Como vivem Ana Paula Arósio e Lídia Brondi, as estrelas que abandonaram a carreira artística no auge da fama e optaram por uma rotina de reclusão
Rodrigo Cardoso e Camila Brandalise
Sei que é inevitável falarem de mim, tanto por causa da minha carreira na televisão quanto por ser casada com um ator, mas essa exposição compromete o meu trabalho como psicóloga. É ruim para mim, um assunto que ficou para trás.” Foi em frente ao seu consultório, na zona sul de São Paulo, que a ex-atriz Lídia Brondi reforçou a sua posição a favor do anonimato para a ISTOÉ. Aos 53 anos, casada há 23 com o ator Cássio Gabus Mendes, Lídia preserva o mesmo sorriso de três décadas atrás, quando figurava no seleto grupo das maiores e mais belas estrelas da televisão brasileira. As suas ligações com o passado param por aí. Em 1990, aos 30 anos, ela colocou um ponto final na carreira marcada por sucessos como “Dancin’ Days” (1978), “Roque Santeiro” (1985) e “Vale Tudo” (1988), só para citar três novelas da Rede Globo. Saiu de cena no auge, quando seu rosto estampava a capa de inúmeras revistas – masculinas, inclusive –, para o espanto da classe artística e do público que a enxergava como uma espécie de nova namoradinha do Brasil. Sua última novela foi “Meu Bem, Meu Mal” (1990). “As pessoas ainda me procuram para falar sobre o meu trabalho na televisão e têm curiosidade sobre a minha vida, mas já faz 20 anos. Isso me surpreende”, diz Lídia. A ex-atriz e, hoje, psicóloga viveu o que no meio artístico passou a ser conhecido como síndrome de Greta Garbo, em referência à artista sueca que trocou o status de estrela de Hollywood dos anos 1920 e 1930 para viver reclusa em sua terra natal (leia quadro). Lídia, porém, não é a única brasileira nesse panteão das deusas reclusas. Em 2010, aos 35 anos, a atriz Ana Paula Arósio surpreendeu ao pedir demissão da Globo, após conquistar, em 11 anos de casa, prêmios, fama e idolatria por meio de trabalhos como “Hilda Furacão” (1998) e “Terra Nostra” (1999). Desde então, a sua ocupação passou a ser os afazeres do Haras São Carlos, em Santa Rita do Passa Quatro, cidade de 26 mil habitantes no interior de São Paulo. Trilhar uma carreira de sucesso no mundo dos artistas é tido por muitos como uma espécie de bilhete de loteria premiado, a concretização de um sonho. O que explicaria, então, o movimento contrário das celebridades que trocam o pedestal ocupado por uma minoria por uma vida comum à maioria?
RECLUSÃO
Ana Paula Arósio cavalga em sua fazenda, em Santa Rita
do Passa Quatro (SP), e, em 1997, na novela "Ossos do Barão"
Ana Paula Arósio cavalga em sua fazenda, em Santa Rita
do Passa Quatro (SP), e, em 1997, na novela "Ossos do Barão"
“Há uma fantasia que habita a cabeça dos famosos. Muitos, em algum momento, pensam: ‘Uma hora eu desapareço’”, diz o psicanalista Jacob Pinheiro Goldberg, autor do livro “Sentido e Existência”, que trata da relação do ser humano com a sua imagem. Psiquiatra e psicanalista carioca, Luiz Alberto Py argumenta que não é tão raro pessoas nessas condições não desejarem mais ser quem eram. “Ainda mais quem começou em um caminho muito cedo e não teve uma escolha própria amadurecida sobre o que fazer na vida”, afirma. Lídia Brondi e Ana Paula Arósio iniciaram precocemente no meio artístico, aos 14 e 12 anos, respectivamente. Tiveram de encarar pressões e responsabilidades para as quais muitos não estão preparados nem deveriam ser expostos nessa idade. Mais tarde, com maior discernimento e donas do próprio nariz, tornaram-se sensíveis às agruras da exposição e decidiram sair da vitrine, como se isso fosse possível. Há vários apelos para que elas voltem. Em novembro, por exemplo, o diretor de núcleo Wolf Maya rasgou elogios a Ana Paula e afirmou: “Faço aqui um apelo público, nós não podemos perder Ana Paula Arósio.” E fãs de Lídia Brondi criaram blogs para cultuar momentos marcantes da carreira da estrela.
