O pastor precisou apenas de quatro tweets pra mudar o programa de governo de Marina |
Desde os tempos de faculdade de jornalismo, lá na segunda parte dos anos 80, que misturo a atividade de repórter com a de editor. Antes nos boletins do curso e do Centro Acadêmico, depois em diferentes experiências por veículos da mídia tradicional, movimentos sociais até criar, em 2001, a Fórum. Neste período também participei da edição de mais de uma centena de livros e de certamente mais de algumas centenas de produtos customizados. Em geral, como editor. Algumas vezes exercendo diversas funções: repórter, redator, editor, preparador de textos e até revisor.
E nesse processo erra-se e acerta-se como em qualquer outra atividade. Monteiro Lobato dizia que os erros são coisas do saci. O personagem os esconderia durante todo o processo de produção e eles só apareciam com a obra pronta. O erro também é parte integrante desses processos produtivos.
Mas há muitos tipos de erros. Os inadmissíveis, os bizarros, os bestas, os comuns e os que a gente inventa para fazer de conta que errou. Quando na verdade fez uma baita de uma barbeiragem consciente. Ou quando, principalmente, o cliente para quem você está fazendo o produto cometeu um imenso erro e para não ficar chato para ele você assume a culpa.
Faz parte da atividade às vezes aliviar para o cliente. Afinal, um erro de revisão ou de editoração (como os leigos acreditam poder acontecer às pencas) sempre sai mais barato do que um erro conceitual ou político.
Depois do texto que publicamos no blogue ontem de um dos membros do comitê LGBT de Marina nega que tenha havido erro de revisão no texto que foi retirado pela candidata após o pito público que levou do líder da sua congregação, o pastor Malafaia, talvez essa postagem fosse desnecessária. Mas como parece que a candidata não pretende fazer uma mea-culpa, vale a pena insistir na questão. Inclusive, porque ela não diz respeito apenas a uma mudança de posição temática.
Um programa de governo de um candidato a presidente da República não é um boletim qualquer. Antes de ir para a gráfica ou ser publicado em um site, ele precisa ser lido e relido não só por um editor, como por uma quantidade grande de pessoas que tem expertise no tema. Precisa ser remendado quantas vezes for necessário e antes da versão final onde só se corrigem os erros de gramática e estilo, a candidata e os seus principais assessores precisam lê-lo e relê-lo.
Em casos como esse de um programa presidencial, se o serviço é feito por uma empresa com algum nível de seriedade, esses assessores e o candidato assinariam a prova final que estaria sendo liberada para a gráfica ou para o site. Para que tivessem a responsabilidade final do trabalho. Ainda depois disso os editores e o principal revisor do produto (em geral, há mais do que um em casos como este) fariam uma leitura da prova para verificar se o tal saci não operou neste processo de fechamento. O que, às vezes, acontece.
A pergunta que fica é, Marina não leu a versão final do seu plano de governo que continha um programa avançado para o segmento LGBT e que falava de incentivar a energia nuclear? Os coordenadores do programa, Neca Setubal e Maurício Rands, pessoas que são bastante preparadas para a função, também não leram o programa? Nenhum assessor político experiente leu antes da versão final ser apresentada para o país? É isso mesmo que a campanha de Marina quer fazer crer aos incautos?
Se for isso, chegamos a um ponto tão ruim quanto o de mudar o programa para se submeter a ordem do Pastor Malafaia emitida em quatro twets. Uma campanha à presidência da República que não tem um maluco no comitê para ler a versão final do programa de governo exatamente no ponto sensível da candidatura exacerba no amadorismo.
A desculpa esfarrapada acionada pela campanha para fazer de conta que Malafaia não exerce forte influência em Marina é tão ruim quanto o que deve ser o verdadeiro motivo da errata. O amadorismo que explode até na forma de se caracterizar o recuo assusta tanto quanto à submissão a um Malafaia da vida. Erros como este num texto enviado a uma Conferência da ONU poderiam transformar o Brasil num país mais desmoralizado do que aquele que nosso chefe da diplomacia tirava os sapatos para entrar nos EUA.
http://www.contextolivre.com.br/2014/09/marina-nao-leu-versao-final-do-seu.html
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