terça-feira, 16 de abril de 2013

Sistema Financeiro - O gargalo do crédito


O Brasil tem bancos modernos, mas que emprestam pouco e a um custo muito alto. Essa realidade precisa mudar para que o país possa crescer de forma sustentável.

Sérgio Sister

noticias-2-ImagemNoticiaJato 190 da Embraer: a indústria brasileira produz e exporta muito, mas poderia estar ainda melhor se houvesse crédito farto
Jato 190 da Embraer: a indústria brasileira produz e exporta muito, mas poderia estar ainda melhor se houvesse crédito farto
Se o Brasil tem um sistema financeiro moderno, eficiente, um dos mais informatizados do planeta, como se explica que o crédito bancário seja escasso e tão caro no País? Essa é uma questão complexa e fundamental, já que o crédito é um dos fatores determinantes do crescimento econômico. O tema é motivo de análise de Armando Castelar Pinheiro, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no Rio de Janeiro e autor do estudo "Uma agenda pós-liberal de desenvolvimento para o Brasil"."A redução do custo doinvestimento é essencial para aumentar o ritmo de acumulação do capital e acelerar o crescimento econômico", diz. Ele propõe um conjunto de mudanças essenciais para garantir um crescimento econômico sustentável.
Os dados do Banco Mundial revelam a limitada oferta de crédito no Brasil, se comparado com outros países que ostentam saudáveis taxas de crescimento econômico. Em 2002 o volume de crédito ao setor privado representava 35% do PIB brasileiro, segundo o Banco Mundial. No Japão, a taxa era de 175% do PIB.No Chile, de 68% do PIB.

Não bastasse a oferta restrita, os juros cobrados pelos empréstimos concedidos no país estão entre os mais altos do planeta. A taxa básica de juro real descontada a inflação) gira em torno dos 9,5% ao ano. Só perde para a Turquia, onde o custo do dinheiro está na casa dos 11,6% anuais. Na China, país cuja economia é campeã em crescimento, a taxa real é negativa em 0,7%. "O sistema financeiro brasileiro oferece baixo volume de crédito como proporção do Produto Interno Bruto e cobra taxas recordes de intermediação financeira, o spread", afirma Castelar.

Spread é a diferença entre o que os bancos cobram pelos empréstimos e o custo de captação do dinheiro. O spread cobrado pelos bancos brasileiros é da ordem de 38% e está entre os mais altos do mundo, segundo os cálculos de Erivelto Rodrigues, presidente da Austin Rating, empresa especializada em análise de risco de crédito.Em seu trabalho,Castelar constata que a modernização do sistema financeiro brasileiro, a entrada de bancos estrangeiros no mercado nacional, a privatização de bancos públicos e a melhoria do controle oficial não foram suficientes para alterar esse quadro de crédito caro e escasso. Os bancos existentes no Brasil são modernos, têm gestão sofisticada, tecnologia de ponta, mas só emprestam para quem tem condições de pagar em curto prazo e de arcar com juros altíssimos.

É muito fácil constatar que o sistema financeiro brasileiro não é exatamente um craque de empréstimos. Em junho, o saldo das operações de crédito do País, segundo o Banco Central, era de 442 bilhões de reais, o equivalente a 26,1% do PIB.A mais importante fonte de recursos para investimentos não-habitacionais de longo prazo de maturação é o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que garante 20% do bolo total de crédito. O banco oferece o dinheiro mais barato do mercado. O custo de seus empréstimos varia entre 16% e 17% ao ano. Mesmo assim, a taxa é bastante superior à rentabilidade sobre o patrimônio que as 500 maiores empresas brasileiras registraram em 2002: 13%.

Alternativas de crédito Fora do BNDES restam poucas alternativas de crédito de longo prazo. Uma delas são os repasses de recursos do exterior,que têm um custo da ordem de 20% ao ano, mais a desvalorização cambial, mas são acessíveis apenas a um seleto grupo de empresas.Em junho,esse tipo de operação movimentou 17,2 bilhões de reais, ou 11% do crédito bancário com recursos livres para empresas. A oferta de crédito concentra-se no curto prazo e os juros são ainda mais salgados. Linhas de curta duração como contas garantidas, financiamentos de capital de giro e descontos de títulos, movimentaram 67 bilhões de reais em junho, ou 44% dos empréstimos com recursos livres para empresas. As taxas variam de 34% a 67% ao ano.

