sexta-feira, 22 de abril de 2011
21/4/2011, Marwan Bishara, Al-Jazeera
Marwan Bishara |
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Há quem diga – sobretudo no ocidente – que Israel seria “a única democracia” no Oriente Médio. E assim é, para os cidadãos israelenses judeus. Mas Israel é qualquer coisa, exceto estado democrático, para os povos indígenas daquela região, os árabes palestinos.
A violenta ocupação por Israel não só de terras da Palestina histórica, mas da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, especificamente, pode ser considerada como a mais antiga ditadura no Oriente Médio - Marwan Bishara (Foto Gallo/Getty) |
Desde que começou, no final do século 19, o sionismo pregou a autodeterminação para o povo judeu numa pátria que seria deles. De fato, o que Israel fez foi, direta ou indiretamente, expulsar os palestinos da terra que é propriedade de palestinos, confiscou propriedades, negou aos palestinos o direito de retorno, indiferente a várias resoluções da ONU, e ocupou e colonizou o que restou de terras palestinas já, hoje, por quatro décadas.
Durante todo esse tempo, os serviços militares e de segurança de Israel governaram outro povo, não-judeus, sem que qualquer eleição ou outro processo democrático legitimasse esse poder. Israel oprimiu, torturou, explorou e roubou dos palestinos a terra, a água e, importantíssimo, roubou-lhe também a liberdade de ir e vir. Há mais prisioneiros políticos nas prisões de Israel que em qualquer das prisões das ditaduras da região.
Sempre em processo doentio de negar os próprios vícios, os líderes israelenses esconderam-se na fantasia de uma moralidade que lhes seria exclusiva, maior que qualquer outra em toda a humanidade.
Em hebraico diz-se chutzpah. Pode-se traduzir como audácia desavergonhada, atrevimento despudorado, recurso retórico imoral, para encobrir uma obscenidade; bom exemplo da chutzpah israelense vê-se no que disse Golda Meir, ex-primeira-ministra de Israel, ameaçando árabes: “Podemos perdoar que vocês matem nossos filhos. Mas jamais os perdoaremos por nos obrigar a matar os filhos de vocês.”
A ocupação como ditadura colonialista
Diferente de outros poderes e ditaduras coloniais, para pior, Israel roubou tudo e nada deu em troca. Os prédios construídos nas colônias, as estradas de circulação controlada as zonas industriais que Israel construiu são construídas, todas, exclusivamente para os judeus israelenses.
Israel e suas várias organizações sionistas construíram mais de 600 cidades, vilas e outros tipos de colônias para os judeus. Nenhuma para palestinos – sequer para os palestinos considerados cidadãos de Israel, e que são quase 1/5 da população.
Exatamente como todas as ditaduras, Israel nega que provoque os danos que provoca ao povo contra o qual exerce seu poder. Israel vive em estado de delírio. Para Israel, a ocupação seria benevolente; mais que isso: seria promessa feita por Deus exclusivamente aos judeus.
Nenhuma outra ditadura no Oriente Médio foi mais indiferente e mais destrutiva, nem por tanto tempo, contra os dominados, que a ditadura do regime sionista na Palestina.
Israel nunca hesitou ao usar força excessiva, letal, várias e várias vezes, contra os povos que oprime por ocupação. Os mais recentes crimes de guerra cometidos por Israel estão documentados e detalhados em vários relatórios da ONU, inclusive no Relatório (ex-) Goldstone sobre a guerra 2008/9 contra Gaza, que é fiel ao que foi investigado (mesmo que, agora, o juiz Goldstone tente, pateticamente, retirar sua assinatura do relatório).
Como outras ditaduras, Israel faz alarde dos sacrifícios que faria em nome da paz, demoniza seus críticos e toda a oposição e justifica todos os crimes, em nome da segurança nacional, da manutenção da ordem e da estabilidade.
Por mais que falem em democracia, os israelenses sempre preferiram negociar com autocratas, não só no mundo árabe, mas em todo o Grande Oriente Médio, na Ásia e na África.
Os líderes israelenses defenderam o regime de Mubarak até os últimos momentos, e sabe-se que vários líderes israelenses manifestaram disposição para ajudar Gaddafi.
