome das empresas com quem trabalhava nem quanto recebeu no período. Afirmou apenas que prestava consultoria para empresas  de “mercados de capitais, fundos de investimentos em outras empresas privadas e de serviço em geral”.
Palocci afirmou que jamais atuou com empresas privadas com interesses em órgãos públicos, mas se negou a divulgar os nomes alegando que “agiria contra a lei” se assim procedesse.
“O meu papel é de respeitar as leis rigorosamente. Quando vim ao governo, entreguei à comissão de ética todas as informações das medidas que eu tomei junto dela. Há atuação de consultoria junto aos orgãos públicos, declarou. “Afirmo categoricamente que toda o lucro da empresa foi fornecida aos orgãos de controle. Elas já estão com a Procuradoria Geral da República”.
Palocci também negou que o dinheiro recebido nos últimos meses em que a empresa esteve aberta – cerca de 10 milhões de reais entre novembro e dezembro de 2010 – tivesse relação com a campanha nas eleições 2010. ” Neste período eu apenas fiz encerramento de contrato que eram previstos ao longo do tempo. Não foram serviços prestados naquele mês, foram prestados ao longo dos anos, e então houve o pagamento”, disse.
Sem dar as principais respostas após três semanas de crise, Antônio Palocci deve continuar em processo de fritura como ministro-chefe da Casa Civil de Dilma Roussef, cargo que exige forte intermediação política com a base aliada e a oposição.
A entrevista ao Jornal Nacional não foi realizada ao vivo, como se cogitava horas antes de ir ao ar. Palocci respondeu as perguntas do repórter Júlio Mosquera em seu gabinete.
Em maio, uma reportagem da Folha de S. Paulo informou que Palocci teve o patrimônio inflado em 20 vezes entre 2006 e 2010 graças a sua atuação como consultor de empresas privadas. A repercussão do caso atrapalhou o governo de Dilma Roussef em alguns dos principais focos do governo federal neste início de mandato, como a votação do código florestal e na aprovação dos kits de combate à homofobia nas escolas. Também ofuscou o lançamento do programa Brasil Sem Miséria, principal projeto eleitoral da presidenta.

O esquema hemograna



Criada há sete anos como resposta a um escândalo no Ministério da Saúde, a Hemobrás já consumiu mais de R$ 130 milhões e até hoje não conseguiu produzir nada

Lúcio Vaz
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ESQUELETO 
Após sete anos de criação, apenas 2,9% da fábrica da Hemobrás foi construída
Em 2004 os brasileiros se assombraram com a descoberta de uma modalidade de corrupção que há anos se instalara no Ministério da Saúde: uma quadrilha formada por funcionários de diversos escalões e grandes laboratórios fraudava licitações e o governo comprava derivados de sangue para distribuição a hospitais públicos e doentes carentes com um sobrepreço superior a 100%. Para evitar que casos como esse, que ficou conhecido no Brasil como a Máfia dos Vampiros, voltasse a ocorrer, o governo decidiu, com a aprovação do Congresso, criar a Hemobrás, uma estatal dedicada à produção de hemoderivados. Passados sete anos, o projeto já consumiu pelo menos R$ 138 milhões, emprega cerca de 90 pessoas, financiou mais de 40 viagens ao Exterior a seus executivos – sendo 26 delas apenas para Paris –, não produziu uma só gota de derivados de sangue e teve apenas 2,9% das obras de construção de sua fábrica construída. Ou seja, no lugar da Hemobrás se tem uma Hemograna, um esquema que suga dinheiro público há quase uma década.

No Tribunal de Contas da União encontram-se alguns elementos que ajudam a explicar como a Hemobrás se transformou em Hemograna. Ao longo dos últimos anos, por quatro vezes o TCU contestou contratos firmados entre a estatal e seus fornecedores. Na maior parte dos casos, as ações de fiscalização do tribunal encontraram indícios de sobrepreço, que se transformariam em superfaturamento caso os contratos fossem cumpridos. Ainda na primeira fase de construção da fábrica de Goiana (PE), que irá produzir 500 mil litros de plasma por ano quando estiver em pleno funcionamento, o TCU anulou duas concorrências. De acordo com o tribunal, foram encontrados indícios de restrição à competitividade entre os concorrentes e sobrepreço. Com isso, as obras só foram licitadas em 2009, um ano antes da previsão inicial da conclusão da fábrica.

