sexta-feira, 12 de abril de 2013

Qual o limite da taxa de juros?


Marcel Gomes – de São Paulo
Diante de novas turbulências na economia internacional e da retração de mercados consumidores no exterior, o governo brasileiro promoveu ao longo dos últimos meses algumas correções de rota na política econômica. A marca mais visível foi a queda das taxas de juros ao patamar mais baixo da história recente. No entanto, outras variáveis, como o regime de metas de inflação e o câmbio, também apresentam nuances em relação a períodos anteriores, diante de uma meta prioritária: reativar a economia
Entre agosto de 2011 e outubro de 2012, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) realizou um longo ciclo de redução da taxa básica de juros da economia, a Selic, com dez cortes consecutivos, até que o histórico patamar de 7,25% fosse atingido. A nova taxa, que segue em vigor, é baixíssima para os padrões brasileiros, mas ainda elevada, segundo o cenário internacional.

Mesmo assim, o movimento gerou efeitos profundos em nossas relações econômicas internas: instituições financeiras foram pressionadas a reduzir juros cobrados de clientes, aplicadores a diversificarem investimentos, o governo federal viu cair o gasto com o financiamento da dívida pública, e até empresários puderam recalcular, para cima, a rentabilidade de novos projetos, diante da queda do custo do capital.

Mas o ciclo de corte da Selic também suscitou dúvidas sobre sua sustentabilidade. Não foram poucos os economistas e comentaristas na mídia que questionaram a viabilidade de mantermos uma taxa em níveis historicamente baixos, sob uma inflação que insiste em se posicionar, desde 2010, acima do centro da meta do IPCA – que é de 4,5%, com margem de tolerância de dois pontos percentuais para cima ou para baixo.
Foto: Divulgação
“Administrartudo isso não é fácil.
As incertezas são muitas, e o
Banco Central precisa agir como
um bom cozinheiro que tem de
acertar o tempero, pôr sal,
pimenta, mas sem deixar picante
demais e estragar o sabor da comida”



Luiz Gonzaga Belluzzo,
economista
Afinal de contas, um país que já foi viciado em inflação alta não estaria pondo em risco a estabilidade monetária conquistada a duras penas? – é pergunta recorrente.

A taxa de juros desperta todo esse interesse porque ela é o instrumento central do regime de metas de inflação, adotado pelo país desde 1999, ano da maxidesvalorização do real. Através dela, os técnicos conseguem aproximar o crescimento projetado ao crescimento potencial de um país, evitando que eventuais gargalos reflitam na evolução dos preços.

Oficialmente, o regime não prevê metas para o câmbio e crescimento econômico, que, no entanto, são considerados na construção do cenário prospectivo para a inflação – e, assim, na definição da Selic.

O problema é que apesar da existência de muitas equações econômicas para auxiliar o cálculo da taxa de juros, elas sempre possuem um grau de incerteza. As decisões dependem da estimativa de variáveis sujeitas a fatores políticos, comerciais, climáticos, entre tantos outros, nacionais e internacionais.

“Administrar tudo isso não é fácil. As incertezas são muitas, e o Banco Central precisa agir como um bom cozinheiro que tem de acertar o tempero, pôr sal, pimenta, mas sem deixar picante demais e estragar o sabor da comida”, compara o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, que considera até aqui positivo o esforço da autoridade monetária para baixar os juros.

