Não
consigo entender toda essa celeuma midiática e a preocupação desairosa
de alguns ministros do STF, os que votaram contra acolher o recurso dos
réus na questão dos embargos infringentes com o voto que Celso de Mello
proferirá na quarta-feira que vem.
Nenhum motivo justifica o temor de
haver mudanças nos rumos do julgamento. Se os réus foram julgados e
condenados com base em provas consistentes,
um simples recurso, previsto na lei, não deveria deixar esses ministros
em polvorosa. Estão temendo que as provas sejam revistas e a farsa da
condenação desmascarada?
Se as provas são sólidas não deveriam levar em
consideração essa possibilidade. Um reexame das provas somente servirá
para confirmar o veredito da suprema corte e consubstanciar as sentenças
exaradas para além de qualquer dúvida e questionamento.
Se ao contrário
fazem toda essa gritaria contra o acolhimento dos embargos
infringentes, essa ação desesperada põe em xeque as sentenças, denuncia a
fragilidade das condenações. Uma condenação feita com base na reta
justiça, atravessará séculos em testemunho da justeza das sentenças, e
quantos reexames fizerem do julgamento mais confirmação terão de que os
juízes agiram com justiça.
Se porém o julgamento tiver sido feito com
base em provas frágeis não resistirá a verdade histórica e ficará nos
anais como um erro judiciário a conspurcar a imagem da justiça. A
preocupação dos juízes do STF que não querem que o decano daquela corte
acolha os embargos infringentes, não deveria ser a de temer que o
julgamento seja revisto, a revisão vai confirmar que a sentença obedeceu
aos mais sublimes critérios de justiça e os juízes estarão justificados
pelo trabalho que realizaram.
As pressões em sentido contrário
denunciam que há algo de escabroso na forma como os réus foram julgados e
o desespero dos juízes que se posicionam contra a aceitação do recurso
dos réus prova que eles não foram corretos na forma como julgaram, que
agiram para aplacar o alarido da opinião publicada e não para fazer
justiça. Dostóievisk dizia que entre condenar um inocente e absolver 10
culpados, melhor seria absolver os 10 culpados. Pelo visto não é este
o sentimento que anima parte dos ministros do STF.
O ministro
Marco Aurélio de Mello que ao longo de sua carreira demonstrava forte
apego ao garantismo e sempre julgou em oposição ao direito achado nas
ruas,
invocando as prerrogativas do cargo para fazer frente as
pressões
externas, a publicidade opressiva que em alguns países civilizados tem o
condão de adiar uma decisão da justiça ou anular um julgamento, agora
faz apelo subliminar para que as manifestações cheguem as portas do STF e
pressionem o decano daquela corte a votar pela rejeição do recurso dos
réus.
Os manifestantes deveriam ter ido mesmo as portas da
justiça protestarem contra a impunidade que caracteriza aquela egrégia
corte. Daniel Dantas, Cacciola, Roger Abdelmassi e a anulação de tantas
operações policiais da PF bem que justificariam trazer aqueles ministros
pelo escalpo e acusá-los publicamente em um tribunal popular pela sua
leniência para com o mal feito. Negar o direito a ampla defesa não
justificaria que manifestantes pressionem um ministro a recusar um
direito líquido e certo. Se sob a alegação desse direito tantos
receberam habeas corpus para gozarem da impunidade por que agora a
jurisprudência tem que ser mudada? Apenas por que alguns dos réus são
petistas? E desde quando ser petista é crime?
De todos os
ministros que se juntam as vozes conservadoras da velha mídia para pedir
a prisão dos réus, atropelando direito fundamentais, o mais repulsivo é
Gilmar Mendes pelo seu comportamento hipócrita. Este ministro concedeu
dois hcs a Daniel Dantas em menos de 48 hs, durante os eventos de triste
memória da operação Satiagraha. O último hc foi concedido de dentro do
STF em alta madrugada, passava das 2 hs da manhã. Questionado sobre a
rapidez inédita na concessão desses hcs, até hoje não superada, Gilmar
se saiu dizendo que não julgava de acordo com as expectativas do "fulano
da esquina".
O fulano da esquina nesse caso era a opinião
pública, a voz rouca das ruas desprezada por Gilmar, aplaudido pelo
mundo jurídico por se ater a constituição, por se revelar um homem de
forte formação garantista, agora desmascarada, mostrada pelo que sempre
foi: um disfarce, um subterfúgio de ocasião para justificar o
indefensável, a soltura de Daniel Dantas. Esses ministros acabam de
estuprar a constituição, de rasgá-la e jogá-la na lata do lixo. Há uma
claque que aplaude essa aberração, não deveria porque amanhã pode ser a
próxima vítima.
Joaquim Barbosa que antes queria que o julgamento
terminasse feito um raio, atropelando votos de ministros com
intervenções grosseiras, acusando o revisor de fazer chincana,
interrompeu o julgamento quando percebeu que a ministra Carmem Lúcia
votaria com a divergência. Ganhou um dia e com a pressão midiática
conseguiu dobrar a convicção da ministra que sempre foi favorável aos
embargos infringentes e ao mudar de opinião apresentou os argumentos
mais risíveis, nem parecia que aquela ministra se tratava de alguém
escolhida para ocupar tão elevado cargo pelo notório saber jurídico que
detinha.
O chicaneiro Barbosa teve o displante de combinar uma
estratégia para constranger o ministro Celso de Mello, fazendo Gilmar
Mendes e Marco Aurélio prolongarem os seus votos e com isso encerrar a
sessão, impedindo que o decano votasse, embora prometesse fazê-lo em 5 min. Ganhou
o final de semana, uma capa de veja, editoriais, colunas, manchetes de
jornais, as análises do décimo segundo ministro do STF, Merval Pereira,
na mais sórdida campanha que se tem notícia para cabalar o voto de um
ministro que deveria ter a tranquilidade para votar serenamente, já que
ele vai decidir sobre um dos bens mais preciosos que o ser humano
possui, a liberdade.
Por tudo isso esse julgamento é uma farsa, de exceção, um simulacro.