A ilusão da separação
Apesar da história conjunta de israelenses e palestinos, que já tem mais de 60 anos, todos os governos israelenses e seus apoiadores ainda repetem que Israel seria diferente dos vizinhos; que seria um oásis de democracia num mar de ditaduras e totalitarismos. E, isso, quando Israel vive em guerra eterna contra os palestinos, ocupa terra palestina e, faça o que faça, sempre faz contra o desejo dos palestinos.
Mas, sejam quais forem as motivações e as justificativas para as guerras pós-1948 ou pós-1967, é impossível ignorar a realidade que salta aos olhos. É politicamente e academicamente desonesto, e é contraproducente, falar de palestinos e israelenses como duas paisagens sociais e políticas estanques.
É fútil, para dizer o mínimo, qualquer tentativa de entender a natureza e a evolução política, econômica e social – e até religiosa – do estado israelense, se não se considera a natureza do estado israelense como ditadura colonialista. Na realidade, qualquer tentativa desse tipo induz a erro e é destrutiva.
Pode-se dizer o mesmo, do ponto de vista dos palestinos. A evolução nacional e política dos palestinos, ao longo do século 20 e, mais fortemente, ao longo dos últimos 60 anos, está necessariamente entrelaçada com a história do sionismo e da ditadura israelense.
Hoje, a distância máxima que separa israelenses e palestinos é inferior a 10 quilômetros.
Onde está a revolução palestina?
Não é coincidência, portanto, que a “revolução palestina” tenha emergido depois da guerra de Israel de 1967 e da ocupação subseqüente, quando Israel derrotou os líderes pós-coloniais seus vizinhos e seus respectivos projetos nacionais (o nacionalismo panárabe, o baathismo e outros).
Assim como Israel aliou-se aos poderes imperiais e coloniais do tempo – França, Grã-Bretanha e EUA –, a revolução palestina (como se chamava então o movimento de libertação da Palestina) buscou inspiração nas lutas anticolonialistas, como a luta da FLN da Argélia contra a ditadura colonial francesa.
Mas a polarização que veio com a Guerra Fria, as divisões entre os árabes e os seus próprios erros levaram a “revolução palestina” à desintegração. Com o Processo de Paz Pós-Guerra Fria em 1991, o movimento de libertação da Palestina foi finalmente reduzido a procurar qualquer acomodação com o colonialismo israelense.
O processo de paz domesticou o movimento de libertação da Palestina, domesticação que logo levou a divisões, que levaram ao conflito armado entre os próprios palestinos, entre grupos islamistas, reunidos no Hamás, e grupos seculares, reunidos no Fatah.
Separados por centenas de postos de controle, muros ‘de segurança’ e cercas, e policiados por forças treinadas por britânicos e norte-americanos, os palestinos vivem hoje sob múltiplas camadas e níveis de ditadura militar e estado policial.
E infelizmente nem a Faixa de Gaza, controlada pelo Hamas e sob eterna agressão militar de Israel, parece ser muito diferente disso.
Em vez de prosseguir em sua luta para libertar-se da ditadura colonial de Israel, o ‘movimento de Libertação da Palestina’ e seus líderes da Cisjordânia estão sufocando o ímpeto dos palestinos para que se unam à grande revolução árabe de 2011 – e se manifestem na direção de derrubar o regime opressor (nesse caso, colonial) de Israel.
Por duas décadas, os líderes da OLP recorrem a Washington suplicando salvação, e quando já ninguém consegue iludir-se com qualquer salvação que venha de lá, os mesmos líderes decidem, então, suplicar à ONU que reconheça um estado palestino.
No próximo mês de setembro, os líderes da OLP-Fatah descobrirão que o resultado de suas súplicas será, no máximo, um estado que só existirá no papel; e que, para criar um verdadeiro estado, terão de continuar suplicando, dessa vez diplomaticamente e, como sempre, a Israel. E tudo isso supondo-se que Washington não vete qualquer resolução nesse sentido.
Fato é que, apesar de todas essas acrobacias diplomáticas, ainda é possível construir alguma paz negociada entre palestinos e israelenses sob um só estado, ou com dois estados independentes demarcados pelas fronteiras de 1967.
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