sexta-feira, 16 de novembro de 2012

“Domínio do fato” só em “democracia de fachada”



Extraído da seção “Rosa dos Ventos”, de Mauricio Dias, na Carta Capital:

1) Democracia e o “domínio do fato” (1)

Passou pelo Brasil o advogado alemão Claus Roxin que, involuntariamente, tornou-se a principal referência do STF no julgamento do “mensalão” petista.

Desmentiu a história de que criou a teoria do “domínio do fato”.

“Mas fui eu quem a desenvolveu em um livro com cerca de 700 páginas”, disse Roxin ao jornal Tribuna do Advogado, da OAB-RJ.

“Sempre achei que, ao praticar um delito diretamente, o individuo deveria ser responsabilizado como autor e quem ocupa uma posição dentro de um aparato organizado e comanda uma ação criminosa também deve responder como autor e não como partícipe como rezava a doutrina da época”, explicou.


2)Democracia e o “domínio do fato” (2)


Ele explicou que, posteriormente, a justiça da Alemanha adotou a teoria para julgar os crimes na Alemanha Oriental, especialmente quanto às ordens para disparar contra os que tentaram fugir para a Alemanha Ocidental.

A teoria consta do estatuto do Tribunal Penal Internacional

Ao longo do tempo, a argumentação desenvolvida por Roxin tornou-se referência “sobretudo na América do Sul” e foi aplicada com sucesso na Argentina, no julgamento do general Rafael Videla e no Peru, com Alberto Fujimori.


3) Democracia e o “domínio do fato” (3)


É possível usar a teoria para condenar um acusado presumindo-se a participação dele no crime por ocupar determinada posição hierárquica?

Roxin foi enfático na resposta.

“Não, de forma nenhuma. A pessoa que ocupa uma posição no topo de uma organização tem que ter comandado os acontecimentos, ter emitido ordem. Ocupar posição de destaque não fundamenta o domínio do fato. A conclusão de um suposto conhecimento vem do direito anglo-saxônico. Não a considero correta”.


4) Democracia e o “domínio do fato” (4)

É possível a adoção da teoria para fundamentar a condenação por crimes supostamente praticados por dirigentes governamentais em uma democracia?

“Em principio não. A não ser que se trate de uma democracia de fachada onde é possível imaginar alguém que domine os fatos específicos praticados dentro deste aparato de poder. Numa democracia real, a teoria não é aplicável à criminalidade de agentes do Estado”, disse Roxin.

Ele explicou que trabalha com o critério da “Dissociação do Direito”. Ou seja, a característica de todos os aparatos organizados de poder é que estejam fora da ordem jurídica.


5) Em busca da democracia

José Luís de Oliveira Lima, advogado de José Dirceu, parte para a Alemanha no fim de novembro.

Vai conversar com os juristas Claus Roxin, em Munique, e, na Universidade de Bonn, com Gunter Jacob.

Na pauta a condenação de Dirceu pelo uso tropicalizado, adotado pelo STF, da teoria do “domínio do fato”.


http://www.conversaafiada.com.br/brasil/2012/11/16/dias-dominio-do-fato-so-em-democracia-de-fachada/

Por que Joaquim Barbosa é alma gêmea de Serra

Serra parecia tranquilo no posto de brasileiro mais antipático, até despontar Barbosa, o nosso Batman



Não imaginei que Serra ganhasse concorrência relevante ao posto de brasileiro mais antipático, mas me equivoquei.

O julgamento do mensalão trouxe para o centro dos holofotes Joaquim Barbosa, o Batman. Barbosa é uma espécie de alma gêmea de Serra: o mesmo ar superior, a mesma empáfia, a mesma capacidade de se indispor com seus pares, o mesmo apreço pelos holofotes e pela última palavra.
E acima de tudo: o mesmo fã clube.

Tenho para mim que você pode definir a estatura de um homem pelas pessoas que a admiram e a louvam. Barbosa, como Serra, é ídolo do 1%, aquele grupo que está na vanguarda do atraso nacional, as pessoas que se agarram a seus privilégios como se estivessem na corte de Luís 16 em Versalhes e dificultam que o Brasil se torne um país socialmente desenvolvido.

Barbosa, se olharmos pelo lado positivo, deu agora ao país uma grande contribuição: mostrou involuntariamente quanto o sistema judiciário brasileiro é capenga. Sequer aplicar direito a agora célebre Teoria do Domínio do Fato nosso STF conseguiu, a despeito de todo o palavrório empolado e supostamente erudito.

Barbosa conseguiu o que parecia impossível: transferir uma enorme, inédita carga de simpatia por Zé Dirceu, que com seu ar doutoral e arrogante jamais foi benquisto para além das fronteiras do PT e do seu próprio círculo de amizade.

