publicado, originalmente, em 5 de setembro de 2011 às 01:51 hs
Por Eduardo Guimarães
Em primeiro lugar, quero deixar bem claro que levo muito a sério o que direi neste texto algo longo que até tentei adiar, mas que não pude postergar diante da questão crucial e grave de que trata. Se você, leitor habitual desta página, já conseguiu ver qualquer valor nas análises que aqui são publicadas, sugiro que respire fundo e me conceda a atenção mais integral que já dispensou a algo que escrevi.
Não farei suspense sobre o assunto. Uma primeira reação declarada da mídia antipetista (acima de tudo) que sucedeu a divulgação do documento final do 4º Congresso Nacional do PT na noite de domingo me obriga a dizer que tal manifestação contém ameaça explícita e intolerável de tentativa de golpe contra o governo Dilma caso envie ao Congresso Nacional um projeto de marco regulatório amplo para a Comunicação no Brasil.
Mas não é só. Pelo tom da ameaça, as retaliações subentendidas poderão ocorrer até mesmo se, conforme o documento final do Congresso do PT, o partido realmente propuser às Casas Legislativas da nação um projeto de lei sobre tema que os barões da mídia não aceitam sequer discutir, ou seja, que tenham que respeitar regras e, mais do que isso, desfazerem-se de parte de seus impérios no âmbito de um veto legal à propriedade cruzada de meios de comunicação.
O veto legal à propriedade cruzada, para simplificar, significaria que as Organizações Globo, por exemplo, não poderiam mais ter jornal, revista, rádio, televisão e portal de internet nas mesmas regiões; o Grupo Folha, não poderia ter jornal e portal de internet do porte da Folha e do UOL; o Grupo Estado, não mais poderia deter uma grande rádio, um grande jornal e um grande portal de internet; e a Editora Abril, teria que escolher, sempre exemplificando, entre suas publicações impressas e seu portal de internet.
Em países como os Estados Unidos é normal que o Estado obrigue grupos empresariais a se desfazerem de parte de suas empresas quando estas ameaçam constituir monopólio ou oligopólio. No Brasil mesmo, isso também acontece. Mas aqui, à diferença de lá, o Estado impedir concentração de mercado jamais incluiu a Comunicação, pois esta sempre foi gerida pela direita que governou este país entre 1964 e 2002, em sua última investida.
Durante esses mais de quarenta anos, esses impérios de comunicação se consolidaram e conseguiram se tornar nem um quarto Poder, mas o primeiro. Adquiriram meios de chantagear a classe política com seus instrumentos de calar ou dar voz a quem bem entendessem e, por isso, jamais tiveram seus monopólios e oligopólios contestados.
Quando ameaçam, portanto, mesmo sendo por um de seus tentáculos menores – mas que serve de amostra do todo que integra –, por conta do que a história nos mostra me vejo obrigado a levar muito a sério e, assim, a vir a público dizer que não duvido de que nesse discurso que abordarei, forjado para repelir a decisão autônoma e constitucional tomada pelo PT em seu Congresso de propor regulamentação da comunicação, há uma clara ameaça às instituições brasileiras.
A gravidade desse texto decorre de sua origem. Foi escrito por alguém que tem servido de voz oficiosa a um dos quatro grandes tentáculos da imprensa golpista que já produziu um golpe de Estado neste país e que vive defendendo aqueles que durante vinte anos subjugaram a nação através dos métodos que todos conhecem.
Reinaldo Azevedo publica, na noite de domingo, um texto furioso ameaçando claramente o maior partido político do Brasil, uma estrutura partidária gigantesca com cerca de um milhão de filiados, detentora de dezenas e dezenas de milhões de votos em todos os níveis eletivos e que governa o país sob a aprovação efusiva da maioria absoluta e incontestável dos brasileiros há quase nove anos ininterruptos.
