quinta-feira, 21 de agosto de 2014

A seletividade de Veja censura coluna de blogueiro


Jornal GGN - Rodrigo Constantino teve uma de suas colunas barradas pela própria Veja.
O feito conquistado ocorreu quando Constantino afirmou que a jornalista Miriam Leitão, após depoimento de tortura sofrida pelo regime militar do governo Emílio Garrastazú Médici, ao aguardar pedido de desculpas das Forças Armadas, também deveria pedir desculpas por ter sido “uma comunista, do PCdoB, entoando hinos marxistas”.
“Acho que Miriam tem todo direito ao seu pedido de desculpas. Se sofreu o que diz mesmo, nada justifica isso. Mas ela não era uma heroína. Não era uma jovem democrata que defendia a liberdade. Portanto, cabe perguntar: e o seu pedido de desculpas, Miriam, não teremos?”, diz a publicação.
O colunista da Veja coloca em dúvida um de centenas de testemunhos de um período da história brasileira inquestionável de torturas e crimes da ditadura militar. Contradiz-se. “São relatos chocantes, e não tenho motivos para duvidar de sua veracidade”, expõe em um trecho. “Infelizmente, o debate sobre nosso passado está tomado por emoções fortes e muitos interesses, tudo isso turvando a razão” e “decidiu revelar as supostas (aprendi com os jornalistas a usar o termo quando não há provas) torturas”, em outros.
Não suficiente, Rodrigo Constantino recomenda “compreender o contexto daquela época de Guerra Fria e ameaça comunista” e abandonar a “postura maniqueísta”, colocando tais crimes e criminosos em equilíbrio, explicitamente, com “aquela turma jovem que sonhava com o modelo cubano ou soviético”.
Em seu depoimento, Miriam Leitão recorda que o motivo para ser presa em uma cela escura, nua, com uma jiboia, e alvo de tentativas de estupro coletivo, aliciada por vários militares, foi ser um dos jovens presos acusados de “tentativa de organizar o PCdoB no estado, de aliciamento de estudantes, de panfletagem e pichações”.
Além da ausência da configuração do ilícito; exposto o explícito uso de tais crimes para, como fim, tirar informações desses jovens por meio das torturas; e da falta de qualquer direito – seja ele humano ou carcerário, Constantino crê que a isso Miriam deva desculpas. A coragem da jornalista de ironizar o terrível forma-se em crença tola de uma desculpa injustificável em argumentos, seja lembrando a viva história, ou mesmo se o colunista quisesse se apegar a registros forjados das Forças Armadas. Por clara falta de provas, após meses de tortura, os jovens foram absolvidos.
Miriam Leitão esperou 42 anos para contar o relato não pelo efeito heroína – como tenta impor Rodrigo Constantino – mas porque “era uma jornada só minha”, nas palavras da jornalista.
Em um trecho do depoimento, Miriam revela a contradição e o trauma: “Minha cela ficava na fortaleza. Quando eu saía de lá à noite e era levada para outro local de tortura, eu a contornava e passava pela escadaria. Saía desse belo prédio circular, às margens da baía – e que hoje, por ironia, o Exército aluga para festas –, e era levada para a parte nova do quartel onde funcionavam algumas seções administrativas do quartel. Olhava aquele lugar lindo, lindo até hoje, o convento lá em cima, e pensava o quanto nada daquilo fazia sentido. Era uma beleza que contrastava com a violência daquele lugar. Eu não conseguia entender isso. Não entendia naquela época, não entendo até hoje”.
Ainda há outros pontos questionados da coluna, como afirmar que eram minoria os militares “que realmente praticaram tortura”, enfatizando a teoria dos “porões da ditadura”, ao compasso e contramão do grandioso trabalho da Comissão Nacional da Verdade que prova, a cada dia, que tais porões não existiam, que a ditadura era comandada, executada ou, pelo menos, sabida por todos os comandos das Forças Armadas.
A seguir, a coluna na íntegra de Rodrigo Constantino:
Miriam Leitão fala da tortura que sofreu na ditadura e quer pedido de desculpas. Legítimo, mas e o seu pedido de desculpas?
A jornalista Miriam Leitão decidiu revelar as supostas (aprendi com os jornalistas a usar o termo quando não há provas) torturas que teria sofrido durante o regime militar, incluindo ficar numa cela escura com uma jiboia e quase ser estuprada por vários soldados. São relatos chocantes, e não tenho motivos para duvidar de sua veracidade. Diz ela:
Minha vingança foi sobreviver e vencer. Por meus filhos e netos, ainda aguardo um pedido de desculpas das Forças Armadas. Não cultivo nenhum ódio. Não sinto nada disso. Mas, esse gesto me daria segurança no futuro democrático do país.
Uma postura decente. Miriam tem direito a um pedido de desculpas formal, e não resta a menor dúvida de que houve vários abusos e torturas por parte dos militares, o que é inadmissível. Segundo ela, seu único crime era integrar o PCdoB e fazer proselitismo entre os estudantes, além de ser namorada de outro militante, de quem estava grávida de um mês quando foi presa. Sendo verdade, isso não configura crime algum.
Infelizmente, o debate sobre nosso passado está tomado por emoções fortes e muitos interesses, tudo isso turvando a razão. A postura maniqueísta precisa ser abandonada. Compreender o contexto daquela época de Guerra Fria e ameaça comunista não é o mesmo que transformar os militares em santos, tampouco poupar aqueles que realmente praticaram tortura. Estes deveriam ter sido punidos pelos próprios militares decentes – grupo em maioria.
Por outro lado, a vitimização dos antigos comunistas, que tentam se pintar como legítimos democratas que do nada foram atacados por militares autoritários, não se sustenta por um segundo. Aquela turma jovem sonhava com o modelo cubano ou soviético, nada parecido com uma democracia. Alguns, como Fernando Gabeira, Arnaldo Jabor e Ferreira Gullar, fizeram uma dolorosa mea culpa de suas lutas juvenis equivocadas. Outros não. Querem pedidos de desculpas, mas não querem pedir desculpas.
Miriam Leitão, que gosta de um discurso de vítima em outras áreas (cartada sexual, racial, indígena etc), aproximou-se dos tucanos e passou a defender uma social-democracia nos moldes europeus, afastando-se assim do velho comunismo do passado. Com isso, passou a ser “acusada”, junto com os próprios tucanos, de “neoliberal” pela antiga esquerda mais radical. Não se conforma com isso.
Tanto é verdade que faz de tudo para ser “perdoada” pelos antigos companheiros. Mesmo quando precisa bater nos mais caricatos, nos “petralhas”, acaba atacando os conservadores e liberais também, como Reinaldo Azevedo e eu mesmo, para ficar bem na foto, posar de “neutra”. É um problema geral do tucanato: a lógica e a experiência os levaram mais para a direita, mas seus corações permanecem na esquerda. São prisioneiros emocionais do passado.
Acho, como já disse, que Miriam tem todo direito ao seu pedido de desculpas. Se sofreu o que diz mesmo, nada justifica isso. É uma postura covarde daqueles militares envolvidos. Mas ela não era uma heroína. Não era uma jovem democrata que defendia a liberdade. Era uma comunista, do PCdoB, entoando hinos marxistas e usando como símbolo a foice e o martelo.
Se essa turma tivesse logrado sucesso naquela época, o Brasil hoje seria uma imensa Cuba, algo que ainda não nos livramos justamente porque os comunistas ainda existem, sob o manto de bolivarianismo ou socialismo do século 21. Portanto, cabe perguntar: e o seu pedido de desculpas, Miriam, não teremos?
Rodrigo Constantino
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