Como Serra, Barbosa defende Versalhes e seu status quo – e isso os faz, se é que é possível, ainda mais antipáticos do que naturalmente já são.

http://www.diariodocentrodomundo.com.br/?p=16201#comment-166233

Máxima vênia Sr. Ministro

Edson Luís  Kossmann
EDSON LUÍS KOSSMANN
Na ação penal 470 em julgamento no STF, está se verificando algumas questões novas (ou muito velhas) em torno da aplicação da justiça
Na ação penal 470 em julgamento no STF, está se verificando algumas questões novas (ou muito velhas) em torno da aplicação da justiça. Entre elas, como nunca antes na história de nossa recente democracia, a supressão de regras e princípios constitucionais que já considerávamos consolidados.

A não cisão dos processos entre aqueles que têm e os que não têm "foro privilegiado"; as condenações sem provas concretas, ou seja, por presunções de culpabilidade; a "repristinação" e a reaplicação da chamada Teoria do Domínio do Fato, um instituto jurídico alienígena que, simplesmente, está sendo aplicado (equivocadamente) para permitir a condenação sem provas; entre outros. Além disso, são ditas algumas 'pérolas' que, conforme aqueles doutos, são de causar espécie.

Conforme alguns jornalistas que fazem a cobertura daquele julgamento junto ao STF, o Ministro Joaquim Barbosa, quando questionado se acreditava na prisão em regime fechado para a maioria dos condenados, respondeu que sim, "do contrário não estaria sacrificando a saúde num julgamento tão cansativo como este ...". Outro dia, em discussão com o Ministro Lewandowski, o Ministro Barbosa disse: "Moro no país e lutarei que ele mude".

Ora, um juiz, no desempenho de sua função, não luta por isso ou por aquilo; juiz deve aplicar a lei e a Constituição, nem mais, nem menos. Na função de juiz, não deveria haver espaços para voluntarismos, discricionariedades, subjetivismos e arbitrariedades.

Um processo judicial, que respeita os princípios constitucionais, tem que ser pautado por um Ministério Público responsável, que acusa quando tem elementos para isso, com a perseguição de provas cabíveis; uma defesa que tenha paridade de meios para proporcionar uma atuação plena e legítima e um juiz (ou colegiado de juízes) que tenha independência e imparcialidade para limitar a sua decisão fundamentada em provas produzidas no processo, com amplo contraditório em igualdade de condições entre as partes.
Qualquer decisão que não respeita esses critérios básicos não tem compromisso com o Direito Constitucional, muito menos com um Estado Democrático e de Direito.

Com essa premissa, também deve ficar claro que a Justiça não pode substituir a política, assim como a política não pode substituir a Justiça. É por isso que nas democracias existe a chamada divisão de poderes, com Executivo, Legislativo e Judiciário, cada um fazendo o seu papel e servindo de freio e contra-peso em relação aos outros poderes.

O Brasil e o mundo estão cheio de histórias tenebrosas que aconteceram com esse processo de "criminalizar" a política. Exemplo mais recente e próximo foi o neogolpe do impeachment do Presidente Lugo no Paraguai, legalmente legitimado pela Corte soberana daquele país. Sempre que o Poder Judiciário toma decisões políticas, ao invés de cumprir com a sua função de simplesmente aplicar a lei e a Constituição, o resultado não é positivo (embora momentaneamente possa parecer). Resultados forjados no voluntarismo e subjetivismo de quem decide não passa de um canto de sereia que, amanhã, pode (e certamente acontecerá) voltar-se contra àqueles que hoje vibram com os heróicos atos de seus ídolos.

Por isso, máxima vênia Sr. Ministro, mas os verbos julgar e vingar têm significados muito distintos que precisam ser claramente respeitados e mantidos, sob pena de que quem não os distingue passar a ser visto (ou pretender tornar-se) como voluntários justiceiros, o que, fatalmente, levaria a uma tremenda catástrofe ao Direito e à jovem democracia brasileira.

Mensalão: um julgamento político


Mauro Santayana
O julgamento da Ação 470, que chega ao seu fim com sentenças pesadas contra quase todos os réus, corre o risco de ser considerado como um dos erros judiciários mais pesados da História. Se, contra alguns réus, houve provas suficientes dos delitos, contra outros os juízes que os condenaram agiram por dedução. Guiaram-se pelos silogismos abengalados, para incriminar alguns dos réus.

