PALMÉRIO DORIA
O grande banquete dos barões da mídia já está com a mesa posta. Se Dilma acha que a sanha dessa curriola se satisfaz com Lula está enganada. Primeiro eles têm que minar o galho para chegar à flor
“A Constituição prevê, mas não garante”
Barão de Itararé
Para alguns barões da mídia, o pau-de-arara que trouxe o
pernambucano podia ter batido na Rio-Bahia. Para outros, ele devia ser
pendurado no pau-de-arara na época de Vila Euclides. Como Lula escapou
até do câncer, esses barões torcem por um raio que o parta.
Na verdade a midiazona está tomada pelo espírito de Thor, o
Deus do Trovão. Produz uma tempestade por dia. Algumas em copo de
Coca-Cola, dando ensejo a uma brincadeira que circula na internet: a
imprensa brasileira é a única que tenta derrubar um ex-presidente da
República.
No fim de 2012 a coisa chegou a tal ponto, que Lula
anunciou: vai deixar a barba crescer não só para deixá-la de molho, mas
para recompor a popular imagem do sapo barbudo que pretende exibir nos
palanques do país a partir de março deste ano. Em resumo: vai sair pelo
país, democratizando a mídia com as próprias mãos.
O tempo ruge, como dizia Mendonça Falcão, e está bem
mudado. Hoje não é preciso chamar a frota americana para garantir o
golpe. Basta um Supremo Made in Paraguai e uma coorte daquilo que eles
chamam formadores de opinião batendo bumbo todo santo dia.
Para essa turma, o ideal é um líder popular incomunicável,
sem direito a voz. Algo assim como Allende sozinho num palácio sob
bombardeio com um microfone que lhe restou e um fuzil AK-47 na mão. Ou
então um Getúlio acuado num palácio com uma carta na manga, que só seria
conhecida depois dele morto.
Ou alguém imagina que os Grandes Irmãos da mídia
brasileira – Folha, Estado, Globo, Abril -- são essencialmente
diferentes dos donos do El Mercurio, Clarín, El Espectador e outros do
corpo de baile permanente da SIP – Sociedade Interamericana de
Imprensa?
De longa data os meios monopolistas de comunicação tentam
barrar os avanços sociais, se possível dar marcha à ré na roda da
história, como tentaram em 1954 e conseguiram em 1964.
Em 1954, diante das medidas nacionalistas e a favor dos
desvalidos tomadas por Getúlio --- Petrobrás e o monopólio estatal do
petróleo, que irritaram as petroleiras do hemisfério norte; Volta
Redonda, fundadora da nossa indústria de base; salário mínimo dobrado de
uma penada; etc.
Então, as incipientes redes, como os Diários Associados de
Assis Chateaubriand, e os principais jornais e rádios (a televisão
engatinhava) bateram bumbo contra Getúlio. Criaram o mote demolidor: mar
de lama, para induzir o povo de que Getúlio estava mergulhado na
corrupção – ele que ao morrer deixou apenas a fazendola herdada dos pais
e um apartamento modesto no Rio. Carlos Lacerda, “demolidor de
presidentes” falava no rádio e na tevê, e escrevia em seu jornal,
Tribuna da Imprensa.
Em 1954, o chefe da guarda do Catete contribuiu
indiretamente para a derrocada, ao ordenar a apaniguados seus que
matassem o jornalista Lacerda.
O frustrado atentado da Rua Toneleros, do qual Lacerda
saiu com um suposto ferimento no pé, levou à criação de um precursor dos
Doi-Codis da ditadura militar instaurada dez anos depois: a República
do Galeão. Os acusados e implicados, nas mãos de militares da
Aeronáutica e dos policiais chefiados por Cecil Borer, foram torturados à
vontade. Não houve brutalidade que esquecessem.
Havia uma ligação direta entre a República do Galeão e a
imprensa, através principalmente do Diário Carioca. Tão íntima, que seu
editor-chefe Pompeu de Souza ficou conhecido como “presidente da
República do Galeão”. A Tribuna da Imprensa já era íntima, pela ligação
de Lacerda com militares golpistas.
