Chineses do Cantão aderem a ondas de protestos.
Os indignados e a nova época
Mauro Santayana
À insistência dos indignados espanhóis e catalães, e à continuidade das manifestações das massas nos países árabes, somam-se agora protestos, ainda discretos, de trabalhadores chineses. As contradições do capitalismo – mesmo subordinado ao Estado – começam a surgir no grande país, o maior fenômeno da sociedade industrial dos últimos tempos. Estamos diante de inevitável mudança.
Plutarco atribui a Pompeu Magno uma frase que, repetida por Ulysses Guimarães, foi emblemática no processo de transição política nacional: navigare necesse est, vivere non est necesse. A máxima do grande general escapou da circunstância, para se tornar forte símbolo da política. Ela nos incita a resistir. A vida, qualquer vida, é um processo de resistência, e mais ainda na política.
Segundo a versão, Pompeu que se encarregava de duas missões cruciais para Roma – a de limpar o Mediterrâneo dos piratas e, assim, assegurar o suprimento de cereais à grande cidade – incitou os marinheiros que, no porto de Siracusa, na Sicília, se recusavam a levantar velas, a embarcar e seguir. O céu estava carregado de nuvens sobre o estreito de Messina, a mais arriscada passagem marítima da Antiguidade. Obrigou-os a partir com a admoestação de que navegar era mais importante do que viver. Em Roma esperavam o trigo. Por isso, tinham que vencer o medo e as tempestades. Não há registro histórico de que aquelas naves tenham naufragado entre os rochedos e as correntes circulares do estreito. Chegaram, assim, ao porto de Óstia.
É forte a metáfora da navegação para explicar a vida e, especialmente a vida política. Governar é pilotar, manobrar o timão da nave, evitar os escolhos e as ondas perigosas, manter a disciplina no barco – enfim, chegar ao destino. Dessa forma devem proceder os indivíduos e as nações, embora as sociedades políticas sejam muito mais complicadas do que um barco, menor ou maior. É preciso buscar o equilíbrio entre a liberdade e a ordem, entre o Estado e a sociedade, entre a autoridade e o indivíduo. Trata-se de equilíbrio precário, com os pratos da balança oscilando a cada dia, em cada momento. Os sistemas de poder, mundiais e nacionais, costumam durar pouco, na História, que não aceita situações permanentes, embora isso não pareça aos contemporâneos de cada tempo.
As épocas saem umas das outras, como as bonecas russas. Não há rupturas absolutas. O Renascimento veio da Idade Média, como a Idade Média viera do Império Romano. O Iluminismo, a mais recente revolução histórica, não existiria sem o Renascimento, que lhe abriu as portas da percepção burguesa, para ficar na melhor interpretação marxista. Mas o Iluminismo está pedindo, agora, que de seu ventre venha nova época. Como época, em grego, significa intervalo, pausa, o Iluminismo – não obstante os processos internos de sua evolução - foi momento de relativa calma na longa história do homem. Mas iniciou sua decadência no alvorecer do século 20. Pouco a pouco, esgotou-se a capacidade intelectual que o fizera surgir. Salvo nas ciências exatas, que assombram o mundo com o seu poder inovador, a capacidade revolucionária do Iluminismo parece esgotada com Marx. Depois dele, só tivemos os que analisam o filósofo de Trier, seja para aceitá-lo, seja para repudiá-lo, mas não há pensamento novo que retorne à criatividade filosófica dos enciclopedistas e seus sucessores imediatos.
Esse é o desafio de nosso tempo. Os confrontos entre a prosperidade e a preservação da natureza; entre a babel libertária que significa a internet, e as ortodoxias, políticas ou teológicas; entre o mercado destruidor, e o necessário arbítrio regulador do Estado, além de outros, exige esforço de inteligência, do qual parecemos incapazes. Esse é o novo impasse histórico.
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