Jamil Chade
Enquanto milhares de pessoas saem às ruas das capitais europeias para protestar, é na Islândia que uma revolta de fato ocorreu no fim de semana. A população simplesmente foi às urnas e votou contra o uso de dinheiro público para indenizar bancos.Em 2008, o país foi a primeira vítima da crise internacional. Seus principais bancos faliram e o país sofreu um colapso financeiro. Agora, coloca banqueiros na prisão e vota "não" ao pagamento de resgates.
Durante a quebra do sistema bancário em 2008, a falência de bancos da Islândia acabou causando prejuizos de quase 4 bilhões de euros para o Reino Unido e Holanda. Esses países haviam feito empréstimos aos islandeses e, em alguns casos, prefeituras desses países haviam depositado toda sua poupança nos bancos islandeses, em busca de lucros extras.
Com a quebra, o governo da Islândia e os credores chegaram a um acordo para o pagamento de indenizações. Inglaterra e Holanda usariam o dinheiro para compensar seus 340 mil cidadãos que perderam dinheiro depositados nesses bancos. Mas coube aos 320 mil habitantes da ilha no Ártico exigir que o assuntos passasse por um referendo.
O resultado, neste fim de semana, foi uma rejeição da proposta por 60% dos eleitores. A decisão foi lamentada pelo primeiro ministro, Jóhanna Sigurðardótti, que alertou ontem para um "caos politico e econômico" diante do resultado da votação.
Segundo ele, investimentos não estão entrando no país por conta da confusão em torno do futuro dos bancos. Agências de classificação de risco devem rebaixar a Islândia, diante do voto.
Mas a população neste fim de semana preferiu apenas comemorar. O argumento é de que não foram eles quem cometeram os abusos financeiros antes de 2008 e, portanto, não será com seu dinheiro que as dívidas serão pagas.
No Reino Unido, o governo já anunciou que levará a Islândia às cortes internacionais. "Estamos decepcionados", admitiu o número 2 do Tesouro britânico, Danny Alexander. "Esse processo acabará nas cortes. Temos a obrigação de recuperar o dinheiro que é dos cidadãos britânicos ", disse.
A Islândia, um pedaço de gelo e pedra nas proximidades do Ártico, nunca pensou que estaria tão vulnerável ao sistema financeiro internacional. Mas, com a crise de 2008, descobriu que sua expansão na última década havia sido baseada em pura alavancagem.
Em média, a produção anual de cada habitante havia gerado empréstimos de 10 milhões de euros. O desemprego era de 1% e, de uma economia baseada na pesca, se transformou em poucos anos num dos países mais ricos do mundo. O problema é que nada disso era baseado em uma expansão real da economia. Com a quebra mundial, descobriu-se que os três bancos islandeses haviam emprestado 12 vezes o tamanho do PIB do país. Desde 2008, o PIB contraiu em 15% e uma a cada quatro casas não terão suas hipotecas pagas.
O país com uma das tradições democráticas mais antigas da Europa havia se transformado em um campo de testes a ceu aberto para o neoliberalismo. Agora, a população decidiu que a história não acabaria com um resgate do FMI e aos bancos.
Os maiores executivos do país foram presos, como o banqueiro Sigurdur Einarsson, e agora os cidadãos declaram que não aceitarão pagar pelos erros dos bancos.
Os mais cínicos alegam que não se trata de uma revolta popular ou da coragem desafiadora de origem viking. Apenas a constatação de que a Islândia simplesmente não tem de onde tirar os 100 bilhões de euros que deve.
http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,finlandeses-votam-contra-proposta-de-indenizacao-de-bancos-,704389,0.htm
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