Se Dilma falou em "padrão-Felipão", Aécio definiu o técnico como "leal", "transparente", elogiando postura de quem coloca "Brasil em primeiro lugar"
A oposição entrou na campanha presidencial com uma questão intrigante: será possível arrancar alguns votinhos de Dilma Rousseff procurando associar a presidenta ao desempenho da Seleção na Copa?
Será que assim seria possível diminuir o prestígio alcançado pelo sucesso do governo na organização da Copa que não ia ter?
A estratégia consiste em lembrar que, há um ano, Dilma disse que seu governo seguia o padrão Felipão. Foi um atalho fácil para responder a quem pedia governo padrão-FIFA. A lembrança é tentadora, salvo por um detalhe: na mesma época, Aécio esgotou um dicionário de adjetivos para falar bem do treinador, que acaba de ser demitido do posto.
A pergunta sobre Dilma atravessou artigos variados no fim de semana. Recém instalada em sua tribuna na Folha de S. Paulo, onde passará os próximos meses da campanha presidencial, a economista tucana Elena Landau acaba de dar sua contribuição ao debate.
Diretora do Banco Central nos tempos de Fernandisdo Henrique Cardoso, Elena Landau lembra
a frase de Dilma. Claro que o Felipão do ano passado não era o de
hoje, que foi demitido no fim da Copa. Era o técnico que venceu a Copa
das Confederações.
Vamos admitir que essa razão não só contribuiu para as palavras da presidente -- mas também para os elogios rasgados de Aécio.
Procurando unir a derrota da
seleção na Copa ao desempenho de um governo que seria mais produtivo
confrontar com ideias e projetos, Elena Landau escreve:
“Nesse momento, é inevitável
lembrar uma frase da presidente Dilma: "Meu governo é padrão Felipão".
De fato. Em tudo se assemelha a ele. Diante de todas as evidências de
que o modelo econômico não está funcionando, o governo insiste na mesma
trajetória e aprofunda os erros. De forma arrogante, a presidente chama
os que dela discordam de pessimistas --"eles"--, enquanto "nós" sabemos o
que é bom para a sociedade. Seu distanciamento da realidade e do
eleitor também lembra a CBF. Isolada em seu castelo, diz que vai tudo
muito bem e nada precisa ser revisto.”
O problema é que, em 8/7/2013
Aécio publicou um artigo -- no mesmo espaço na mesma página no mesmo
dia da semana que a economista agora ocupa -- onde sugeria que Felipão
era técnico era tão bom, tão competente, tão capaz, que a presidente
sequer tinha o direito de comparar qualquer traço de seu governo com
ele. O candidato tucano chegou a sustentar que o técnico tem um padrão
que poderia ser de utildade para a administração pública -- aquela que
está em campanha para assumir nas eleições de outubro.
Olha só o que Aécio escreveu:
“A presidente Dilma
Rousseff cometeu enorme injustiça com o técnico Luiz Felipe Scolari ao
dizer que seu governo tem um "padrão Felipão". Foi uma comparação
infeliz, já que em nada os "times" se assemelham. A primeira grande
diferença é que Felipão convocaria os melhores, e não os mais próximos
ou os mais amigos.
Por tudo que os brasileiros
conhecem dele, sabem que não toleraria qualquer tipo de privilégio.
Transparente como é, seria intransigente com os desvios, a má conduta e a
corrupção. Corajoso, jamais jogaria só para a torcida, evitando
decisões às vezes difíceis e impopulares, mas necessárias.
Onde o treinador está a sua
liderança se estabelece naturalmente pelo respeito e competência. Suas
firmes convicções nunca o impediram de aceitar críticas e reconhecer
erros quando eles ocorrem.”
Descobrindo até insuspeitas virtudes
de caráter políticos do técnico do time que seria vencido por 7 a 1 em
Belo Horizonte e por 3 a 0 em Brasília, Aécio ainda acrescentou:
“(Felipão) Aprendeu a acolher o
sentimento nacional do que se convencionou chamar, simbolicamente, de
pátria de chuteiras, que jamais imaginou dividir em duas. Não ignora o
que gritam as arquibancadas. Sabe, como poucos, canalizar a energia da
massa em favor do seu time para a superação de grandes desafios.”
Não é só. Empolgadíssimo, mais adiante Aécio defende a ideia de que Felipão seria um ótimo exemplo como gestor público. Leiam:
“Se introduzido como paradigma
para administração pública, o padrão Felipão mudaria importantes
prioridades do governo. Logo de início, certamente armaria uma defesa
intransponível contra a inflação.
Seus volantes marcariam a
corrupção sob pressão. A articulação do meio-campo se daria sob o regime
de alta transparência e solidariedade de esforços. No ataque, a
criatividade e o talento brasileiros ganhariam espaço e estímulo para
aplicar goleadas nos nossos verdadeiros inimigos --a desigualdade, a
ignorância, a violência, a injustiça e o baixo crescimento.
Com um padrão Felipão
correríamos dez vezes mais, de forma organizada, perseguindo objetivos
claros. A leniência estaria fadada ao banco de reservas, a incompetência
levaria cartão vermelho assim que entrasse em campo, e o improviso não
provocaria vaias nos estádios lotados.
O estilo Scolari não canta
vitória antes da hora, não permite salto alto e nem desrespeito ao
oponente. Entende adversários como adversários, nunca como inimigos, e é
capaz inclusive de reconhecer méritos neles. É duro, mas leal e
verdadeiro. Sofre cada segundo enquanto seus jogadores se matam em campo
pelo melhor resultado. Quando perde --e às vezes perde--, é o primeiro a
assumir suas responsabilidades. Não a transfere nem terceiriza e sempre
acrescenta algum aprendizado.
Exemplos como o do técnico são
preciosos quando ultrapassam a fronteira do utilitarismo e da
apropriação indevida e incorporam valores como qualidade, espírito de
equipe e convergência em torno de causas comuns. Sem esquecer o mais
importante: o Brasil em primeiro lugar.”
Você lê o texto e fica com a
impressão de que o jeito do " precioso" Felipão, seu estilo, suas
ideias, são uma síntese do programa de governo do PSDB. Vamos examinar
alguns trechos mais de perto. Prioridade no discurso tucano, Felipão
poderia ajudar na luta contra a inflação. Seu estilo --
reconhecidamente autoritário -- não divide o país. Imaginando Felipão na
administração pública, Aécio diz acreditar que ele "mudaria importantes
prioridades do governo."
Com essas palavras, Felipão,
nem é mais um técnico de futebol. Não é elogiado por seu "padrão," seja
lá o que for isso. É um estadista!
O que isso mostra?
Em primeiro lugar, o óbvio: é
sempre bom conhecer o próprio candidato antes de sair por aí criticando
os adversários. Em caso de dificuldade, uma pesquisinha básica no google
ajuda muito. Em segundo lugar, é claro que futebol pode trazer alegrias
e tristezas -- mas é preciso ter muita sabedoria para entender o que
ele tem a ensinar sobre a política -- e vice-versa. Em terceiro lugar:
uma boa campanha eleitoral se faz com ideias -- e não com truques
elementares para confundir os eleitores.
Depois de passar oito anos
criticando as metáforas futebolísticas de Luiz Inácio Lula da Silva, a
oposição tenta o mesmo caminho. Mas há muito para aprender, concorda?
http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/colunista/48_PAULO+MOREIRA+LEITE
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