domingo, 23 de outubro de 2011

Acordes diferentes



Madeiras usadas na fabricação de instrumentos musicais estão ameaçadas de extinção. Mudança de matéria-prima altera o som

Paula Rocha
Assista à entrevista com Murilo Luthier e saiba mais:
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ILEGAL
Fábrica da Gibson, onde fiscais apreenderam ébano importado da Índia
Preferidas por guitarristas consagrados como BB King e Jimmy Page, este da banda Led Zeppelin, as guitarras da marca americana Gibson são sinônimo de tradição e qualidade entre músicos do mundo todo. Tal notoriedade, porém, ficou em segundo plano desde que a empresa se envolveu em uma polêmica com o governo dos Estados Unidos e ambientalistas. Um carregamento de ébano proveniente da Índia, que seria usado para a fabricação de pelo menos dez mil guitarras Gibson, foi confiscado por agentes federais sob a acusação de importação ilegal. Segundo as autoridades, a madeira se encontrava em estado bruto, sem acabamento, condição que impediria a saída de seu país de origem. O mesmo argumento foi usado pelo governo americano em outra apreensão realizada na fábrica da Gibson em 2009, quando agentes armados recolheram ébano originário de Madagascar. O episódio levou a empresa a suspender a importação de madeiras da ilha africana. Agora, além do alegado prejuízo de US$ 1 milhão, a Gibson terá de lidar com outro problema: a falta de matérias-primas de qualidade para a fabricação de seus instrumentos musicais. 

Usadas durante décadas pela indústria moveleira, madeiras nobres como jacarandá-da-bahia, ébano e mogno, consideradas as melhores para a confecção de instrumentos musicais, estão ameaçadas de extinção. No Brasil, o corte e a exportação do jacarandá estão proibidos. Já a exploração do mogno só pode ser realizada sob licença da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção (CITES), o que torna o produto cada vez mais raro e caro. “Estamos vivendo agora a consequência de anos de mau uso dessas madeiras”, diz o paulistano Murilo Ferreira, conhecido como Murilo Luthier. Responsável pela confecção das guitarras de músicos como Tom Zé e Andréas Kisser, o artesão reconhece que a crescente escassez de madeiras de qualidade pode significar o fim do timbre musical como o conhecemos hoje. “A indústria já está tendo de recorrer a outros materiais, naturais ou sintéticos, mas que não têm as mesmas propriedades acústicas do mogno ou jacarandá.”
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INCOMPARÁVEL
Som do violino Stradivarius é resultado da densidade de sua madeira
Para entender a importância da madeira na composição tonal de um instrumento musical, pesquisadores holandeses analisaram o material utilizado na fabricação dos famosos violinos Stradivarius, aclamados como os melhores do mundo. De acordo com os estudiosos, a qualidade incomparável do som extraído de um Stradivarius se deve à densidade do abeto e do ácer, duas árvores semelhantes a pinheiros, usadas em sua confecção. No início do século XVI, período de fabricação dos violinos, houve uma temporada de frio intenso na Europa, o que fez com que as árvores crescessem mais lentamente, sendo submetidas a menos variações de temperatura, e isso explicaria a densidade homogênea da matéria-prima. No caso das guitarras, além do mogno e do jacarandá, outras árvores com densidade apreciada por músicos e luthiers são o cedro-vermelho e a imbuia, mas ambas também constam na lista brasileira de espécies ameaçadas de extinção.

Até agora, nenhuma das alternativas já apresentadas pela indústria de instrumentos musicais agradou os músicos. “Tenho algumas guitarras de freixo, outras de almieiro, mas nenhuma delas tem um som tão ‘denso’ quanto as de mogno, que são as Gibsons”, diz Lúcio Maia, guitarrista da banda Nação Zumbi. De qualquer forma, o músico afirma que prefere abrir mão do timbre perfeito em prol da preservação da natureza. “Se tivermos que tocar com instrumentos de qualquer material que não seja madeira eu topo, para que o mogno ou o jacarandá não sejam extintos.”
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