O suicídio de Getúlio provocou comoção nacional. E, no Rio
de Janeiro, imediata reação popular, com ataques a jornais
antigetulistas, embaixada dos Estados Unidos, escritórios de empresas
americanas. A oposição se desarvorou. Lacerda fugiu para Cuba – a Cuba
do ditador sanguinário Fulgêncio Batista. E 1 milhão de pessoas
acompanharam o cortejo até o aeroporto, de onde o corpo de Gegê rumaria
para o enterro em São Borja, sua terra natal.
É claro que os barões ficaram furibundos com a eleição de
JK e torciam contra o marechal Lott, que garantiu sua posse e pôs para
correr os políticos udenistas. É claro que torceram pelos oficiais
malucos da FAB que tentaram golpeá-lo, sequestrando aviões, primeiro a
partir de Jacareacanga, no Pará, em fevereiro de 1956, depois de
Aragarças, Goiás, em dezembro de 1959.
O líder da revolta de Jacareacanga, tenente-coronel
Haroldo Veloso, desta vez estava sob o comando de outro oficial mais
facinoroso ainda, o tenente-coronel João Paulo Moreira Burnier, aquele
que na ditadura queria explodir o gasômetro no Rio e transformar o
Brasil numa Indonésia atolada em sangue.
Dezenas de outros militares e civis estavam nessa nova
aventura. Eles pretendiam bombardear o Palácios Laranjeiras e do
Catete, com três aviões Douglas C-47 e um avião sequestrado da Panair.
A revolta ficou restrita a Aragarças e durou 40 horas. Seus líderes
fugiram nos aviões para o Paraguai, Bolívia e Argentina, só voltando no
governo Jânio. E tal como a estupidez, eles insistem sempre.
Os meios de comunicação monopolistas, a Igreja Católica,
os militares da direita formados nas academias norte-americanas, as
empresas transnacionais e o Departamento de Estado trataram de aprimorar
a estratégia para, dez anos depois do suicídio de Getúlio, enfim barrar
a revolução brasileira, com a reforma agrária, a reforma urbana, uma
nova e menos rapinante Lei de Remessas de Lucro das empresas
estrangeiras aqui instaladas – medidas com as quais acenava o presidente
reformista João Goulart, afilhado político de Getúlio.
Na segunda década do século 21, há milhões de testemunhas do que foi 1964 vivas por aí. Os maiores de 60 anos se lembram bem.
Injeção de dólares no treinamento policial e militar;
compra de intelectuais para redigir artigos e roteiros de filmetes, o
patrocínio e financiamento de empresas de comunicação via Ibad,
Instituto Brasileiro de Ação Democrática com dinheiro da Texaco, Shell,
Esso, Standard Oil, Bayer, Schering, General Eletric, IBM, Coca-Cola,
Souza Cruz, Belgo-Mineira, General Motors, a campanha de difamação do
presidente João Goulart, o Jango, que incluía até a vida pessoal, com a
sugestão de mulher adúltera, o fantasma do “comunismo”, as “marchas da
família com Deus pela liberdade, de novo Lacerda no rádio e na
televisão, e uma reta final com manchetes arrasadoras, como “Basta!”,
“Fora!”, no Correio da Manhã.
Se alguém duvidasse que toda essa imensa curriola estava a
soldo e a mando de Washington, a dúvida se dissiparia quando, pouco
tempo depois, se soube da Operação Brother Sam, uma frota se deslocando
do Caribe para nosso litoral com 100 toneladas de armas, petroleiros,
porta-aviões com caças e helicópteros, seis destróieres, encouraçado,
navio de transporte de tropas e 25 aviões de transporte de material
bélico, para garantir o golpe em caso de reação.
Reação? Milhares de brasileiros de esquerda caíram presos
entre a noite de 31 de março e do dia 1 de abril e não se soube de um só
caso de quem tenha reagido.
Se Dilma acha que a sanha dessa curriola se satisfaz com
Lula está enganada. Primeiro eles têm que minar o galho para chegar à
flor.
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