A área em que existe maior competição entre os bancos e oferta farta é o crédito pessoal para pessoas físicas, que movimentou 36,7 bilhões de reais em junho. Esse tipo de operação é o que mais cresce, justamente por garantir maior rentabilidade para os bancos, que cobram uma taxa média de 72%."As pessoas só querem saber se a prestação cabe em sua renda familiar", diz Antonio Borges Matias, da ABM Consulting, empresa de gestão de riscos financeiros. Agora, começa surgir uma alternativa para as pessoas mais pobres, sem conta bancária, fazer compras, sem pagar as altíssimas taxas de juros do crédito direto ao consumidor.Bancos montam estruturas para oferecer o chamado microcrédito e as cooperativas de crédito crescem, especialmente nas cidades menores.

A eficiéncia do sistema financeiro A ironia da história é que apesar de tão fortes,modernos e lucrativos,os bancos brasileiros são considerados ineficientes quando se trata de crédito. Devido à falta de escala, é muito grande o peso de seus custos administrativos e de pessoal diante da carteira de empréstimos. Esses custos ficam acima de 20% nos quatro maiores bancos brasileiros, quando a média nos bancos de primeira linha nos países desenvolvidos é da ordem de 5%.Os bancos brasileiros são muito eficientes nas áreas de onde extraem a maior rentabilidade, como a gestão de recursos de terceiros ou a captação de recursos.Na área de crédito deixam a desejar.

O Brasil nem sempre foi assim, como lembra Paulo Sérgio Cavalheiro, diretor de fiscalização do Banco Central. "Há 30 nos o forte dos bancos era a carteira de crédito, não existia open market, e assim surgiram os grandes bancos nacionais. Hoje os bancos brasileiros são modernos e seu sistema de gestão pode ser comparado aos das melhores instituições dos países desenvolvidos."Mas essa modernidade não se reflete na oferta de crédito, que é muito inferior a de outros países.

O coro de protestos, quase uma unanimidade nacional, culpa os bancos privados pela escassez de crédito e pelos juros altos e se apóia numa evidência: as instituições que operam no Brasil acumularam lucros que variam de 17% a 23% de seu patrimônio líquido nos últimos dez anos, um resultado que ofusca o de seus pares dos países desenvolvidos. Uma análise mais acurada do problema, no entanto, mostra que a resposta não é assim tão simples.Outras personagens também concorrem para formar o quadro negativo do crédito no Brasil.Uma delas é o governo.

Nas últimas décadas o Estado brasileiro,quebrado,precisou aumentar muito seu endividamento para fazer frente a suas despesas. Em junho último a dívida pública representava 56% do PIB. Para conseguir financiar e rolar essa dívida, o Tesouro Nacional vende títulos federais pagando juros de 16% ao ano, que é o piso das taxas cobradas pelos bancos privados e oficiais. "O governo é o principal tomador de recursos no Brasil. É ele que retém a maior parte do crédito disponível", afirma Gabriel Jorge Ferreira,presidente da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF) e ex-presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). "O governo absorve grande parte das poupanças com uma taxa de remuneração muito alta", concorda Castelar, do Ipea. "Seus títulos competem com muita vantagem sobre as outras modalidades de investimento."

Márcio Cypriano, atual presidente da Febraban e diretorpresidente do Bradesco, lembra que o grosso dos títulos públicos não fica com os bancos,mas com as pessoas físicas e empresas que aplicam seus recursos em fundos de investimento. "Temos recursos para emprestar, basta que as empresas apresentem projetos bons e viáveis, que tenham um plano de negócios consistente",diz Cypriano.No caso das pequenas e médias empresas, ele reconhece que será preciso um conjunto regulatório mais eficiente de garantia aos credores.

A máquina pública Os impostos também têm um efeito perverso sobre o próprio custo dos empréstimos. Há um aparato que inclui várias cobranças de CPMF, Imposto de Renda na Fonte, IOF e PIS/Cofins. O economista-chefe da Febraban, Roberto Luis Troster, acha que os compulsórios que incidem sobre os depósitos à vista, sobre as aplicações obrigatórias na agricultura e sobre os títulos públicos,num total de 131 bilhões de reais em março, representariam "tributos implícitos".