MOVIMENTO NATURAL Ciente da importância de legitimar tecnicamente a queda dos juros no país, o BC – cuja assessoria disse à reportagem que não daria entrevista sobre o assunto – vem trazendo nos relatórios trimestrais de inflação estudos e equações econômicas que sustentam tal movimento como algo natural. No relatório divulgado em setembro de 2012, por exemplo, o órgão embasou parte de sua análise nas teses de J. Archibald e L. Hunter presentes no artigo “What Is the Neutral Real Interest Rate and How Can We Use it?”, de 2001.
Foto: Neiva Daltrozo/Secom
Audiência pública de governadores sobre a dívida com a União, no Senado Federal em abril de 2012. Entre outros, estão Geraldo Alckmin (São Paulo), Raimundo Colombo (Santa Catarina) e Tarso Genro (Rio Grande do Sul). Mandatários alegam que contratos firmados em épocas de juros altos comprometem orçamentos dos estados
Nesse trabalho, Archibald e Hunter argumentam que a taxa básica de uma economia é determinada por fundamentos que afetam as decisões de poupança e de investimento dos agentes econômicos, assim como pelo prêmio de risco do país e pela existência de entraves aos fluxos de capitais internacionais. A questão é que, na visão exposta pelo BC no relatório de inflação, mudanças estruturais da economia brasileira têm influenciado essas variáveis a ponto de permitir o corte da Selic. São elas:

1) PRÊMIOS DE RISCOComponente da taxas de juros, incertezas relacionadas à inflação e à credibilidade da moeda se refletem nos prêmios de risco e, portanto, podem elevar o custo dos empréstimos. Para o BC, a estabilização da economia brasileira e a consolidação do regime de metas para a inflação – com cumprimento das metas estabelecidas por oito anos consecutivos – levaram a redução significativa das incertezas macroeconômicas e, por conseguinte, do prêmio de risco. Não é à toa que influentes agências de classificação de risco concederam ao Brasil grau de investimento em anos recentes.
Foto: Francisco Antunes
Sede do BC em Brasília: para o banco, queda na atividade econômica mundial contribuiu para reduzir a taxa de juros doméstica


2) FLUXO DE CAPITAIS A consolidação da estabilidade macroeconômica e a redução dos prêmios de risco renderam ao Brasil acesso aos mercados de capitais internacionais a custos menores. Mais recentemente, esse processo foi intensificado. Em 2011, o ingresso líquido de investimentos estrangeiros diretos no Brasil atingiu o valor recorde de US$ 66,7 bilhões.

3) MUDANÇAS FISCAIS A dívida pública pode ter impacto significativo sobre a taxa de juros. No Brasil, houve consolidação do regime fiscal, com adoção de metas para superávit primário e a Lei de Responsabilidade Fiscal, sancionada em maio de 2000. Essas mudanças ajudaram a reduzir a dívida pública em proporção do PIB. A dívida líquida do setor público consolidado, que em 2002 ultrapassou o patamar de 60% do PIB, foi reduzida recentemente para níveis próximos a 35% do PIB. Além disso, houve mudança substancial no perfil da dívida, agora majoritariamente vinculada à moeda nacional e não mais ao dólar, o que reduz os riscos para o Tesouro Nacional.
4) POUPANÇA A taxa de poupança bruta doméstica como proporção do PIB tem se mantido razoavelmente constante ao longo do período recente, tendo alcançado 17,2% em 2011, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No entanto, a trajetória decrescente da dívida pública, potencializada pela redução dos custos de financiamento, gera condições para que recursos adicionais sejam direcionados para investimento.
5) ESTRUTURA DOS MERCADOS FINANCEIROS Melhorias na estrutura dos mercados financeiros e de crédito podem aumentar a eficiência na alocação de recursos disponíveis na economia, diminuindo a taxa de juros. Para o BC, houve transformações importantes na estrutura dos mercados no Brasil nos últimos anos, como o aumento da participação do crédito no PIB, que passou de aproximadamente 25%, no início de 2001, para cerca de 50%, em junho de 2012.

6) MUDANÇAS INSTITUCIONAIS A “incerteza jurisdicional” na economia brasileira era vista por estudiosos como um dos fatores a explicar os níveis de taxa de juros no país. Mas isso melhorou, não apenas com a consolidação democrática, marcada por seguidas eleições presidenciais, mas também através de reformas específicas como a nova lei de falências, de 2005, e a introdução da alienação fiduciária de imóveis no novo Código Civil.

