segunda-feira, 27 de maio de 2013

Danos morais: a busca desenfreada pela reparação de uma imensa dor


Responsabilidade civil



A banalização dos casos intriga especialistas e já se tornou um dos assuntos mais debatidos nos tribunais brasileiros
De repente uma dor ou sofrimento toma conta do indivíduo, uma afronta à paz interior, ao decoro e ao ego. A subjetividade também está no rol das causas judiciais. É o dano moral, aquele que afeta a personalidade e, de alguma forma, ofende a moral e a dignidade da pessoa, de acordo com definição do Superior Tribunal de Justiça (STJ). E são processos ascendentes. O cidadão tem ido mais em busca do que lhe atinge. Prova disso é o crescimento de causas por dano moral.

Atualmente, em Fortaleza, estão em andamento 3.467 processos de indenização nas Varas Cíveis, Fazenda Pública e de Recuperação de Empresas e Falências. No Ceará, 498 processos físicos tramitam somente nas Varas Cíveis. O Tribunal Regional Federal da Quinta Região (TRF5), que atua no Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas e Sergipe, julgou 5.621 ações, entre 1989 e 2012, sendo 138 no ano passado, enquanto que em 1989 foram apenas cinco causas por dano moral. Já a Defensoria Pública do Estado do Ceará recebeu 250 casos de reparação de danos, em 2012, e 144, em 2013.

Abandonado pelo plano de saúde que pagava há dez anos, o aposentado João Dutra sentiu na pele a sensação da ofensa à dignidade. Ele precisava fazer uma cirurgia de esôfago que não foi autorizada. Por orientação da Agência Nacional de Saúde (ANS), ingressou com uma ação contra o plano que alegou doença preexistente.

O procedimento acabou sendo custeado por outra empresa, mas recebeu a indenização. O processo foi parar no STJ. "Passei por constrangimento e ainda adquiri uma bactéria hospitalar. Foram dez anos de longa espera. A gente se sente rejeitado, um trapo", desabafa.

A assistente social Juliana Fernandes de Lima se sentiu lesada quando comprou um móvel e não recebeu o objeto e nem foi ressarcida do valor. Foi então que, depois de esperar seis meses, entrou com uma ação no Juizado de Pequenas Causas contra a loja. "Estava demorando demais a entrega, por isso resolvi cancelar o pedido, o que não aconteceu", conta.

Banal
Para a juíza da 13ª Vara Cível de Fortaleza, Francisca Francy Maria da Costa Farias, as pessoas estão mais esclarecidas, na medida em que se sentem lesadas. Elas procuram a Justiça de uma maneira geral. No entanto, a apelação já chegou ao nível do banal, o que tem intrigado os especialistas. "É preciso diferenciar o dano moral do constrangimento. Se não afetou o ego e foi apenas um mal-estar não pode ser considerado como tal", explica. Mas a ofensa existe e é passível de indenização, conforme Constituição de 1988. São os casos presumidos, quando o próprio fato em si serve como prova.

Do ponto de vista sociológico, é utilizada a expressão violência simbólica, empregada também para o assédio moral, como exemplifica o sociólogo César Barreira. "Usa-se de violência para menosprezar a outra pessoa. E usa-se de violência para ferir a honra nos casos de dano moral". É uma questão de foro íntimo. Daí a dificuldade de julgar. Algumas pessoas são mais vulneráveis. "Cada um é atingido de uma forma, mas a Justiça precisa ter o devido controle das subjetividades", opina.

Contudo, o Poder Judiciário tem avaliado de maneira plausível as causas, como considera o advogado Cândido Albuquerque. "A fixação dos valores ocorre de maneira justa. A Justiça precisa buscar um meio termo. No Brasil, as indenizações acontecem de forma moderada", acrescenta.

O julgar desse tipo de causa não é difícil, mas deve ser cuidadoso, como acentua Francisca Francy. "Tudo depende do modo como a pessoa sofreu o dano. Se foi discreto ou avassalador", aponta a juíza.

