O pastor Átila Brandão, destacado agente da repressão na ditadura, tenta calar um jornalista que lembra seu passado
Nas manhãs de sábado, o pastor Átila Brandão, líder
máximo da Igreja Batista Caminho das Árvores, faz uma exaltada pregação
na TV Aratu, retransmissora do SBT na Bahia. É uma mistura de
ignorância, oportunismo e preconceito. Exemplo: o ser humano é
inteligente por falar e não por pensar. Outro: o anticristo será um
homossexual nascido de uma prostituta. Não se assuste, o pastor tem a
solução contra o mal. Além do apego ao Evangelho e à Bíblia, Brandão
acredita-se destinado a presidir o Brasil.
Infelizmente, a estratégia para derrotar o coisa-ruim via
Palácio do Planalto corre sérios riscos. Atualmente, torturador de
palavras e consciências, Brandão destacou-se nos anos 70 por outro tipo
de barbárie, bem mais grave. Teve passagem marcante pelo aparato de
repressão da ditadura.
Denunciado pelo
ex-deputado e jornalista Emiliano José, o pastor perdeu a fleuma
religiosa e ressuscitou seu velho estilo, consagrado nos anos de chumbo.
Então oficial da Polícia Militar da Bahia, Brandão comandou
espancamentos contra estudantes em Salvador entre 1968 e 1973. Em um
prazo de três meses, o evangélico fez um boletim de ocorrência,
registrou uma queixa-crime e abriu duas ações judiciais contra José. Seu
objetivo principal é censurar o jornalista por causa do artigo
intitulado “A premonição de Yaiá”. Publicado em fevereiro passado no
jornal A Tarde e disponível na internet, o texto trata de uma história
assustadora.
Com base em um depoimento gravado, o
ex-deputado relata um momento na vida de Maria Helena Rocha Afonso,
conhecida como Dona Yaiá, mãe do preso político Renato Afonso de
Carvalho, ex-militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário.
Segundo Dona Yaiá, em 1971, após sentir terrível angústia no peito,
decidiu por conta própria pegar um táxi e visitar o filho, então com 23
anos, preso no quartel da PM dos Dendezeiros, na chamada cidade baixa.
Carvalho havia sido preso no Rio de Janeiro em fevereiro daquele mesmo
ano por agentes da repressão e levado ao quartel da Polícia do Exército
da Rua Barão de Mesquita, um dos mais cruéis centros de torturas do
regime. Por dois dias, ficou pendurado em um pau de arara. Foi espancado
e submetido a choques elétricos e afogamentos. Depois, enfrentou um
fuzilamento simulado. Como, ainda assim, não entregou ninguém, seu
assassinato parecia iminente.
Graças a um pedido do pai, Orlando de
Carvalho, e da interferência de Dom Eugênio Salles, à época arcebispo do
Rio de Janeiro, o militante foi salvo e transferido a Salvador. Sob
custódia da PM baiana, achou que a fase das torturas havia passado.
Engano absoluto. O militante do PCBR, hoje um respeitado professor de
História na capital da Bahia, reencontrou no quartel dos Dendezeiros um
velho desafeto, o capitão Átila Brandão.
Três anos antes, em 1968, Carvalho havia
integrado um movimento para expulsar Brandão da Faculdade de Direito da
Universidade Federal da Bahia onde ambos estudavam. Em companhia de
outros militantes do movimento estudantil baiano, acusava o policial
militar de ser um dos muitos agentes infiltrados pela ditadura no
campus, estratégia comum naqueles tempos. Diversos estudantes
identificaram o então tenente Brandão como comandante de tropas da PM
que durante manifestações de rua contra o regime liderava com
brutalidade desmedida a repressão aos manifestantes.
À frente de uma equipe
de torturadores, Brandão encontrou Carvalho em um dos porões do
quartel, mas não quis conversa sobre o passado. Assim que o viu,
disparou socos, chutes e xingamentos, tática normalmente usada antes das
sessões de choques elétricos e afogamentos. O PM queria saber se o
estudante conhecia um grupo de militantes do PCBR preso no Paraná pelo
Exército. Quando estava prestes a montar o pau de arara e ligar a
máquina de eletrochoques, o oficial foi interrompido por um soldado.
