por Lelê Teles, via e-mail
Existem dois Brasis e um deveria servir apenas para servir ao outro. É o modo de pensar da Casa Grande.
Quando os pobres ousam romper o limite entre esses dois mundos, a Big House exige que eles sejam colocados em seu devido lugar.
Todos nos lembramos da “invasão” suburbana às praias da Zona Sul carioca no início dos anos 90. Ao som de funk, as galeras passaram a procurar o seu lugar ao sol.
Deram de cara com uma triste constatação: o sol nasce para todos, mas para ter sombra e água fresca o cabra tem que ter pedigree.
Os banhistas passaram a reclamar do barulho, da farofagem, da música alta e da cara feia dos suburbanos.
TVs e Jornais procuravam explicar o “fenômeno”, vocalizando o pensamento da classe média: isso estava ocorrendo porque os pobres estavam sem opção de lazer nas periferias.
Conversa mole. Os ricos, mesmo com variadas opções de lazer, não deixavam de tomar um solzinho e jogar altinho à beira mar.
O que se pretendia dizer é que ali não era lugar pra favelado e que pobre deve se divertir na periferia, ora bolas, jogando biboquê, bola de gude e golzinho.
Imagina se todo suburbano resolve dar um rolê na praia?
Garotinho ouviu a grita e em 2001 construiu o Piscinão de Ramos, uma praia artificial para os pobres.
Volta e meia a TV está por lá, ridicularizando a diversão da moçada, rindo do sorriso deles, humilhando o povo ali mesmo onde ele deve ser humilhado.
A mesma forma sutil de apartação se vê em relação ao trânsito.
Com o crescimento do poder de compra e do acesso ao crédito, os pobres passaram a comprar carro, inclusive zero, ou melhor, um ponto zero.
E “invadiram” o espaço sagrado da burguesia.
Hoje, a madame é obrigada a parar sua pick up importada ao lado de vários corsas e pálios nos engarrafamentos. Onde já se viu tamanho absurdo?
Perplexos com essa “invasão” de pobres, a “sociedade” motorizada chegou a uma ridícula conclusão: os “populares” resolveram andar de carro próprio porque o governo não oferece a eles um transporte público de qualidade.
E a burguesada passou a cobrar do poder público mais investimento em transporte coletivo, mas até agora nenhuma madame botou sua pic up à venda.
No fundo o que querem é que as domésticas, os garçons e os porteiros voltem a andar de ônibus. É muito desaforo pobre dando rolê de carro próprio.
Sem falar na grita de que nossos aeroportos agora estão se parecendo com rodoviárias, cheios de uma gente marrom.
Os pobres “invadiram” o espaço aéreo. Nem no ar agora é possível se livrar dessa gente.
Por que não duplicam logo as rodovias e colocam ar condicionado nos ônibus interestaduais?
Sem falar que eles “invadiram” também o espaço virtual. Os pobres teimam em estar por toda a parte. Como faz?
Quando o Brasil descobriu as redes sociais, os pobres não tinham acesso à internet, e o Orkut virou o paraíso da ostentação da burguesada viajada.
Aí vieram as lan houses e os filhos das domésticas passaram a postar fotografias tomando banho em caixas d’água.
Foi a gota d’água. Causou desconforto essa “invasão” cibernética.
Os ricos trataram logo de inventar uma rede antisocial chamada Elysiants. Para postar fotos tomando champanhe nesse Orkut da Big House, o cabra tinha que ser milionário e desembolsar cerca de cinco mil dólares para ser aceito.
Mas o aumento do poder de compra tirou a pobreza das lan houses e os jovens da periferia já tinham o seu próprio computador em casa.
O Orkut bombou.
Sem poder entrar pro Elysiants, a classe média correu pro Facebook (run to the hills).
No face, a burguesada inventou um coro para afugentar e segregar a periferia: “volta pro orkut”.
É aquela velha história, você sai da favela, mas a favela não sai de você.
Na Big House estão sempre procurando mostrar que ali não é o seu lugar.
O diabo é que os pobres insistem.
Agora, resolveram dar rolezinhos em shopping centers, veja você.
Os manos se acharam no direito de calçar um mizuno, botar um bonezinho na cabeça, um bermudão, top e shortinho e andar de escada rolante, refrescar-se em ar condicionado, lamber vitrines e lamber uma casquinha do Mac Donalds.
Não deu outra. Como na “invasão” às praias, a burguesada em coro tentou explicar o “fenômeno”: isso está ocorrendo porque o governo não investe em diversão na periferia, sem opção de lazer, dizem eles, os suburbanos vieram parar nos shoppings.
Por que esses caras não vão simplesmente andar de carrinho de rolimã, jogar golzinho na rua, brincar de polícia e bandido, jogar bola de gude?
Por que não surge um Garotinho e constrói logo um Shoppingzão de Ramos?
O curioso é que esse é o mesmo país que chorou a morte de Mandela, o negão boa praça que ao invés de tomar o poder dos brancos, decidiu dividir com eles.
Aqui, os brancos não querem compartilhar nada com os pretos, nem fotos no Facebook.
O Brasil é o país da apartação social e quer cada um no seu quadrado.
Mas o povo não aceita mais ser segregado, quer pertencer, fazer parte.
É como se dissesse, você pode não entrar na favela, mas a favela entra em você.
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