7) CENÁRIO EXTERNO Diante da integração econômica cada vez maior dos países, a evolução das taxas em outras nações gera efeitos internos. Diante da crise financeira mundial recente, iniciou-se um amplo cenário de baixa dos juros no mundo desenvolvido. De acordo com o BC, estimativas dos modelos estruturais feitos pelo órgão indicam que a queda na atividade econômica mundial, a partir da crise de 2008, também contribuiu para reduzir a taxa de juros doméstica.

TRAJETÓRIA DA INFLAÇÃOMesmo com todas essas mudanças conjunturais, a definição da taxa Selic pelo BC também depende de dois fatores principais: a opção política da autoridade monetária em fazer uma gestão monetária contracionista ou expansionista, e a estimativa de inflação futura.
Foto: Bel Pedrosa
Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central: em sua gestão, a Selic chegou a 45%
Quanto ao primeiro fator, como já foi dito aqui, os economistas definem que há uma taxa de juros considerada de equilíbrio, ou seja, aquela consistente, no médio prazo, com inflação estável e crescimento real do PIB igual ao seu crescimento potencial.

Mas, em determinado momento, é possível que os gestores da economia decidam não buscar o equilíbrio e optem por outra estratégia. Isso ocorreu, por exemplo, em março de 1999, durante a presidência de Armínio Fraga no BC, quando o órgão elevou a Selic a 45% ao ano, com o intuito de segurar uma fuga de capitais e desaquecer a atividade econômica, após a maxidesvalorização do real.
A respeito da estimativa de inflação, é possível dizer que esse é um passo-chave dentro da metodologia do BC para definir a Selic. Para isso, o órgão analisa a evolução – e a estimativa de evolução – dos preços de itens fundamentais para o consumo das famílias, como combustíveis e alimentos.

A ata da reunião do Copom que definiu em outubro de 2012 o último corte da Selic, por exemplo, projetava que não haveria aumento da gasolina e do gás de botijão até o final do ano; reduzia a projeção de alta da tarifa de telefonia fixa a 1,0% em 2012, ante os 1,3% estimados na reunião anterior do órgão; mantinha a alta prevista da eletricidade em 1,4%; e ainda previa um choque de oferta de commodities agrícolas.

Todos esses fatores embasaram a decisão do órgão de cortar a Selic, na ocasião, de 7,50% para 7,25%. “Considerando o balanço de riscos para a inflação, a recuperação da atividade doméstica e a complexidade que envolve o ambiente internacional, o Comitê entende que a estabilidade das condições monetárias por um período de tempo suficientemente prolongado é a estratégia mais adequada para garantir a convergência da inflação para meta, ainda que de forma não linear”, dizia a nota oficial.
HIATO DO PRODUTO Ainda para dimensionar as pressões inflacionárias, as metodologias do BC dependem do cálculo do chamado “hiato do produto”, que é a diferença entre a produção de bens efetiva e potencial. Com ele, é possível antecipar, evidentemente com margem de erro, eventuais pressões de demanda sobre os preços, e tomar medidas.

Para aperfeiçoar a metodologia, o BC vem ao longo do tempo adicionando uma série de novidades no cálculo, que é feito através de métodos distintos e chamados tecnicamente de extração de tendência linear, filtro Hodrick-Prescott (HP), função de produção, e filtro de Kalman – todos também usados pelas autoridades monetárias das principais economias do mundo.
Foto: Adenilson Nune
Posto de gasolina em Salvador: ata do Copom que definiu último corte da Selic projetava que não haveria aumento do combustível até o fim de 2012
Uma das novidades é o emprego da Utilização da Capacidade Instalada (UCI), fornecida na Sondagem Conjuntural da Indústria de Transformação da Fundação Posto de Getulio Vargas (FGV), como alternativa à UCI divulgada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Recente estudo feito por técnicos do BC aponta que o resultado do hiato varia a depender da base de dados utilizada, se da FGV ou da CNI. Agora, com dois resultados distintos, é possível avançar em outras pesquisas que avaliem erros de previsão do passado e permitam fazer uma sintonia fina para o futuro.
A “nova ordem” da política monetária: regime de metas com medidas macroprudenciais
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Foto: Divulgação
“Os bancos centrais foram obrigados
a serem mais pragmáticos com a crise.
Antes, bastava conduzir a política
monetária pensando nos fluxos da
economia. Agora, é preciso ficar de
olho no preço dos ativos” Roberto
Messenberg, técnico de planejamento
e pesquisa do Ipea”