Não preocupam as inversões dos fatos, as meias verdades e as mentiras inteiras que esse homem escreveu, mas as ameaças que, na condição de uma célula cerebral da direita midiática que submeteu este país à ditadura militar, e em consonância com outros fatos que serão abordados, sugerem que os interesses comerciais, financeiros e políticos que seriam feridos com uma lei da mídia similar às que vigem nos países mais desenvolvidos deixariam os que se sentiriam prejudicados dispostos a tudo para impedir que isso ocorra.
É sempre penoso ler uma simples frase desse homem, dessa caricatura de si mesmo que ele construiu para fazer jus às recompensas do patrão pela fúria teleguiada que despeja diariamente em sua página hospedada no portal da revista Veja na internet. Todavia, não há remédio. Teremos que mergulhar no esgoto.
Afinal, Azevedo não diz um A sem autorização do patrão e este não deixa dizer se o que tiver que ser dito não for discutido antes com o resto desse organismo midiático, militar, empresarial e político que tem antecedentes bem conhecidos neste país. Quem viu a foto do José Dirceu demoníaco que ilustrou boa parte do noticiário do fim de semana sobre o 4º Congresso do PT, não tem dúvida disso. Publicaram em uníssono aquela manipulação vergonhosa.
Reproduzo a seguir, portanto, parágrafo por parágrafo dessa peça alucinada, tecendo comentários do blog logo após cada um deles. Peço que tenham paciência até chegarem ao ponto do texto que considero grave e sobre o qual acredito que o PT deve pedir explicações públicas.
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04/09/2011
Os fascistas saem da toca!
Reinaldo Azevedo
É sob pressão que pessoas, partidos e até instituições revelam a sua real natureza. Os cemitérios tendem a ser iguais nas ditaduras e nas democracias. A grande diferença se dá mesmo no mundo dos vivos. O 4º Congresso do PT, que começou ontem e termina hoje, está prestando um grande serviço ao país e à política. Os petistas revelam que não aprenderam nada nem esqueceram nada depois de nove anos de poder. Continuam os autoritários de sempre, decididos a substituir a sociedade pelo partido, conforme seu projeto original. Quem presta um pouco de atenção à história das idéias não está surpreso.
A que autoritarismo de petistas esse homem se refere? Lula apanhou da imprensa a cada dia de seu mandato a partir de 2005 depois de apanhar de 1989 a 2002, quando era oposição. Mesmo tendo chegado ao poder, não houve reação a insultos, ridicularizações, desqualificações de toda sorte. Ele e seu partido são chamados há anos de criminosos impunemente, sem qualquer comprovação de nada, com base apenas na retórica dos adversários político-partidários e midiáticos.
O petismo é um descendente do bolchevismo no que concerne à organização da sociedade, entendendo que a nação deva ser conduzida por um ente que decide em lugar dos cidadãos, porém adaptado — e como! — aos tempos modernos. Para o modelo, que ainda está em construção, pouco importa se os petistas estão ou não oficialmente no poder: eles sempre estarão por intermédio dos fundos de pensão, dos sindicatos, do aparelhamento das estatais. O petismo é um fascismo de esquerda.
O “petismo”, segundo esse indivíduo, é um mal a ser erradicado, uma organização criminosa. E a quem ele representa, quando diz isso? A ele mesmo e àqueles que lhe pagam os salários, e mais meia dúzia de barões da mídia e políticos que vêm perdendo eleição após eleição para “o petismo”. Provavelmente porque ninguém são, neste país, considera o PT uma doença, para ser chamado de “petismo” – o sufixo do substantivo indica anomalia doentia.
