Chris Martenson |
por *Chris Martenson
Ainda que escrito numa ótica conservadora e individualista, o presente texto confirma o estado de descalabro da economia dos EUA e dos principais países capitalistas desenvolvidos. Ele corrobora o que diferentes analistas e sob diferentes óticas (como Jorge Beinstein, o GEAB, etc) têm afirmado reiteradamente: a crise atual é sistêmica e já inelutável. O atual endividamento e financeirização do mundo é a resposta do capitalismo à sua dificuldade em continuar o processo de acumulação por meio de atividades produtivas. Há que transcender este sistema.
resistir.info
Tudo o que alguém tem a fazer é retroceder dois passos, ignorando inteiramente as querelas orçamentárias sem significado atualmente a decorrer em Washington, para ver que a situação fiscal do governo federal está um pandemônio completo. De fato, tal como as coisas se posicionam em termos de despesas e receitas, o governo dos EUA está insolvente – os seus passivos excedem amplamente os seus ativos com base do valor atualizado líquido.
Sim, Obama acaba de apresentar um plano que apela ao corte de uns US$4 trilhões (trillion), acréscimos incrementais do déficit ao longo dos próximos 12 anos, mas isto meramente obscurece o fato de que, no entanto, o déficit ainda crescerá num montante especialmente vultuoso. Planos de ambos os partidos apelam ao acréscimo de mais dívida, mas a um ritmo mais lento. É verdade, isso é uma espécie de progresso. Mas não o tipo de progresso que você queira ter em casa.
Para qualquer um que seja, mesmo, um estudioso superficial de história ou tenha prestado a mais ligeira atenção do que transpirou quanto à Grécia, Irlanda, Portugal e outros países com uma tendência desenfreada a gastar mais do que tem, é claro qual será a progressão dos acontecimentos para os EUA.
Primeiro haverá uma crise fiscal/de financiamento que terá origem no mercado de títulos, especialmente no mercado de Títulos do Tesouro dos EUA. As taxas de juro dispararão e ou a austeridade será imposta sobre os Estados Unidos de um modo especialmente desagradável e draconiano (o mercado de títulos é especialmente impiedoso), ou será auto-imposto (não muito provável). As minhas estimativas indicam que este processo terá início antes do fim de 2012.
A seguir, se os EUA deixarem de atender aos decretos do mercado de títulos e tentarem manter despesas face à elevação de taxas de juro ou sair da perturbação através da impressão [de moeda], aumentam os riscos de que o US dólar sofra um grande declínio. Digamos que este processo começará um ano após o arranque da crise fiscal.
Assim é e não há alternativa. Uma crise fiscal possivelmente (provavelmente?) seguida por uma crise da divisa – e tudo iniciado por uma crise de liderança.
Quanto tempo se passará para que os mercados acordem para esta progressão simples é, ainda, objeto de conjecturas. Aqui temos de recorrer a uma máxima simples que nos tem servido muito bem: Qualquer coisa que seja insustentável um dia terá de cessar (cair).
No ano passado, os EUA não eram os únicos com agruras fiscais e econômicas.
Este ano, os EUA distinguiram-se por serem a única economia avançada a aumentar o seu déficit de base em 2011, segundo o FMI.
De modo bastante incisivo, recentemente o FMI esteve próximo de uma ruptura ao destacar que os EUA está caminhando na direção errada do ponto de vista fiscal (e por extensão do monetário) e a arriscar-se a uma crise sistêmica por prosseguir um caminho insustentável.
Em 20 de Março, John Lipsky do FMI pronunciou palavras duras (num fórum em Pequim, deve-se notar):
O fardo crescente da dívida dos países mais desenvolvidos do mundo, que se encaminham este ano para o recorde pós II Guerra Mundial, é insustentável e traz o risco de uma futura crise fiscal, disse John Lipsky do Fundo Monetário Internacional.
Este ano a razão médio da dívida pública de países avançados excederá 100 por cento do seu produto interno bruto pela primeira vez desde a guerra, disse hoje Lipsky, primeiro vice-director do FMI, num discurso num fórum em Pequim.
“As consequências fiscais da crise recente devem ser tratadas antes que comecem a impedir a recuperação e criem novos riscos", disse Lipsky. "O desafio central é prevenir uma potencial crise fiscal futuro, enquanto, ao mesmo tempo, criar empregos e apoiar a coesão social".
Estou de pleno acordo com a avaliação de que os EUA estão a acrescentar, não a subtrair, os riscos financeiros e fiscais que enfrentamos. Tais são os “prêmios” de tentar sustentar o insustentável em defesa de um status quo que precisa sair da inatividade, uma curiosidade interessante de um tempo ultrapassado.
Já provamos que há um limite para quanta dívida destrutiva e não produtiva pode ser acumulada, mas os EUA estão agora quase isolados nas suas vãs tentativas de ressuscitar aquele modelo para um último lançamento.
O ASSOMAR DA CRISE DA DÍVIDA
O FMI tem alguns dados firmes para apoiar as suas preocupações e recentemente divulgou um relatório no qual apresentou uma tabela que contém toda a essência da situação difícil de “crescer ou morrer” que confronta não só os EUA como todo o mundo desenvolvido.
Há um certo número de coisas a dissecar na tabela, de modo que vamos considerá-las uma por uma.