Roberto Messenberg,
técnico de planejamento e pesquisa do Ipea
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Se, até 2008, o regime de metas de inflação, baseado no controle de preços através da taxa de juros, produzia efeitos consistentes, sobretudo em economias estáveis, o mesmo não se pode dizer que ocorra a partir do início da crise financeira internacional, naquele mesmo ano. Como explica o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, o Federal Reserve (FED), banco central dos EUA, executava sua política monetária basicamente mediante o manejo da taxa de juros de curto prazo, controlando, assim, os preços dos ativos.

Mas esse tipo de gestão tornou-se insuficiente após o estouro da bolha imobiliária. Não se tratava mais de uma crise de liquidez, mas da insolvência de famílias e bancos, seguida de declínios do consumo e do investimento. Para recuperar o preço dos ativos e reaquecer a economia, baixar os juros norte- -americanos, a ponto de ter taxas reais negativas, não se mostrou suficiente.

Ben Bernanke, presidente do FED, optou por tornar mais complexa a política monetária e autorizou o órgão a comprar títulos públicos e privados com o objetivo final de recuperar os preços de ativos, sobretudo imóveis residenciais. Dentro dessa política de “relaxamento monetário”, tão criticada pelo governo brasileiro, comentaristas econômicos chegaram sugerir até que o FED oferecesse diretamente dinheiro a empresas e pessoas físicas, a fim de levantar a economia.

“Os bancos centrais foram obrigados a serem mais pragmáticos com a crise. Antes, bastava conduzir a política monetária pensando nos fluxos da economia. Agora, é preciso ficar de olho no preço dos ativos”, explica Roberto Messenberg, técnico de planejamento e pesquisa do Ipea. Essa mudança se refletiu no Brasil com a adoção das chamadas medidas macroprudenciais, em dezembro de 2010. “O regime de metas de inflação não era mais suficiente para resolver todos os problemas, precisávamos de outros instrumentos”, diz ele.

As medidas macroprudenciais anunciadas pelo BC eram focadas nas operações de crédito, tornando mais rígidos os controles dos empréstimos a pessoas físicas e empresas. Além disso, elevaram o compulsório de depósitos nas instituições financeiras e ainda ampliavam a garantia de correntistas com investimentos nos bancos. Com essa estratégia, o BC queria atingir objetivos para os quais antes dependeria apenas de movimentos da Selic.

Na “nova ordem” da política monetária, o regime de metas não foi abandonado, mas o BC passou a utilizar outras armas para defender a moeda, reunidas no arsenal das medidas macroprudenciais. Assim, a inflação deixou de ser a única obsessão dos técnicos, que passaram a olhar também para nível de câmbio, mercado de trabalho e crescimento econômico.

A estratégia deve ser mantida no curto prazo. Em 2013, Messenberg aposta em um cenário de estabilidade da taxa Selic, não apenas porque a estratégia das medidas macroprudenciais veio para ficar, mas também pelo cenário de variáveis positivas previsto para os próximos meses: entrada de capital intensa, índices de inflação pouco pressionados e ausência de choque nas cotações das commodities.

“Ao contrário de gestões passadas, o BC aproveitou bem o espaço que teve, mesmo diante da crise, para reduzir os juros. Agora é importante manter isso”, diz o economista do Ipea. Para ele, a manutenção das taxas nos atuais patamares é importante para que as expectativas dos atores econômicos se acomodem. Afinal, os mesmos que por anos se acostumaram à inflação elevada também têm gravado na memória o histórico dos juros altos. Mudar isso é tarefa para anos.

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