O PMDB de São Paulo dobrou, na manhã de sábado 4, a sua bancada de deputados federais. Golpeado, nos últimos 20 anos, por rachas internos entre caciques e com a dissidência de seus principais nomes rumo ao PSDB, o diretório estadual da legenda dormiu na véspera com apenas um deputado paulista entre os 79 que conseguiu eleger em 2010. No dia seguinte, em meio à festa reservada para 3 mil pessoas, contava com dois soldados. É o início do que vem sendo chamado nas fileiras peemedebistas de “refundação” da seção paulista da legenda, que em 2010 elegeu apenas o deputado Edinho Araújo para a Câmara. Para isso, recrutou para suas fileiras um ex-tucano que já foi seminarista e tem mais livros publicados do que anos de vida.
Aos 42 anos, o escritor, palestrante, professor, doutor em semiótica, cantor e “bom moço” Gabriel Chalita chega ao partido com a braçadeira de capitão: tem carta branca e a presidência do diretório municipal do partido para começar, a partir de agora, a pavimentar o caminho rumo à prefeitura de São Paulo. A filiação de Chalita, deputado que mais recebeu votos no Estado depois do palhaço Tiririca (PR-SP), em 2010, é até aqui a principal cartada do vice-presidente Michel Temer pelo controle de seu berço político, disputado a tapa até pouco tempo atrás com o ex-governador Orestes Quércia, morto no ano passado, e seu grupo.
Na festa de sua filiação, que lotou um auditório da Assembleia Legislativa paulista, Chalita deu uma pequena demonstração do que se espera dele. Mal chegou e já se esquivou de polêmicas com o governo federal, que assa em sua primeira crise em meio ao enriquecimento suspeito do chefe da Casa Civil, Antonio Palocci.
“Ele é um grande gestor e faz um bom trabalho, mas a análise é da Dilma. A torcida é para que o governo funcione, porque é melhor para o Brasil”, disse, numa segunda versão do discurso feito no mesmo dia pelo vice Michel Temer. A cautela tem explicação. Chalita, cuja projeção política se deve ao governador Geraldo Alckmin (PSDB), se tornou desde o ano passado uma espécie de colaborador informal da então candidata Dilma Rousseff. Tanto para assuntos de educação – foi cotado para o Ministério da Educação – como para questões religiosas. No auge da campanha, quando Dilma escorregava em meio a uma campanha arquitetada pelo adversário José Serra (desafeto de Chalita no PSDB), coube ao deputado, como bom membro da Renovação Carismática, fazer o meio-de-campo com padres e a comunidade religiosa para levar a mensagem de paz da sua candidata. O objetivo era tirar do palanque a ideia de que Dilma, caso eleita, baixaria lei liberando o aborto no País.
Desde então, ele se tornou maior objeto de desejo do vice-presidente. E o alinhamento com o novo padrinho político era notório durante todo o evento: “O PMDB não tem dono. É um partido de portas abertas, em que todas as pessoas virão para ajudar”, declarou, pouco antes de entrar no evento. No plenário paulista, a frase foi repetida por Temer.
A chegada de Chalita ao PMDB é vista com bons olhos até mesmo pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula a Silva, que, entre palestras e reuniões em Brasília, tem se ocupado também com os rumos de seu partido no estado, governado há quase 17 anos pelo PSDB. Com Chalita na disputa, crescem as chances de um petista ou algum aliado vencer num eventual segundo turno o favorito da disputa, José Serra – caso o ex-governador e ex-presidenciável aceite disputar novamente o posto. No plenário da festa para receber Chalita, no entanto, a principal estrela petista era o deputado Candido Vaccarezza, líder do governo na Câmara. Que, por sua vez, deu o tom do tratamento que será dispensado ao neoaliado: “O Chalita é experiente, tem capacidade e lealdade política. Talvez esse seja o maior fato político do semestre”, disse, sobre o dono da festa.
A última vez que o PMDB lançou candidato próprio para a prefeitura de São Paulo foi há quase 20 anos, com o hoje senador pelo PSDB, Aloysio Nunes. “Queremos comandar a maior capital do país”, bradou Temer, em um discurso em que pediu unidade à legenda.
E, já na largada para a disputa, a estratégia ficou clara: pacto de não agressão com os aliados na esfera federal, e ataques diretos ao atual prefeito Gilberto Kassab, que também tem dado seus passos com seu recém-fundado PSD para fazer o sucessor – e contava com uma aliança com os peemedebistas para manter o controle da prefeitura após deixar o cargo. Planos que parecem longe da realidade, a se observar a fala do pré-candidato ao comentar os problemas da atual gestão: “Vivemos o fenômeno da invisibilidade, a cidade mais rica da América Latina tem 120 mil crianças esperando por vagas em creches e três milhões vivendo em cortiços e favelas, pessoas invisíveis. Não tem lógica fazer política sem olhar para o lado humano”.
Ao fim da cerimônia de filiação, na sala apenas com os jornalistas, o tom foi ainda mais incisivo. “O povo não vem aprovando a gestão do Kassab, há muitos problemas e quase nenhuma alternativa apresentada”, disparou. “É preciso entender os problemas e encontrar os caminhos, buscar lideranças em várias áreas e refletir sobre o que funcionou em outras capitais do mundo”, disse Chalita, já colocando-se em campo e assumindo o papel para o qual foi escalado.
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