quarta-feira, 18 de julho de 2012

A militância paga que serve só pra carregar bandeiras



Maria Dolores de Brito Mota
Professora Associada da Universidade Federal do Ceará. Instituto de Cultura e Arte
Segunda, dia 09 de julho, começou a campanha eleitoral. Na rua, encontrei em esquinas várias pessoas balançando as bandeiras vermelhas com a estrela do PT, e chorei. Nos rostos desses "bandeirolos” não havia emoção, não eram militantes, eram trabalhadores. A militância mudou nesses 32 anos, a política mudou, o PT mudou e mudamos nós militantes e petistas. Chorei de saudade do tempo em que ser militante era sentir pulsar o peito no compasso dos sonhos, da utopia de construir um mundo diferente, um novo país, livre, justo, igualitário, ético, essas coisas que motivaram tantos/as pessoas nos anos 1970/80. Minha primeira experiência de militante foi no dia 19 de maio de 1977, Dia Nacional de Luta contra a Ditadura Militar. Uma multidão de mais de 8 mil estudantes em Salvador, confrontaram-se com o Batalhão de Choque da Polícia Militar, com policiais montados, outros com cachorros e outros com escudos e muita bomba de gás lacrimogêneo. Nesse dia eu realmente confirmei que estava no lugar que tinha que estar, lutando por liberdade e pelo direito de sonhar e fazer a história. Nunca mais parei de procurar o que pode e deve mudar na minha vida e na vida social.
Fiz parte daqueles/as que foram às ruas e subiram em ônibus arrecadando dinheiro para mandar ao comando de greve dos metalúrgicos do ABC, em 1979. Greves que mudaram o Brasil e a esquerda. Como membros de base da Ação Popular no movimento estudantil, confrontamos as lideranças nacionais, muitos ex-exilados e anistiados que não concordavam com a proposta de um partido dos trabalhadores "por que era um partido de massas e não um partido revolucionário”. A proposta do PT não se enquadrava no esquema marxista-leninista clássico e instalou-se um intenso debate sobre teorias revolucionárias, marxismo, leninismo, maoismo, trotskismo, stalinismo, gramicismo, eurocomunismo e muitos ismos. Essa discussão levou a rachas no PC do B e na AP, e os dissidentes se jogaram nas ruas para discutir a proposta desse partido com a população em geral. Em Salvador, fomos às favelas e assim filiamos e legalizamos o PT, criando os Núcleos de Base. Fomos acusados de igrejeiros e deliquidacionistas, pela esquerda ortodoxa, muitos dos quais depois entraram no partido e o transformaram numa "frente de tendências”.
Da legalização para as eleições foi outro percurso difícil. Definir candidatos, fazer doações de nosso bolso para imprimir material de propaganda. Realizar a mínima coisa era experimentado como uma grande vitória: fazer uma camisa, uma faixa, os "santinhos”, cartazes. O comício, então, era uma apoteose, delirávamos de emoção sacudindo as bandeiras e cantando os refrãos. Foi assim até a primeira eleição de Lula. Não sabíamos o quanto nos custaria a elegibilidade e a governabilidade. As negociações e as alianças foram mais compreensíveis para mim do que a cooptação de "companheiros/as” pelos esquemas do velho poder. Inserir-se numa estrutura burocrática e corrompida de gestão privada do espaço público, absorveu muita gente em esquemas e comportamentos que foram naturalizados por uma elite perversa e predatória, sem compromisso cívico, que tinham montado um jeito de governar para manter uma estrutura social excludente e desigual como poucas no mundo.
Não é possível negar que muita coisa mudou no aparelho estatal e na forma de gestão pública. Mas muito do Estado autoritário e patrimonialista permanece e continua estabelecendo a lógica de governar. A maneira como o governo da Bahia está tratando os professores estaduais em greve é inadmissível, inclusive para um governador que foi líder sindical. E o tratamento do Ministério da Educação a essa greve das federais, ameaçando cortar ponto é pior do que os militares ousaram fazer com a violência da repressão política, porque ameaça a estabilidade da sobrevivência das famílias. A governabilidade coloca em primeiro lugar a estabilidade do Estado e não o interesse da nação. A nação não é o aparelho do Estado e nem as corporações financeiras empresariais, mas é todo o povo que constitui uma nacionalidade. O momento é crucial: o país adquiriu estabilidade política e econômica, estabeleceu as bases para uma distribuição de renda, instituiu marcos legais e políticos para a ampliação da cidadania, agora precisa repensar a relação do Estado com a sociedade civil, não a partir da pressão da mídia e do setor econômico, mas da população e das organizações civis.
O exercício do poder nas condições de um Estado que se quer democrático na civilização do capital vai requerer bater de frente ou com o povo ou com as elites. A consciência de cidadania da população avançou e não tem volta, os confrontos estão apenas se anunciando. Ter o consentimento e aprovação das elites para governar e utilizar os seus instrumentos pode ter sido até inevitável para consolidar outro projeto de governo, mas a conjuntura mudou. Pagar militantes para fazer uma campanha não pode substituir a participação de uma militância motivada por paixão, emoção e desejo de construir o sonho de um mundo melhor. Pode ter sido necessário sujar as mãos, abdicar de alguns sonhos, eu reconheço certa grandeza nessa opção, necessária em circunstâncias vividas, embora eu não me disponha a isso, prefiro estar do lado de cá, criando utopias e percebendo as outras possibilidades que a realidade pode ter. Aprendi que não basta saber ou viver o que a realidade é, mas é preciso perceber como ela poderia ser. Ser realista não pode substituir ser radical, por que ser radical não é ser irrealista, mas ir até a raiz do limite do que pode ser transformado.
Que venham as eleições sem destruir nossos sonhos e nossa ética revolucionária, sem elas ficaremos cada vez mais distantes do tempo da militância convicta. Nada paga a emoção de realizar juntos os sonhos sonhados. Pois como cantou Raul: "sonho que se sonha junto é realidade”.

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