Cadastro de inadimplentes, responsabilidade bancária, atraso de voo, diploma sem reconhecimento, equívoco administrativo e credibilidade desviada são casos clássicos de danos morais. Os que dizem respeito à defesa do consumidor engrossam a lista das ações.

O problema, segundo o advogado Reginaldo Hissa, é que Fortaleza não tem varas especializadas em causas consumeristas e isso dificulta. Segundo ele, o aumento desse tipo de processo tem como fatores, em primeiro lugar, o crescimento da população, em seguida a disseminação da informação sobre direitos pelas mídias sociais.

OPINIÃO DO ESPECIALISTA
A ofensa pessoal é passível de indenização
Cândido Albuquerque
Advogado

A elevação de processos por danos morais tem origem em dois motivos: o primeiro é que a legislação passou a reconhecer a responsabilização civil. O que era criação jurisprudencial antes de 1988, passou a ser disciplinaridade. Paralelo a isso, houve uma conscientização maior dos cidadãos. Hoje, todo mundo sabe o que é dano moral por causa das redes sociais e todos procuram um advogado para entrar com uma ação ao se sentir lesado, sobretudo as classes menos abastadas. Isso incentivou e incrementou os casos. Entretanto, a Justiça tem de ficar atenta para não criar uma indústria de processos. Não raro, as causas banais viram motivos de apelação judicial.

Dano moral é a ofensa sofrida na dignidade humana, na honra, que é o conjunto de valores que a pessoa cultiva e o grupo de predicados que conferem ao cidadão respeito social. Estamos tratando de uma questão subjetiva que depende do contexto social. A partir de 1988, a ofensa é passível de indenização. Estabeleceu-se a jurisprudência por dano moral puro.

FIQUE POR DENTRO
Origem histórica
No início das civilizações, o homem respondia às agressões sofridas também com violência, utilizando suas próprias forças e recursos. Mas por volta do segundo milênio, antes da era cristã, num período anterior ao próprio Direito romano, o Código de Hamurabi já disciplinava algumas situações na Mesopotâmia em que o dano de natureza moral poderia ser reparado pecuniariamente. Apesar da predominância do preceito "olho por olho e dente por dente" da Lei do Talião, norteador do Código de Hamurabi, que expressava o direito da vingança da vítima para retribuir na mesma proporção o dano causado, havia casos especiais em que a imposição de uma pena econômica constituía uma outra forma quase que alternativa de se proporcionar à vítima uma satisfação compensatória em pagamento de "ciclos de prata". Assim, os babilônios estabeleciam penalidades pecuniárias para os casos de dano moral, e somente quando estes meios eram frustrados, é que se aplicava a pena de Talião.

Já o Código de Manu, criado em torno de 1.500 a.C, atribuía ao rei a imposição de penalidades. Constitui-se na legislação do mundo indiano e foi criado em torno de 1.500 a.C.

A primeira conquista em matéria de danos morais no sistema normativo brasileiro é de 7 de dezembro de 1912, consignada no Decreto-lei nº 2.681/12. Já o Código Civil brasileiro de 1916 trouxe, no seu artigo 76, a menção expressa ao interesse moral do indivíduo e sua possível recomposição: "Para propor ou contestar uma ação, é necessário ter legítimo interesse econômico ou moral. Parágrafo único. O interesse moral só autoriza a ação quando toque diretamente ao autor ou à família".

Diz a doutrina - e confirma a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) - que a responsabilização civil exige o acontecimento do dano. O dever de indenizar existe na medida da extensão do dano, que deve ser certo (possível, real, aferível). Doutrinadores têm defendido que o prejuízo moral que alguém diz ter sofrido é provado pela força dos próprios fatos. No entanto, a jurisprudência não tem mais considerado este um caráter absoluto. Em 2008, entendeu-se que para acontecer a reparação é necessário que o dano moral seja comprovado mediante demonstração cabal de que a instauração do procedimento se deu de forma injusta e despropositada.

LINA MOSCOSOREPÓRTER

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