No que concerne à ordem econômica, tudo vai muito bem para os companheiros, até porque têm como seu principal aliado o capital financeiro, que não quer saber a cor dos gatos desde que eles cacem ratos. O curioso embate que se dá no Brasil é entre a esquerda financeira, financista e rentista, com a qual os petistas compuseram, e a direita assalariada, que trabalha. Chamo de “direita” aqui, para deixar claro, as pessoas que ainda se ocupam de alguns dos velhos (!) e bons fundamentos das sociedades liberais: liberdade individual, igualdade perante a lei, incentivo ao empreendedorismo, estado enxuto, tudo o que parece hoje fora de moda. Os petistas não querem mexer no “sistema”. Ao contrário: pretendem reforçá-lo por meio, por exemplo, de uma reforma política estúpida, que extrema todos os males do modelo vigente.
De onde ele tirou que a direita é “assalariada” e o PT é “financista e rentista”? Basta ver os setores que mais votam nos partidos preferidos e defendidos pelo blogueiro da Veja – que dispensam apresentações – e os que votam no Partido dos Trabalhadores. A tese saiu da cachola do cara, portanto. Quem tiver dúvida sobre o assunto, basta consultar as pesquisas de opinião estratificadas para saber quem é o eleitorado primordial de quem, apesar de que a imprensa vive confirmando o que digo de forma a tachar o eleitorado do PT de “inculto”, “desinformado” e, portanto, “pobre”.
Só uma coisa incomoda o PT: o regime de liberdades públicas que se respira no país. Isso eles não podem suportar. Então um partido ganha uma eleição — ou três… ou dez —, e ainda há gente na imprensa que se atreve a criticá-lo, que não concorda com suas ilegalidades, que resiste às suas tentações e práticas totalitárias, que não se submete a seus desejos e Vontades? “Mas a gente não conquistou nas urnas o direito de fazer o que bem entende?”, eles se perguntam espantados. E a resposta, evidentemente, é “Não!” Eles conquistaram nas urnas A OBRIGAÇÃO de seguir as regras do estado de direito, de se submeter à lei, de nos servir por intermédio de um mandato, que pode ser revogado numa nova eleição ou mesmo num processo de impedimento.
Ahá! Impedimento, é? Um impeachment de Dilma, suponho… Sob que motivo? É uma ameaça. Azevedo propõe impedir Dilma se ela enviar ao Congresso um projeto de lei que obrigue seu patrão a se desfazer de parte de seu império, por exemplo. Mas como isso seria feito? Afinal, se o projeto for enviado seria legal, obviamente. E quem decidiria sobre ele seria o Congresso. Como propor o impeachment de uma presidente por enviar uma medida inquestionavelmente legal ao Legislativo para que sobre ela delibere?
O delirante blogueiro da Veja afirma que o PT não quer a democracia, apesar de reconhecer que ganha eleições sem uma única evidência de um único ato do partido que afronte a democracia ou qualquer tipo de liberdade individual. E ainda atribui “ilegalidades” ao partido. Que ilegalidade o PT cometeu, enquanto instituição? Quer dizer que quando petistas são acusados de corrupção a culpa é do partido, mas quando tucanos como Eduardo Azeredo ou demos como José Roberto Arruda são acusados, aí a culpa é das pessoas e não das instituições?
Com a reportagem que revelou as lambanças de José Dirceu em Brasília, VEJA denunciou mais do que as lambanças do “consultor de empresas privadas” — poderoso chefão de um “governo paralelo” e sua mímica asquerosa de chefe de máfia —; a revista denunciou um método. E os petistas estão infelizes. Em outros tempos, eles mandariam empastelar a publicação, fariam quebra-quebra, perseguiriam os profissionais, exigiriam a demissão desse ou daquele, lotariam os porões do regime com essa gente recalcitrante… Hoje eles se civilizaram; pretendem perseguir seus desafetos por meio de instrumentos legais.
Os petistas lotariam os porões do regime com seus adversários?!! Que regime os petistas já implantaram no Brasil que tivesse “porões” e que cometesse violências de qualquer sorte? Quem tinha porões eram os militares que integraram a ditadura e os quais Azevedo vive exaltando e defendendo, e aos quais serve, frequentemente, de porta-voz ao repudiar propostas como a da Comissão da Verdade. Está tudo lá no blog dele. Não é preciso acreditar em mim.