Mesmo assim, a Hemobrás decidiu licitar a segunda parte da construção, orçada em mais de R$ 269 milhões. No mês passado, antes mesmo de os operários iniciarem as obras, mais uma vez o TCU encontrou irregularidades. De acordo com o tribunal, um dos contratos estava superfarturado em R$ 21 milhões e determinou a revisão em toda a planilha de preços para evitar prejuízo aos cofres públicos. A Hemobrás, por sua vez, diz que, antes mesmo de conhecer o resultado da auditoria, já havia revisado a planilha, reduzindo o valor do contrato em R$ 8,6 milhões. O resultado pode ser ainda mais atraso.
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“Vou trabalhar em uma empresa de biotecnologia,
ela não terá contrato com a Hemobrás”

Márcia Mazzoli, ex-secretária executiva do Ministério da Saúde
e recém- contratada pelo fornecedor francês da Hemobrás
Como se não bastassem os casos clássicos de superfaturamento em contratos com empreiteiras, a Hemobrás também chamou a atenção do TCU por um termo aditivo que, senão inédito, bastante raro. A Hemobrás, sem consultar os órgãos reguladores, simplesmente aprovou um aditivo que ampliou de R$ 9 milhões para incríveis R$ 230 milhões um contrato firmado em 2007 com o laboratório francês LFB. Além disso, a estatal simplesmente mudou o objeto do contrato original, sem realizar nova licitação, como determina a lei. Pelo acordo original, a LFB receberia os R$ 9 milhões para fornecer a tecnologia para fracionamento do sangue, o processo básico para a produção de hemoderivados. No aditivo, além de receber R$ 220 milhões a mais do que o previsto inicialmente, os franceses ficaram responsáveis eles mesmos por fracionar o sangue.

Também rara, senão inédita, foi a conclusão a que o relator do processo, o ministro Aroldo Cedraz, chegou ao analisar o caso. Para ele, o acréscimo de 2.700% no contrato representa, a princípio, “afronta à Lei de Licitações”, mas o resultado prático de uma nova tomada de preços “provavelmente seria o mesmo”, ou seja, a contratação do laboratório francês. Com isso, aprovou o aditivo, apesar de os técnicos do TCU afirmarem que existem “indícios de que o aditamento não encontra amparo na Lei 8.666/93”.

Em meio a esse turbilhão de problemas com os órgãos fiscalizadores, os executivos da Hemobrás parecem ter dedicado boa parte do seu tempo de trabalho conhecendo experiências internacionais no setor de hemoderivados. Ao longo dos sete anos de vida da Hemobrás, funcionários ou representantes da empresa realizaram ao menos 40 viagens ao Exterior para conhecer fábricas de hemoderivados ou fechar contratos. A França, sede da empresa que foi contratada pela Hemobrás, foi a que mais atraiu a atenção dos executivos da estatal. Ao menos 26 viagens a Paris foram pagas com dinheiro público aos servidores. A ex-secretária executiva do Ministério da Saúde Márcia Mazolli ficou tão ligada ao país da “Marselhesa” e à empresa que fechou contrato com a Hemobrás que até decidiu abandonar o governo. Márcia agora vai dividir seu tempo entre a França e o Brasil. Ela foi contratada pela Cell for Cure, uma empresa que, apesar do nome anglófono, é francesa de origem e faz parte do mesmo grupo que é dono da LFB, a fornecedora da Hemobrás. Apesar de tantas coincidências incômodas, Márcia não vê nenhum problema em assumir um posto no mesmo grupo que obteve um termo aditivo de 2.700% com a estatal brasileira. “É uma empresa de biotecnologia, é outra área, não terá contratos com a Hemobrás”, justifica a ex-servidora.
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Os calotes de Chávez


Os calotes de Chávez

Entre os canos dados pelo presidente venezuelano estão investimentos bilionários em refinaria da Petrobras e encomenda de dez navios a um estaleiro carioca

Claudio Dantas Sequeira

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“Se a Venezuela não entrar no negócio até agosto, entenderemos
que ela perdeu o interesse em participar da refinaria”

Paulo Roberto Costa, diretor de abastecimento da Petrobras
O presidente venezuelano Hugo Chá­vez desembarca em Brasília na segunda-feira 6 para realizar sua primeira visita oficial ao Brasil desde que a presidente Dilma Rousseff assumiu o cargo. Além da animação que demonstra todas as vezes que visita o País, Chávez chega disposto a conquistar com Dilma o mesmo espaço que teve durante os oito anos do governo Lula. Mas os tempos são outros. O Itamaraty já recomendou ao Planalto não fechar novos acordos com a Venezuela fiando-se apenas nas conversas do loquaz comandante bolivarianista. Dilma tem a tarefa de apertar o colega para que os compromissos já firmados sejam honrados.

