DA BBC BRASIL
Quarenta anos depois do episódio que lhe deu início, o caso Watergate, que estourou em junho de 1972 e culminou com a renúncia do então presidente americano Richard Nixon dois anos depois, ainda gera controvérsias nos Estados Unidos.
O ex-presidente morreu em 1994, após duas décadas tentando se afastar da imagem dos escândalos, sem ter conseguido pôr fim às brigas em torno de reputações e legados do caso.
Quatro décadas após os seus furos de reportagem no jornal The Washington Post, são os jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein que estão na berlinda, defendendo-se da acusação de ter retocado certos aspectos do seu trabalho de apuração tal e qual relatado no livro Todos os Homens do Presidente, posteriormente transformado em filme.
Entretanto, as críticas aos jornalistas não mudam a questão central do problema: a revelação de que Nixon estava, como disseram os ex-repórteres em um artigo recente, "atentando contra o coração da democracia americana".
O DETALHE QUE MUDOU A HISTÓRIA
Quando apareceu pela primeira vez nas páginas dos jornais, o caso mereceu pouca atenção da imprensa americana. Da noite do dia 16 para 17 de junho de 1972, cinco homens engravatados foram presos ao invadir a sede do Comitê Democrata no edifício Watergate, em Washington.
Presos de luvas de borracha, com walkie-talkies e o número de Casa Branca na agenda, o incidente já dava pistas sobre o tamanho do escândalo.
Além disso, o Watergate era tudo menos um edifício qualquer na cidade: o complexo, inaugurado à beira do rio Potomac poucos anos antes para os ricos e poderosos, incluía salas comerciais, unidades residenciais, um hotel e lojas - e também a sede dos partidos rivais, o Republicano, de Nixon, e o Democrata.
Foi a energia inesgotável de Woodward e Bernstein, e o faro do seu editor, Benjamin Bradlee, que fez o caso sair do anonimato das páginas policiais para se converter no mais decisivo escândalo da Presidência de Nixon.
"Nixon era muito pior do que pensávamos", escreveram Woodward e Bernstein no Post. "Hoje, muito mais do que quando éramos jovens repórteres, registros abundantes oferecem respostas definitivas e evidências sobre o caso Watergate e seu significado."
A QUEDA DE NIXON
Naquele ano eleitoral de 1972, as matérias assinadas pela dupla já apontavam para o que os repórteres chamariam de "uma dominância pessoal do presidente sobre uma campanha maciça de espionagem política, sabotagem e atividades ilegais contra opositores reais ou imaginários".
Mas nem essas denúncias conseguiram evitar a reeleição do presidente no fim daquele ano. Nixon ainda duraria quase um ano e meio no poder, e só sairia depois da humilhação política de ver a Suprema Corte lhe obrigar a ceder as fitas gravadas pelo sistema da Casa Branca, que revelavam seu envolvimento nas táticas sujas.
Sem base no Congresso e com uma comissão parlamentar de inquérito aberta para avaliar seu impeachment, ele renunciou em agosto de 1974.
Receberia o perdão presidencial do seu sucessor e antigo vice, Gerald Ford, mas nunca conseguiria se livrar da imagem de Watergate - reforçada por outros escândalos, como a tentativa de ocultar os documentos do Pentágono mostrando o alcance do envolvimento dos EUA no Vietnã.
CONTROVÉRSIAS
Historiadores ainda debatem o legado de Nixon, um presidente obcecado com a luta contra o comunismo, que governou a maior superpotência ocidental justamente num dos períodos mais tensos da história recente.
Ao longo das últimas décadas, partidários do republicano abraçaram a ideia de que foi a tentativa do presidente de ocultar os fatos de Watergate - mais que os fatos em si - que levaram à sua derrocada.
Mas para Woodward e Bernstein, que agora têm sido alvo de questionamentos, esse mito "minimiza a escala e alcance das ações criminais" do ex-presidente.
Em uma biografia do editor Ben Bradlee recém-publicada nos EUA, um ex-auxiliar e braço direito de Bob Woodward sustentou que o ex-editor ainda tem dúvidas sobre a história contadas pelos repórteres.
FONTES
No livro, Woodward diz que contatava Garganta Profunda (a fonte que posteriormente foi identificada como Mark Felt, diretor-associado do FBI) deixando um vaso com plantas e uma bandeira vermelha em sua janela, indicando que deviam se encontrar em um estacionamento previamente combinado às 2h da manhã. De forma semelhante, Garganta Profunda expressava o desejo de conversar com os jornalistas fazendo sinais no jornal.
Bradlee de fato disse, nos anos 1990, que ainda possui "um temor residual" de que a história de Garganta Profunda "não seja exatamente assim", mas de lá para cá voltou atrás e reafirmou sua confiança nos dois ex-repórteres.
Talvez mais polêmica ainda seja a descoberta de que a fonte "mística" - Z - era na verdade uma jurada do caso. Abordar jurados de casos na Justiça é ilegal e certamente resultaria na dissolução do corpo, se esse fato fosse descoberto na época.
Por anos, Woodward e Bernstein disseram que não tinham abordado ninguém do júri, atitude que lhes renderia a prisão.
Mais recentemente, eles reconheceram que o fizeram, mas alegaram que a jurada nunca ofereceu informação que levasse a nenhuma reportagem, limitando-se a concordar, em linhas muito gerais, com o caminho que a apuração dos jovens e ambiciosos repórteres estava seguindo.
As duas polêmicas têm servido de artilharia para os muitos seguidores que ainda defendem Nixon. Em artigo tentando "desfazer" os mitos de Watergate, o ex-assessor de Nixon Pat Buchanan diz que o público foi "enganado" pelos repórteres e o jornal.
"Se um dos homens de Nixon, com sua aprovação, tivesse rompido o segredo de júri de Watergate, e mentido sobre isto, este assessor teria ido para a cadeia, e isto seria um artigo para um processo de impeachment", sintetizou Buchanan. "Bem vindo a Washington, era de 1972."
Um crítico da grande imprensa americana, Matt Pearce, do Los Angeles Times, observou que "quatro décadas de procurar defeitos e se preocupar com legados e reputações nunca mudou o fato de que Nixon se apunhalou a si mesmo".
E concluiu: "Woodward e Bernstein apenas escreveram sobre isso."
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