A primeira é que as necessidades totais de financiamento para os governos soberanos (apenas) da maior parte das chamadas “economias avançadas” expandiu-se entre 2010 e 2011 de 25,8% do PIB para 27,0% do PIB (círculos verdes). Isto significa que mesmo com a alegada recuperação a vigorar plenamente – uma miragem estatística sob muitos aspectos – o financiamento da dívida terá de crescer mais, não menos.
É tão grande que convém repetir: As necessidades de financiamento bruto dos EUA e do Japão são de 28,8% e 55,8% do PIB de 2011, respectivamente. Trata-se de montantes estarrecedores e eles têm apenas, como seria de prever em qualquer quadro conceitual decente que combinasse liderança franca e dinheiro baseado na dívida com declínio líquido de energia, de tornar-se maiores passados uns poucos anos.
Concentrando um pouco a atenção, notaremos que três países ostentam déficits fiscais além de 10% do PIB (Japão, Estados Unidos e Irlanda), enquanto o Reino Unido estão pouco atrás com um déficit de 8,6% (ver quadrados de cor vermelho e laranja).
Como é que alguém permite tão impressionantes necessidades de tomada de empréstimos a taxas razoáveis sem a promessa explícita de que o crescimento retornará em breve? É impossível, pelo menos por muito tempo. Quem comprará toda aquela dívida a taxas ridiculamente baixas?
Os participantes autônomos do mercado já chegaram a uma conclusão, como evidenciado por Bill Grosse, da PIMCO, e outros, ao venderem todos os seus haveres em Títulos do Tesouro e começarem mesmo a vender a descoberto (to short) toda a porcaria. Eles estão apostando em que a resposta é “apenas os bancos centrais e o seu tempo está acabando”.
Logo a seguir ao relatório que produziu a tabela acima (dentre muitas outras, algumas igualmente perturbadoras) o FMI avançou com uma campanha de Relações Públicas para pressionar:
FMI: Os EUA devem cortar a dívida maciçamente
12/Abril/2011
O Fundo Monetário Internacional incitou os Estados Unidos a esboçarem medidas críveis para reduzir seu déficit orçamentário, pressionando a Casa Branca a pormenorizar planos para reduzir os níveis recorde da dívida.
O FMI disse que enquanto a maior parte das economias avançadas estava dando passos para controlar fossos orçamentários, duas das maiores economias do mundo — Japão e Estados Unidos — atrasaram a ação para cuidar das suas recuperações.
O fato de o FMI ter decidido dizer que falta um guarda-roupa crível ao imperador diz-nos muito acerca de onde estamos na curva desta história (Pista: próximo do fim).
Nossa tarefa é entender como será o fim do jogo.
Conclusão
Os EUA estão num caminho fiscalmente insustentável e desperdiçaram quase totalmente a oportunidade que esta crise representou para por a sua casa em ordem.
Obama, e seja quem for que se sente a seguir no gabinete oval, tem a tarefa imensamente difícil de explicar a pessoas comuns porque o aperto de cinto que está para vir aplica-se a eles e não aos bancos que criaram a confusão (e estão febrilmente a receberem bônus recordes em resultado).
Dado este constrangimento, e a paralisia geral de lógica que agora se apossa de Washington, podemos quase certamente esperar que a resolução do jogo de muitas décadas do kick-the-can [1] será uma crise.
O FMI pronunciou em tom muito medido e seco, se não aborrecido, a recitação dos riscos envolvidos.
Admito alguma afinidade com a sua avaliação, com o risco de deixar minha guarda descoberta, porque eles finalmente conformaram seus pontos de vista ao que venho escrevendo há anos. O dinheiro baseado na dívida está em apuros. Ele é maldito se o tivermos e maldito se não o tivermos.
O único caminho de saída é aceitar a ideia de que os padrões de vida têm de cair para atenderem os excessos anteriores, uma admissão que “peritos” concordam ser politicamente impossível nos EUA neste momento.
Mas as condições e os riscos permanecem, pouco importando o que peritos pensem ser factível.
A tarefa de qualquer mercado em baixa (bear market) primário – e estamos na mãe de todos eles – é destruir riqueza.
Sua tarefa é preservar riqueza. Mas aperte o cinto; vai ser uma cavalgada árdua.
Meu conselho geral para o que vem aí permanece: Converta seu dinheiro fiduciário (fiat money) em coisas úteis. É verdade que o ouro não rende qualquer juro, mas nestes dias tão pouco o faz o dinheiro no banco e o ouro não pode ser desvalorizado pela política monetária temerária. De modo que possuir metais preciosos para a preservação do poder de compra deveria ser uma parte fundamental dos seus planos. E se bem que a curto prazo haja risco real de uma deflação das commodities à medida que o Fed pressiona com a aproximação do fim da facilidade quantitativa (quantitative easing), meu conselho geral é que compre agora qualquer coisa que possa precisar no próximo ano. Isso porque você a utilizará de qualquer forma e é previsível que compre um bocado mais barato do que posteriormente.
Desfrute a vida, ame a sua família e note que o Sol ainda se levanta, que os pássaros ainda cantam e que todas as nossas fraquezas humanas acabarão finalmente por se resolver por si mesmas. Chegamos a um ponto peculiar na história em que a atitude é um elemento tangível da sua futura riqueza e o papel-moeda tornou-se como que um nevoeiro numa manhã cálida.
Faça o que quiser. Meu desejo é que desfrute a vida.
[1] kick-the-can : jogo infantil.
*Chris Martenson é autor de Crash Course .
O original deste artigo encontra-se em: Insolvent and Going Deeper
Esta tradução encontra-se em: Resistir
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