Mudar esse cenário não é tarefa simples. Enquanto a variável macroeconômica não muda, o trabalho de Castelar propõe uma série de providências para que o custo de intermediação financeira seja reduzido. É preciso diminuir a inadimplência dos empréstimos tomados no sistema financeiro. Para tanto, é necessário garantir aos credores melhores informações sobre os devedores. Também serão necessárias "reformas legais e jurídicas que facilitem a execução de garantias em caso de inadimplência", propõe o trabalho do Ipea. Isso para dar mais segurança aos agentes financeiros. É preciso também "adotar uma política mais ativa de promoção da concorrência no setor financeiro". Finalmente, numa terceira frente, será preciso reduzir a carga de impostos que pesa sobre a intermediação financeira.

Da maneira como as coisas estão, o dinheiro disponível no país, em vez de ser investido no setor produtivo, gerando empregos e mais riqueza para todos, é gasto no financiamento da máquina administrativa do Estado, cujo poder multiplicador é infinitamente inferior. Em fevereiro, de um total de 543 bilhões de reais aplicados em fundos de investimentos, 60%, ou 327 bilhões de reais, estavam investidos em títulos públicos federais. Apenas 42 bilhões de reais, ou 7,7%, foram destinados a ações de empresas negociadas nas bolsas de valores.A rentabilidade e a segurança dos títulos públicos também atrai outro tipo de investidor,os fundos de pensão,que têm enorme poder de fogo. No final de 2003, 62% dos ativos dos dez maiores fundos de pensão estavam aplicados em títulos públicos e 29% em participações empresariais.

A dívida pública e a cunha fiscal não explicam sozinhas, segundo Castelar, toda a complexidade da baixa oferta de crédito de longo prazo no Brasil e do alto custo do dinheiro."Os bancos vão continuar restringindo o crédito pelo temor do risco de inadimplência", adverte Castelar. O calote é o fantasma que assombra os banqueiros.Os dados do Banco Central apontam para uma inadimplência média de 7,7% em abril, para operações com recursos livres, abaixo dos 8,8% registrados no mesmo mês de 2003.

Ações de cobrança A aprovação da Lei de Falências ajudará a reverter este quadro, mas há outras razões para o temor dos banqueiros. A principal delas está no sistema judiciário. As leis e a Justiça dificultam a recuperação dos bens e valores em caso de inadimplência.Pelo atual Código de Processo Civil, qualquer ação de cobrança depende de um "processo de conhecimento", em que o juiz vai decidir se a dívida realmente existe e qual o seu valor. Só depois disso o credor entra com o processo de cobrança, que pode envolver leilão público. Considerando a morosidade dos trâmites judiciários e as possibilidades de ações protelatórias, José Barreto, especialista em direito bancário e comercial do escritório de advocacia Levy & Salomão, calcula que se pode esperar oito anos para conseguir que um mau pagador salde sua dívida.

Atualmente existe no Brasil um tipo de garantia que funciona e tem reflexos sobre as taxas de juros: é a alienação fiduciária, usada principalmente nos financiamentos de veículos. Por esse sistema, o bem fica em nome do credor até a liquidação total da dívida, e ele pode reavê-lo em caso de inadimplência. A alienação também existe para imóveis, mas só agora começa a ser regulamentada, por isso o financiamento de construção de imóveis representa apenas 5,5% do total de empréstimos concedidos.

Outras reformas estão em andamento.A nova lei de falências aumenta as chances de sobrevivência das empresas em dificuldades. Na fila de credores, os bancos ficarão logo atrás dos trabalhadores. Serão pagos antes dos órgãos de governo. O Ministério da Justiça já propôs uma alteração no processo de reconhecimento e cobrança de dívidas. E a Reforma do Judiciário, com a súmula vinculante, poderá inibir decisões de instâncias mais baixas da magistratura,quase sempre favoráveis aos devedores.

Removidos os entraves jurídicos, resta a questão macroeconômica. Somente uma queda expressiva da dívida pública, por um programa contínuo de ajuste fiscal,permitirá reduzir as necessidades de financiamento do setor público e as taxas de juros.A agenda de reformas é complexa,mas abre espaço para o desenvolvimento econômico sustentável.

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