A opção de sumir do mapa acaba se revelando um jeito eficiente de continuar aparecendo. É o que ocorre com Ana Paula, 38 anos. Em Santa Rita do Passa Quatro, poucos são os habitantes que desfrutam de sua confiança. Muitos, porém, têm uma história sobre ela para contar. As lendas em torno do seu estilo de vida proliferam como resultado da sua opção por não circular e não interagir. Assim, ela se tornou um mito cercado por um pequeno séquito. “Não posso falar sobre a nossa relação, fui proibida por ela”, diz Claudete Aparecida Arósio, mãe da ex-atriz. Ana Paula, dizem comerciantes locais, já foi vista em bares da cidade – em um deles, cujo dono é um de seus funcionários no haras, teria até arriscado algumas tacadas em uma mesa de bilhar – e bebendo cerveja acompanhada de amigos em lojas de conveniência de postos de gasolina. Conta-se, inclusive, que ela teria a mania de dar cerveja a seus cavalos. Funcionários da prefeitura também afirmam já tê-la visto entrando no banco, circulando como uma transeunte, de bota, calça de administradora rural suja de terra, cabelo preso e óculos escuros para esconder o farol que a tira do anonimato no ato – os hipnotizantes olhos azuis. “Ela veio uma vez aqui, num sábado à tarde. Encostou sua caminhonete preta e desceu para beber três cervejas e comer panceta frita acompanhada de um homem”, diz Roberto Correia, proprietário do Boteco do Roberto. A ex-atriz escolheu viver com o marido, o bioarquiteto e cavaleiro Henrique Pinheiro, 35 anos, em uma zona rural afastada do centro da cidade. Para chegar à porteira da sua propriedade de 40 alqueires (o equivalente a 48 campos de futebol), é preciso encarar cinco quilômetros de uma estreita estrada de terra. ISTOÉ tentou ali, sem sucesso, um contato com a protagonista de “Hilda Furacão”.
EXPEDIENTE
Fachada do prédio onde fica o consultório de Lídia Brondi,
na zona sul de São Paulo: a ex-atriz passou na faculdade de
psicologia, em 2002, dez anos depois de se afastar da tevê
Fachada do prédio onde fica o consultório de Lídia Brondi,
na zona sul de São Paulo: a ex-atriz passou na faculdade de
psicologia, em 2002, dez anos depois de se afastar da tevê
O fato de se tornar uma figura pública, conhecida por muita gente e assediada continuamente deixa o indivíduo sufocado, afirma o psicanalista Goldberg. Além disso, ele é submetido a juízos o tempo todo e surge o medo da desaprovação. A vulnerabilidade do olhar alheio implica sensação de crítica. “E tem a questão da fantasia, da destruição da identidade por causa do personagem. Vários fatores podem levar a uma fragilidade psicológica”, afirma. Ana Paula tem aversão não só à imprensa, mas ao público. Convidada recentemente para assistir a uma prova de tambor, que consiste em contornar três tambores montados em um cavalo no menor tempo possível, teria assim reagido, segundo uma pessoa próxima: “Ah, mas o pessoal vai ficar em cima, me enchendo o saco.”