Dona Yaiá havia passado pelas sentinelas e, resoluta, estava no corredor
em frente ao porão onde o filho era torturado.
Segue o relato de Dona Yaiá, reportado
por José, sobre a premonição naquele fevereiro de 1971: “Soube que o
soldado entrou, cochichou no ouvido de Átila, e ele, irritado, mandou
parar tudo, juntar o pau de arara e o resto, e se retirou. Cessou a
tortura. Quando Renato saiu da sala, eu o abracei, perguntei-lhe se
estava tudo bem, ele disse sim, mas pediu para que avisasse o advogado
Jaime Guimarães. Queriam voltar a torturá-lo. Fiz o que Renato pediu.
Não voltou a ser torturado”.
Brandão nega tudo, apesar das evidências.
Entre elas, o documento número 45/69 da agência baiana do antigo
Serviço Nacional de Informações datado de 13 de outubro de 1969, em que
ele é citado reiteradas vezes como agente da repressão. O nome do ex-PM
está na ficha montada pelo SNI sobre Rosalindo Souza, militante do
PCdoB, morto e desaparecido na Guerrilha do Araguaia, em 1973. Assim
como Carvalho, o guerrilheiro estava entre os estudantes que pediram a
expulsão do policial militar da Faculdade de Direito em 1968.
O pastor reagiu à divulgação do artigo, à
repercussão na Bahia e, claro, às ameaças a suas antigas pretensões
eleitorais. Em 2006, foi candidato ao governo pelo PSC, partido do
deputado Marco Feliciano, de São Paulo, com quem divide as mesmas
opiniões homofóbicas. Em 2012, apoiou ACM Neto à prefeitura de Salvador e
ganhou, como prêmio, a nomeação de um filho, Átila Brandão de Oliveira
Júnior, para o cargo de assessor especial da subchefia de gabinete do
prefeito do DEM. Júnior era diretor da Faculdade Batista Brasileira, um
dos negócios do pai.
Nas ações judiciais,
Brandão acusa o jornalista de “pau mandado” e “papagaio de pirata”.
Para calá-lo, pediu uma indenização de 2 milhões de reais e a retirada
do artigo “A premonição de Yaiá” do site do ex-deputado, com multa
diária de 10 mil reais, no caso de desobediência. Em 13 de maio, a juíza
Marielza Brandão Franco, em decisão liminar, mandou retirar o texto, a
esta altura reproduzido em centenas de sites pela internet, da página de
José e reduziu a multa diária a 200 reais. “Esta é a primeira tentativa
clara de cercear minha liberdade em 35 anos de carreira jornalística”,
lamenta o ex-deputado.
Enquanto aguarda a decisão final do
Tribunal de Justiça sobre as ações, o jornalista coleciona apoios de
entidades de defesa de direitos humanos e reúne novos documentos sobre a
participação do ex-capitão da PM na repressão durante a ditadura.
Brandão deverá ser um dos primeiros convocados pela Comissão Estadual da
Verdade, a ser instalada nos próximos dias, em Salvador, pelo
governador petista Jaques Wagner. Também deverá ser convidado a falar na
Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa, também instalada
recentemente.
Em 25 de abril, em depoimento ao Grupo
Tortura Nunca Mais da Bahia, Carvalho havia confirmado a exatidão do
conteúdo tanto do relato da mãe, Dona Yaiá, quanto do artigo do
ex-deputado. Na terça-feira 21, a CartaCapital o professor afirmou ter
reconhecido o capitão Brandão no instante em que ele entrou na sala onde
o haviam colocado para ser torturado, no quartel dos Dendezeiros. “Ele
também me reconheceu, da Faculdade de Direito, tanto que me chamou de
Renato, e não de ‘Joel’, meu nome de guerra no PCBR.”
No fim do ano passado, em um evento para
empresários evangélicos, Brandão confessou a uma plateia na qual estava o
deputado federal Anthony Garotinho que antes de ser cristão era um
advogado corrupto e corruptor, além de cidadão “pronto para matar
alguém”. Portava sempre uma pistola calibre 45 com dois carregadores
cheios de balas. O pastor não respondeu aos pedidos de entrevista da
revista. Segundo uma secretária da Igreja do Caminho das Árvores, ele
estava em viagem.
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