Por Heloisa Villela, de Washington
“Transformados em alvo e emboscados” é o título do estudo que tem, na capa, a foto de Lejla Duka, hoje com 13 anos, segurando o retrato do pai, Dritan Duka.
O Centro de Direitos Humanos e Justiça Global da Escola de Direito da Universidade de Nova York analisou os autos dos processos de acusados de terrorismo doméstico.
E explica: “Desde os eventos de 11 de Setembro de 2001, o governo dos Estados Unidos tem mirado nos muçulmanos, mandando informantes sem preparo às mesquitas e comunidades muçulmanas do país. Essa prática levou ao julgamento de mais de 200 indivíduos em casos relacionados a terrorismo”.
Para a imprensa americana, eles são “Os Cinco do Forte Dix”, “Os Sete da Carolina do Norte”, e por aí vai. O primeiro caso é dos que a Escola de Direito estudou a fundo. São três irmãos e dois amigos deles. Todos acusados de aspirantes a terroristas. Os irmãos Eljvir, Dritan e Shain Duka entraram na mira do FBI quando foram a uma loja da cadeia Circuit City fazer cópias, em DVD, do vídeo das férias para dar aos amigos.
Em janeiro de 2006 eles alugaram uma casa em Poconos, a serra da região de Nova York-Nova Jersey, com um grupo de amigos. Lá, eles andaram a cavalo na neve e foram a um desses locais de tiro que os americanos adoram. Vestindo calça de camuflagem, eles faziam poses, riam e atiravam nos alvos. Entre um tiro e outro, às vezes se ouve na gravação alguém gritar Allah Akbar – Deus é grande em árabe.
Homens barbudos, dando tiros, vestindo calça de camuflagem e brincando… O funcionário da loja onde eles fizeram a cópia do vídeo achou tudo muito suspeito e ligou para a polícia. Foi assim que começou o inferno na vida da família Duka. Dois informantes pagos pelo FBI passaram a frequentar a casa. Fizeram amizade com a família e tentaram, de todo jeito, arrancar declarações raivosas dos Duka a respeito dos americanos. Eles incitavam, mostravam fotos da guerra no Iraque e no Afeganistão. Nada adiantou. Os Duka se diziam terminantemente contra a violência. Durante mais de um ano os informantes gravaram as conversas.
Um dos informantes levou um dos amigos dos Duka, que estava nas férias de Poconos, para passear de carro. Passou diante do Forte Dix. Fez imagens usadas, no tribunal, como prova de que eles estavam estudando o alvo do ataque. Um dos informantes conseguiu convencer os dois irmãos mais velhos da família Duka a comprar armas com um conhecido dele. “É tudo dentro da lei”, dizia o informante. Com armas próprias, nas próximas férias eles não precisariam esperar na fila do centro de tiros.
Armadilha pronta. No dia em que eles foram ao vendedor de armas, agentes do FBI estavam esperando…
Quando os filhos foram presos, seu Ferik Duka também passou onze dias na cadeia. Falou desaforos para os policiais. Revoltado, disse que já tinha enfrentado esse jogo sujo no regime comunista da Albânia.
“Querem que eu confesse uma mentira? Podem cortar a minha cabeça”. Seu Ferik diz que agora é a vez dos muçulmanos. “Os judeus já passaram por isso”. Dona Zurata se lembra bem do dia em que o promotor público, encarregado das acusações contra os filhos dela, entrou na casa da família com policiais em busca de armas que nunca encontrou.
“Sabe quem era o promotor?”, me pergunta. Christopher Christie, hoje governador do estado de Nova Jersey.
Em maio de 2007, quando anunciou a prisão dos “Cinco do Forte Dix”, o então promotor Christie disse que o caso seria um modelo para a era pós-11 de Setembro. E com certeza é. Exemplo do que hoje se chama prisão preventiva, ou acusação preventiva. Botar alguém atrás das grades porque o suspeito pode um dia vir a pensar em cometer algum ato terrorista. É a filosofia dos ataques preventivos, da era Bush, dando filhote na justiça.
Mas vamos ao informante principal do caso: Mahmoud Omar foi preso em 2001 e confessou a fraude bancária na qual estava envolvido. Passou seis meses na cadeia. Em 2002, declarou falência pessoal. Em 2004 foi preso novamente por conta de uma briga com o vizinho. Em 2006, o governo tentou deportá-lo, pela segunda vez, para o Egito, onde ele nasceu. Mas Omar evitou a deportação e se tornou informante pago do FBI.