O texto do PT que volta a pregar o controle da “mídia” expõe como nunca a natureza do jogo. Eles até se mostravam dispostos a condescender com a democracia desde que nós não fizéssemos uso efetivo dela. Era como se dissessem: “Nós garantimos a sua liberdade, mas a condição é que não nos incomodem”. Tanto é assim que, não faz tempo, a Executiva Nacional do partido aprovou um documento em que abandonava essa estupidez. Mudou radicalmente de idéia. VEJA decidiu demonstrar que liberdade de imprensa não é uma licença que se pede no cartório partidário, mas um direito garantido pela Constituição, um fundamento das sociedades livres. Nos limites da lei, não pede licença nem pede desculpas.
Azevedo considera que é liberdade de imprensa mandar um garoto recém-saído da faculdade de jornalismo tentar invadir o quarto de um adversário político em um hotel e ali colocar escutas ou câmeras sem autorização da Justiça e em flagrante violação do código penal, o que fez as polícias civil e federal aceitarem a denúncia contra ele? Acho que não…
Aí não dá! Figurões do partido como Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência, e Ideli Salvatti, ministra das Relações Institucionais, defenderam ontem a “regulamentação da mídia”. Não custa notar que, durante a campanha — e mesmo depois de eleita —, Dilma Rousseff repudiou qualquer forma de controle. Ministros exercem cargos de confiança e falam pela presidente. Chegou a hora de enquadrá-los ou de confessar um estelionato.
Esse homem não joga palavras fora. Sabe muito bem o que escreve. Como é que ele sugere “enquadrar” os ministros? Posso pensar em várias hipóteses, vindo essa conversa de alguém que vive tomando partido de chefes militares que defendem a ditadura militar. E como seria estelionato se a proposta de regulamentar a Comunicação é bandeira antiga do PT?
Os fascistas de esquerda descobriram o gosto pelo capitalismo, mas não viram graça nenhuma na liberdade, que será sempre a liberdade de quem discorda de nós. Mas vão perder.
Será que ele quer dizer que os petistas perderão nas urnas ou está pensando em derrotá-los de outra forma, já que através de eleições os políticos que apóia não têm conseguido?
É crescente o número das pessoas que lhes dizem: “Não, vocês não podem. Não podem porque estamos aqui”.
Crescente? Onde está esse dado? Em que pesquisa? Por que método ele chegou a essa conclusão? E quem são “eles”? A quem ele representa, para falar na primeira pessoa do plural? Dirá que o leitorado do seu blog ou o da Veja irão impedir “o petismo”?
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Você acha que Azevedo é um bobão, um boquirroto que escreve coisas assim só por estar de cabeça quente? Esqueça. O que ele escreve são recados. São ameaças. E o PT não pode aceitar que tais palavras sejam ditas assim, sem explicação. Até porque, esse sujeito não as diria sem o seu patrão aprovar e este não aprovaria se os seus bons companheiros que consigo controlam a Comunicação no Brasil não estivessem de acordo.
Espero que me levem a sério. Tudo isso se coaduna com propostas de manifestações públicas “contra a corrupção” que nada mais são do que uma reedição do Cansei que pode vir vitaminada por sindicatos e até participantes pagos. Essas manifestações se somarão ao noticiário que derrama relatos de “corrupção” no governo Dilma todos os dias. No domingo, por exemplo, a Folha publicou um caderno só sobre corrupção onde o PSDB não figura e o PT aparece em destaque.
A campanha moralista que serviria para retaliar uma proposta que faça os barões da mídia perderem dinheiro e poder vem aí e não me surpreenderia se os militares boquirrotos que vivem insultando Lula, Dilma e o PT não estivessem dispostos a pôr as caras para fora da caserna “em defesa da liberdade e contra a corrupção do petismo”. Anotem, pois, o que digo, petistas. Quem avisa amigo é.
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