O Itamaraty chegou a encaminhar uma lista de pendências ao Planalto. A expectativa é de que Dilma faça Chávez passar por situação semelhante à de Barack Obama, intimado publicamente a suspender as históricas barreiras às exportações brasileiras para os Estados Unidos. No caso venezuelano, serão cobradas as promessas de investimento, nunca cumpridas, feitas por Chávez em visitas semelhantes. Encabeçam a lista a participação da Venezuela na refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco, e a encomenda de dez navios petroleiros feita ao estaleiro carioca Eisa. Por exigência de Chávez, a refinaria pernambucana foi batizada com o nome do general brasileiro que lutou ao lado de Simon Bolívar na independência venezuelana.

Os dois projetos integravam uma lista de 22 acordos firmados entre o presidente venezuelano e Lula em 2006. Era um plano ousado, que hoje mais parece devaneio, e incluía a construção do chamado “Gasoduto do Sul”, uma extensa rede de tubulações para transporte de petróleo e gás que cortaria a Amazônia de alto a baixo. Depois de vários encontros bilaterais, em nome da segurança energética continental e ao custo de diárias e passagens, o projeto foi abandonado. Bem mais factível, e viável economicamente, o investimento na refinaria de Pernambuco também não se concretizou. Os venezuelanos criaram problemas desde o início. Primeiro não concordavam com a participação de 40% no empreendimento, orçado em US$ 13 bilhões. Depois condicionaram a parceria a uma parcela do mercado de distribuição de combustível no Nordeste. Recentemente, no entanto, ficou claro que o real motivo era a falta de dinheiro. Chávez chegou a pedir um empréstimo de R$ 500 milhões ao BNDES, mas não apresentou as garantias exigidas. “Se a PDVSA – a companhia estatal de petróleo da Venezuela – não entrar no negócio até agosto, entenderemos que ela perdeu o interesse em participar”, diz o diretor de abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa.

Chávez será cobrado ainda por ter suspendido a encomenda de dez navios ao estaleiro Ilha AS (Eisa), no Rio de Janeiro, um negócio de US$ 670 milhões. Em novembro de 2009, o estaleiro entregou o primeiro navio, também batizado de Abreu e Lima a pedido do presidente venezuelano. Apesar de toda a festa, pouco tempo depois Caracas resolveu suspender os pagamentos e pediu tempo para renegociar o contrato. Até hoje, no entanto, não houve decisão. A direção do estaleiro brasileiro ainda tem esperança de que a encomenda seja retomada. “As negociações estão em curso”, afirma a assessoria de imprensa do Eisa. “Queremos encontrar a melhor solução para atender às necessidades da PDVSA diante do novo cenário internacional do mercado de petróleo.”
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AJUDA
Chávez pediu R$ 500 milhões emprestados ao BNDES
para investir na Abreu e Lima, mas não foi atendido
Paralelamente aos negócios com o Brasil, Chávez encomendou petroleiros mais baratos à China e decidiu construir um estaleiro próprio, o Nor-Oriental, na Venezuela. Curiosamente, esse projeto foi encomendado a uma empreiteira brasileira, a Andrade Gutierrez, que também seria responsável pela construção de uma siderúrgica venezuelana, num pacote de US$ 3,5 bilhões. Eles ainda não saíram do papel. O economista venezuelano José Manuel Puente, do Instituto de Estudos Superiores e Administração de Caracas, avalia que a queda do preço do petróleo entre 2009 e 2010 teve um impacto significativo na economia venezuelana.

Mas essa não é a única razão. Muitos projetos também não se concretizaram por ineficiência. “Há um problema grave de gestão no governo venezuelano. Um centralismo total, já que todas as decisões passam por Chávez. Qualquer acordo, pequeno ou grande, técnico ou político, precisa da aprovação final do presidente”, explica Puente.
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TOMBO
A Venezuela chegou a receber um dos
dez petroleiros, mas ainda não pagou
Na semana passada, dez operários venezuelanos da empreiteira brasileira Consilux entraram em greve de fome em frente à embaixada do Brasil em Caracas. Eles cobram da empresa, contratada pelo governo Chávez para construir mil casas populares, o pagamento de salários e benefícios atrasados. No histórico da relação bilateral, um dos poucos projetos bem-sucedidos até agora foi o investimento de R$ 2 milhões no desfile da Vila Isabel em 2006, que rendeu à escola o título de campeã do Carnaval daquele ano. No melhor sentido da expressão, o resto, pelo menos até agora, terminou em samba.

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