Nos últimos dias, os jornais vêm comparando o que chamam de “mensalão tucano” e “mensalão petista”, numa tentativa de apontar um modus operandi comum na corrupção. A imprensa sublinha que os dois “esquemas” são parecidos, que um nasceu do outro, que tiveram o mesmo “operador” e que os “comandos” agiam de forma semelhante. Nada mais falso porque não há e não teremos qualquer base de comparação mesmo após o julgamento do caso tucano no Supremo. Isto porque o STF já sinalizou tratamento desigual para os dois processos: o mensalão tucano foi desmembrado (encaminhando a maioria dos réus para primeira instância), enquanto a AP 470 manteve todos os réus em julgamento na Suprema Corte.
O resultado deste julgamento nós conhecemos muito bem: o que se viu na AP 470 é um marco de injustiças, em flagrante violação do devido processo legal. As condenações da AP 470 se sustentaram com base em indícios, presunções e desprezo às contraprovas, entre outras violações de garantias, como esta Equipe do blog vem denunciado há tempos. (clique aqui para saber mais) Violações que esperamos, para o bem do Estado Democrático de Direito, que não se repitam em nenhum outro julgamento – incluindo este em relação a um réu isolado do PSDB no Supremo Tribunal Federal.
Dito isso, é inegável, evidente e salta aos olhos a diferença entre os dois processos. A começar dos pilares das acusações. Na AP 470, a tese central se baseou na denúncia de que houve desvio de dinheiro público do Banco do Brasil para compra de votos de deputados para aprovar as reformas Tributária e da Previdência. Os dois pilares, no entanto, não têm qualquer fundamento, o que ficaria evidente se o julgamento tivesse se limitado aos autos e sem pressão política e da mídia.
Já mostramos aqui – e diversas outras fontes também o fizeram – que a acusação de desvio de dinheiro público não se sustenta sob nenhum ângulo. Em primeiro lugar, porque a Visanet, de onde teria saído o desvio, é uma empresa privada, fato que foi ignorado no processo. E mais: ainda que se aceite o torto argumento de que o dinheiro era indiretamente do Banco do Brasil, a tese do desvio continua insustentável. Auditorias, documentos, notas fiscais e outras provas atestam que todo o serviço contratado pela Visanet foi efetivamente prestado, uma farta comprovação que aponta como foram gastos os R$ 73,8 milhões que os ministros dizem que foram desviados.
Entre esses serviços, estão peças publicitárias em grandes veículos de comunicação do Brasil, patrocínios a atletas e a eventos esportivos e culturais Brasil afora. Estamos falando de comprovantes com validade jurídica e contábil, atestada por auditorias ignoradas no Supremo. Uma pergunta ainda está em aberto: por que todas as comprovações foram sumariamente menosprezadas para justificar o crime de peculato?
O mesmo pode ser dito sobre a compra de votos. O dinheiro repassado aos parlamentares da base aliada tinha claro objetivo de pagar dívidas não-declaradas da campanha de 2002 e acordos para apoio às legendas coligadas na eleição de 2004. Todos os depoimentos – de réus e testemunhas – confirmam o destino do dinheiro, à exceção de Roberto Jefferson, que denunciou o caso, mas não apresentou uma prova sequer de que houve compra de votos. Um estudo estatístico que analisa todas as votações em Plenário na Câmara dos Deputados em 2003 e 2004, anos investigados, mostra que não há qualquer relação entre os saques em dinheiro e a atividade parlamentar. Esta é a verdade de mérito que o julgamento não considerou e que cabe revisão criminal.
O mensalão mineiro
Não cabe a nós, no entanto, fazer qualquer julgamento de mérito sobre o processo no qual o ex-governador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) é réu. A ação cita desvio de milhões de reais de empresas estatais do governo de Minas Gerais. De acordo com a acusação, o dinheiro saiu das estatais oficialmente para ser gasto com publicidade. Mas a maior parte dos recursos acabou nos cofres da campanha estadual do PSDB em 1998. A defesa de Azeredo deverá apresentar nos próximos dias suas alegações finais, respondendo à acusação da Procuradoria-Geral da República. É importante que se repita: para o bem da nossa democracia, espera-se que o julgamento aconteça apenas com base nas provas dos autos.
Comparação indevida
Também carece de qualquer sentido comparar o papel do ex-ministro José Dirceu e do deputado Eduardo Azeredo como artífices dos dois casos. Não há nenhuma prova, nenhum dado, nenhum telefonema, nenhum documento que associe Dirceu ao pagamento aos partidos para quitar dívidas de campanha. Há apenas uma testemunha – Roberto Jefferson – que sustentou tal tese. Dirceu teve os sigilos quebrados e nada foi encontrado. O próprio ex-procurador Roberto Gurgel admitiu que as provas contra Dirceu seriam “tênues”. Na clara ausência de provas, o Supremo recorreu de maneira equivocada à chamada teoria do domínio do fato para condená-lo. Na prática, foi condenado pelo cargo que ocupava e não por seus atos. O jurista Ives Grandra Martins, em entrevista à Folha de S. Paulo, em 22 de setembro do ano passado, foi enfático ao afirmar que Dirceu foi condenado sem provas.
Mais uma vez, não nos compete aqui fazer o julgamento dos réus do chamado mensalão tucano. Mas é nítida a diferença nos dois casos. A acusação contra a Azeredo mostra, entre suas sustentações, dezenas de ligações telefônicas feitas ou recebidas pelo tucano que o ligariam ao esquema. Contra Dirceu, repetimos, não há nada disso.
Silogismo
E hoje a Folha de S.Paulo chega a colocar na manchete a comparação que o próprio Azeredo fez entre ele e o ex-presidente Lula: “Ex-governador tucano diz que é inocente como Lula”. “Minha situação é semelhante à do Lula. Ele foi presidente e houve problema no Banco do Brasil. Corretamente, não foi responsabilizado. Eu também não posso ser responsabilizado”, diz Azeredo.
O jornal reproduz o silogismo sem informar que Lula não recebeu ou fez dezenas de ligações que pudessem sustentar qualquer tipo de comparação.
http://www.conversaafiada.com.br/politica/2014/02/10/dirceu-cemig-e-estatal-visanet-nao/
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