Quando Lídia Brondi decidiu abandonar a vida artística, rumores davam conta de que uma síndrome do pânico teria sido o motivo, fato negado pela atriz. “A maioria dos famosos, em um determinado momento, tem pelo menos alguns sintomas de síndrome do pânico, mas claro que não divulgam publicamente”, diz Goldberg. Pai de Lídia, o pastor Jonas Rezende conta que tentou dissuadir a filha de desistir de seu contrato com a Globo, argumentando a importância do trabalho dela. “Eu disse que tevê é um veículo de entretenimento e diverte milhões de pessoas. Mas ela tinha tomado uma decisão que vinha sendo amadurecida havia algum tempo. Era uma fase de sua vida que se esgotou”, afirma Rezende.
Dez anos depois de deixar a tevê, aproximadamente, Lídia foi aprovada na faculdade de psicologia da Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo. Graduada, hoje ela intercala atendimentos em seu consultório e em um ambulatório da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Seu nome consta da equipe do Programa de Atendimento e Pesquisa em Violência (Prove). A psicóloga vai a pé de um local a outro sem receio de ser reconhecida, o que, segundo ela, acontece com mais frequência do que ela imaginaria. Dedicada, chega a cancelar viagens para não deixar de atender seus pacientes. Começa cedo no consultório e, dependendo da agenda, encerra o expediente por volta das 21 horas. A ex-atriz, mãe de Isadora, 28 anos, da união de cinco anos com o diretor da Globo Ricardo Waddington, não cogita retornar à antiga profissão.
Hoje em dia, Ana Paula Arósio faz as vezes de administradora rural em seu haras, enquanto o marido se encarrega de fazer supermercado, ir ao correio e cuidar das tarefas bancárias. Outro dia, a ex-atriz se embrenhou no meio do lago para instalar um vaso no local e, em 2012, foi até a delegacia de Santa Rita do Passa Quatro para registrar um boletim de ocorrência contra o proprietário do sítio vizinho, que, curiosamente, é pai de um ex-namorado. Ela o acusa de ser o responsável por um incêndio criminoso que consumiu uma quadra da sua plantação de cana-de-açúcar. “Ela e o ex-sogro vivem às turras, uma história mal aparada desde que ela terminou o namoro com o filho dele”, diz um parente do ex-sogro de Ana Paula.
Além de cana-de-açúcar, Ana Paula e o marido produzem feno, que é vendido para sítios e fazendas da região por R$ 7 o fardo. Os dois possuem um campo de produção de cerca de cinco alqueires no haras. Recentemente, também, adquiriram um trailer para transportar os cavalos – têm cerca de 30 –, a paixão de Ana Paula. Quatorze anos atrás, a atriz já dava sinais – mesmo desfrutando das benesses de protagonista da novela do horário nobre da Globo (“Terra Nostra”) – do papel que gostaria de desempenhar na vida real. Lá atrás, em uma entrevista, contou que seu avô, bem-sucedido morando em uma fazenda, decidira sair do fim de mundo em que se encontrava para viver na cidade grande. Dera ouvido ao que diziam seus amigos sobre as boas oportunidades oferecidas na metrópole – mas não foi bem-sucedido. A conclusão de Ana Paula, à época com 24 anos: “É por isso que até hoje eu sinto necessidade de estar no campo, de trabalhar com a terra.” A duras penas, sob críticas de diretores que contavam com a sua presença em gravações de novela e eventos de lançamento, ela jogou tudo para o alto, desceu do pedestal e calçou as botas surradas de um anonimato que ainda não se concretizou.
MISTERIOSA
Acima, Greta Garbo caracterizada como Marguerite para o
filme "Dama das Camélias", de 1936; abaixo,
a atriz caminha por Paris, em 1958
Acima, Greta Garbo caracterizada como Marguerite para o
filme "Dama das Camélias", de 1936; abaixo,
a atriz caminha por Paris, em 1958
Fotos: Leonardo Marinho/Contigo; Gustavo Lourenção/Folha Imagem; Nelson Di Rago/TV GLOBO; Agency Brayan Celebrity
http://istoe.com.br/reportagens/344818_SINDROME+DE+GRETA+GARBO
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