segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Terror Midiático



No tal “mercado” existem dois personagens distintos: os economistas, que fazem apostas com cenários; e os tesoureiros, que fazem apostas com dinheiro. Os primeiros trabalham em um mundo imaginário, que pode ou não coincidir com o real; os segundos, com o mundo real, onde cada aposta errada significa perda direta.
Há dias os tesoureiros apostavam na queda das taxas de juros. Esse quadro era nítido nas últimas semanas com as quedas das taxas nos mercados futuros de juros. Esse movimento tornou-se mais forte depois da redução de meio ponto na Selic.
O terrorismo do mercado contra o BC não se prende a esse meio ponto de redução. É manobra preventiva, para evitar os cortes maiores que estão no horizonte. Uma vez perguntei a um desses economistas qual a razão de um tremendo barulho que havia feito em relação a uma decisão tímida do BC. Ele explicou: a porta começa a fecha e pode bater no meu dedo; antes de bater saio gritando.
Vamos à análise de algumas matérias que saíram hoje nos jornais, para identificar como se dá esse jogo terrorista.


Ex-presidente do BC, Gustavo Loyolla – no Estadão – aposta que a credibilidade do BC está em xeque (clique aqui). No início de 1995, houve uma corrida contra o real. O então presidente do BC Pérsio Arida chutou as taxas de juros para 45% ao ano. Em qualquer país civilizado, havendo corrida contra a moeda, elevam-se as taxas de juros. Passada a corrida, reduzem-se imediatamente para evitar impactos na dívida pública.
Pérsio caiu do BC e foi substituído por Loyola. A  partir daí a queda foi lentíssima e gradual sustentada em algumas declarações de senso comum que envergonhariam qualquer economista acadêmico sério: não poderia derrubar mais rapidamente os juros porque se tivesse que subir novamente pegaria mal, mostraria indecisão. Então a lógica seria subir de elevador e descer de escadas – imagem que usava no período. Quebrou o Estado brasileiro. O mal que causou as contas públicas emperrou quinze anos de crescimento do país. E esse bordão foi aceito acriticamente pela mídia (com algumas notáveis exceções) por refletia o senso comum criado para sustentar a excrescência dos juros altos. Loyola, aliás, gostava de se denominar de "jurista" - defensor dos juros altos em qualquer circunstância.
Não ficou nisso. Mais à frente, no seu trabalho de consultor, participamos juntos de um conjunto de palestras em Federações de Indústria de todo o país. Era outubro de 1998. O Brasil já tinha feito o acordo com o FMI e, mesmo assim, os dólares estavam em fuga do país. Em cada uma dessas palestras, Loyolla apresentava uma miríade de números e estatísticas (sem nenhuma correlação entre si) para dar ares científicos às suas conclusões. No final, era taxativo: "de acordo com nossas análises (da Tendências) no ano que vem o real irá se desvalorizar no máximo 6%".  Jogava com a vida de centenas de empresas representadas pelos empresários presentes.
Obrigava-me a um exercício danado para anular o conselho mortal. Abria minha palestra elogiando  o "brilhantismo" de Loyolla mas lembrava os empresários que era apenas uma opinião, que muitos outros analistas – entre os quais me incluía – apostavam que o câmbio não resistiria seis meses. Explodiu três meses depois. Uma semana antes da explosão do câmbio, Loyolla garantia na Globonews que não haveria mudanças cambiais. Os dois pequenos bancos que quebraram na virada do câmbio - um  dos quais era o Marka - eram seus clientes.
Pergunto: qual o currículo para se outorgar o papel de juiz da credibilidade do BC?

Só o futuro...


Daqui a algumas décadas, quando se voltar os olhos para esse fim de ciclo financista, o escândalo que armaram com a decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) de baixar em meio ponto a taxa Selic será um dos pontos centrais do anedotário malicioso nacional. O país tem disparado a mais alta taxa de juros do planeta – 12,5% ao ano. O Copom decidiu reduzi-la em meio (0,5!) ponto. Permaneceu uma taxa imensa, de 12% ao ano, contra praticamente zero dos Bancos Centrais de países avançados.
e o mundo iria acabar. O estardalhaço foi inacreditável. Economistas ouvidos meia hora depois já ensaiavam o muro das lamentações, sustentando que a decisão marcava o fim da autonomia do Banco Central.  Comentaristas que dias atrás admitiam que o câmbio estava excessivamente apreciado, e que os juros poderiam ser baixados, de repente revisaram suas opiniões e dispararam a metralhadora vesga contra a decisão.
E todos absolutamente incapazes de traçar correlação mais sofisticadas sobre os efeitos da crise internacional na economia brasileira – inclusive para rebater os argumentos do BC.
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Depois de anos e anos de cantilena mercadista, depois do fracasso mundial do modelo de desregulamentação do mercado, das reações universais contra essa visão estreita de mercado, depois dos inúmeros levantamentos sobre a forma de atuação do lobby financeiro, o mise-en-scène desses atores serve apenas como material didático, para comprovar como a economia – pelo menos na discussão pública – é apenas uma ferramenta visando legitimar interesses de grupos específicos, através de um linguajar pretensamente técnico.
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Quando se critica essa visão financista, não se pense no sistema bancário, os fundos de investimento em geral. Trata-se de um segmento restrito de rentistas que só sabem viver das benesses dos juros altos e do câmbio baixo.
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O mercado financeiro e de capitais são peças relevantes para o desenvolvimento do país. E ambos ficaram por anos atrofiados pela política de juros altos.
Bancos comerciais têm a importante tarefa de emprestar dinheiro. Quanto maior a taxa de juros, menos útil será sua função de emprestar. Não se empresta a longo prazo e se restringe a financiamento ao consumo e ao crédito consignado.
Já o mercado de capitais é fundamental para reciclar a poupança, aplicar em novos setores que surgem, em infraestrutura, na reestruturação da economia. Mas com taxas de juros elevados, a poupança se concentra no financiamento da dívida pública e se torna preguiçosa, mesquinha, ilegítima.
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No curto período em que a taxa Selic caiu abaixo de dois dígitos, houve um frenesi em muitos gestores de fundos, pela brecha que se abrir para que o capital privado migrasse dos títulos públicos para outras formas de aplicação, inclusive em investimentos de risco em infraestrutura.
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Os pretensos porta-vozes mercadistas não representam o lado mais dinâmico e moderno do mercado. Representam apenas o lado viciado do rentista, do sujeito que aprendeu a viver de juros e não tem ânimo sequer para correr riscos em atividades mais úteis.

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