O relator do processo não atuou como juiz imparcial: fez-se substituto da polícia e passou a engenhosas deduções, para concluir que o grande responsável fora o então ministro da Casa Civil, José Dirceu. Podemos até admitir, para conduzir o raciocínio, que Dirceu fosse o mentor dos atos tidos como delituosos, mas faltaram  provas, e sem provas não há como se condenar ninguém.

O julgamento, por mais argumentos possam ser reunidos pelos membros do STF, foi político. Os julgamentos políticos, desde a Revolução Francesa, passaram a ser feitos na instância apropriada, que é o Parlamento. Assim foi conduzido o processo contra Luis XVI. Nele, de pouco adiantaram os brilhantes argumentos de seus notáveis advogados,  Guillaume Malesherbes, François Tronchet e Deseze, que se valiam da legislação penal comum.

O julgamento era político, e feito por uma instituição política, a Convenção Nacional, que representava a nação; ali, os ritos processuais cediam lugar à vontade dos delegados da França em processo revolucionário. A tese do poder absoluto dos parlamentares para fazer justiça partira de um dos mais jovens revolucionários, Saint-Just. Ela fora aceita, entre outros,  por Danton e por Robespierre, que se encarregou de expô-la de forma dura e clara, e com a sobriedade própria dos julgadores —  segundo os cronistas do episódio — aos que pediam clemência e aos que exigiam o respeito ao Código Penal, já  revogado juntamente com a monarquia.

“Não há um processo a fazer. Luís não é um acusado. Vocês não são juízes, vocês são homens de Estado. Vocês não têm sentenças a emitir em favor ou contra um homem, mas uma medida de segurança pública a tomar, um ato de providência nacional a exercer. Luís foi rei e a República foi fundada. E Robespierre, implacável, explica que, em um processo normal, o rei poderia ser considerado inocente, desde que a presunção de sua inocência permanecesse até o julgamento. E arremete:
Mas, se Luís é absolvido, o que ocorre com a Revolução? Se Luís é inocente, todos os defensores da liberdade passam a ser caluniadores. Os fatos posteriores são conhecidos.

O STF agiu, sob  aparente ira revolucionária de alguns de seus membros, como se fosse a  Convenção Nacional. Como uma Convenção Nacional tardia, mais atenta às razões da direita — da Reação Thermidoriana, que executou Robespierre, Saint-Just e Danton, entre outros — do que a dos montagnards de 1789. Foi um tribunal político, mas sob o mandato de quem? Quem os elegeu? E qual deles pôde assumir, com essa grandeza, a responsabilidade do julgamento político, que assumiu o Incorruptível? E qual dos mais exacerbados poderia dizer aos outros que deviam julgar como homens de Estado, e não como juízes?

Como o Tartufo, de Molière, que via a sua razão onde a encontrasse, foram em busca da teoria do domínio do fato, doutrina que, sem essa denominação, serviu para orientar os juizes de Nurenberg, e foi atualizada mais tarde pelo jurista alemão Claus Roxin. Só que o domínio do fato, em nome do qual incriminaram Dirceu, necessita, de acordo com o formulador da teoria, de provas concretas. Provas concretas encontradas contra os condenados de Nurenberg, e provas concretas contra o general Rafael Videla e o tiranete peruano Alberto Fujimori.

E provas concretas que haveria contra Hitler, se ele mesmo não tivesse sido seu próprio juiz, ao matar-se no bunker, depois de assassinar a mulher Eva Braun e sacrificar sua mais fiel amiga, a cadela  Blondi.  Não havendo prova concreta que, no caso, seria uma ordem explícita do ministro a alguém que lhe fosse subordinado (Delúbio não era, Genoino, menos ainda), não se caracteriza o domínio do fato. Falta provar, devidamente, que ele cometeu os delitos de que é acusado, se o julgamento é jurídico. Se o julgamento é político, falta aos juízes provar a sua condição de eleitos pelo povo.

Dessa condição dispunham os membros da Convenção Nacional Francesa e os parlamentares brasileiros que decidiram pelo impeachment do presidente Collor. As provas contra Collor não o condenariam (como não condenaram) em um processo normal. Ali se tratou de um julgamento político, que não se pretendeu  técnico, nem juridicamente perfeito, ainda que fosse presidido pelo então presidente do STF.

A nação, pelos seus representantes, foi o tribunal. O STF é o cimo do Poder Judiciário. Sua sentença não pode ser constitucionalmente contestada, mesmo porque ele é, também, o tribunal que decide se isso ou aquilo é constitucional, ou não. A História, mais cedo do que tarde, fará a revisão desse processo, para infirmá-lo, por não atender às exigências do due process of law, nem à legitimidade para realizar um julgamento político.

O julgamento político de Dirceu, justo ou não, já foi feito pela Câmara dos Deputados, que lhe cassou o mandato.