No testemunho que deu no tribunal, durante o julgamento dos irmãos Duka, Omar disse que eles não faziam ideia dos planos que ele estava discutindo com o amigo dos rapazes nem da visita ao Forte Dix.
Nas fitas gravadas, que o juiz e os jurados ouviram, eles rejeitam todas as provocações de Omar para que falassem positivamente da jihad – termo que o Ocidente associou a guerra santa mas que tem outras traduções possíveis.
Em um dos trechos de conversa, Eljvir Duka afirma que um ataque seria proibido pela religião e que os soldados, nos Estados Unidos, não tinham feito nada que merecesse uma agressão dessas. Depois de oito semanas de julgamento, o veredito: os três irmãos foram condenados à prisão perpétua e estão em um presídio de segurança máxima. E o irmão mais novo, Burim, que na época tinha 15 anos, diz que é constantemente seguido por agentes do FBI, que estão sempre de prontidão na rua em que ele mora.
A Universidade de Nova York (NYU) também estudou o caso de David Williams, um menino pobre do Brooklyn. Ele passou cinco anos na cadeia porque foi pego vendendo drogas. Saiu aos 24, em 2007.
Dois anos mais tarde, surgiu a oportunidade de fazer dinheiro fácil. Um conhecido chamado James Cromitie disse que precisava de alguém para trabalhar como olheiro em uma operação. O informante do FBI, Shahed Hussain, tinha convencido Cromitie a colocar bombas em uma sinagoga. Não era o primeiro plano de ataque que Shahed fabricava para tentar convencer muçulmanos a participar.
Em troca de dinheiro, David topou ser olheiro do atentado. Para tornar a trama ainda mais interessante, o informante do FBI levou os rapazes a Connecticut para ver um míssil que seria usado no atentado.
Nenhum dos suspeitos fez os planos ou tinha dinheiro para comprar armas. Mas foram todos presos, acusados de terrorismo. David foi condenado a 25 anos de prisão. Ficará preso até os 53.
O estudo da NYU acusa o governo americano de discriminação e desrespeito a direitos humanos e recomenda:
– investigação de todos os casos de terrorismo que usaram informantes, a partir de 11 de setembro, para examinar como eles agiram, que tipo de informação levantaram e se foram eles que instigaram os acusados;
– a substituição das regras de conduta do FBI adotadas pelos procuradores-gerais da Justiça Ashcroft (2002), Gonzales (2006) e Mukasey (2008);
– aprovação, no Congresso, do Ato End Racial Profiling, uma lei federal para proibir que a discriminação oriente a ação da polícia e do FBI;
– audiências no Congresso para investigar o impacto das políticas antiterroristas nas comunidades muçulmanas, árabes, do sul da Ásia e do Oriente Médio radicadas nos Estados Unidos.
O jornalista americano Trevor Aaronson passou um ano inteiro investigando as acusações de terrorismo nos Estados Unidos. Segundo o Departamento de Justiça, são 508 casos.
Em cerca de metade deles, diz Aaronson, na edição de setembro-outubro da revista Mother Jones, foram usados informantes pagos ou que tiveram pena reduzida, ou eliminada, em troca do serviço.
As operações envolvendo agentes infiltrados resultaram no julgamento de 158 pessoas. Deste total, 49 participaram em planos liderados por um agente provocador – um agente do FBI que instigou a ação.
Segundo Trevor Aaronson, todos os casos famosos de terrorismo doméstico da última década surgiram, na verdade, em operações criadas ou incentivadas pelo FBI, com exceção de três: Najibullah Zazi (tentou colocar uma bomba no metrô de Nova York), Hesham Mohamed Hadayet (egípcio que deu tiros no balcão da companhia aérea El-Al no aeroporto de Los Angeles) e Faisal Shahzda (tentou detonar um carro com explosivos no Times Square).
Em 1975, um comitê do Senado descobriu que o FBI tinha 1.500 informantes. Em 1980, já eram 2.800.
Segundo o Los Angeles Times, o investimento na guerra contra as drogas elevou o número de informantes para 6.000 em 1986. Agora, segundo o jornalista, seriam 15.000. Essa gente toda, gastando o dinheiro do governo, precisa mostrar serviço.
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