segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Marina e o infanticídio da Nova Política


Foto: Cacá Meirelles
Foto: Cacá Meirelles
Em Esparta antiga, as crianças que nasciam defeituosas eram jogadas num despenhadeiro do maciço de Taigeto – cordilheira do Peloponeso. O militarismo, o do culto estético ao físico e a moral da perfeição eram a base para que os cidadãos e a cidade-Estado adotassem essa prática anti-humanística.

Pois bem. A Nova Política de Marina Silva e da Rede Sustentabilidade nasceu uma criança torta e malformada. Sua fisionomia nunca foi definida e seu conceito sempre foi confuso. Poderia ter prestado grande serviço ao Brasil se seus genitores a conduzissem de forma correta, se ela fosse colocada a serviço do aprofundamento da democratização do nosso sistema político, se ela tivesse servido para lutar para conferir mais poder aos cidadãos e à sociedade sobre os políticos, se ela fosse empenhada na luta pela reforma moral da política e do resgate da sua dignidade e se ela fosse posicionada nas trincheiras das lutas dos mais necessitados e dos que mais sofrem.

Mas ao vê-la mal formada, Marina e a Rede decidiram jogá-la no despenhadeiro, cometendo o seu infanticídio, simbolizado no apoio que decidiram dar a Aécio Neves. O maciço de Taigeto de Marina parece ser o ódio e o ressentimento que sente em relação ao PT – partido no qual se projetou politicamente. Durante o primeiro turno, Marina foi atacada por Dilma e por Aécio, da mesma forma que atacou o PT e o PSDB, apresentando-se como uma nova via, um novo caminho para o futuro e para a história política do país. Declarou-se uma pessoa de princípios e de valores. Se quisesse permanecer coerente com o que pregou, Marina deveria ter se declarado neutra, pregando o voto branco e nulo, anunciando que continuaria a batalha pela reforma política e moral do país. Se as vias do PT e do PSDB eram igualmente refutáveis, por expressarem a “velha política”, cheia de vícios e de malefícios, como afirmaram Eduardo Campos e Marina Silva, a ética da responsabilidade indicava assumir o difícil e espinhoso caminho da recomendação do voto branco e nulo como uma atitude política legítima. 

A forma que os seres humanos desenvolveram para construir confiança entre si é o empenho da palavra e o exemplo da ação. A política no Brasil está em crise justamente porque o discurso se tornou manipulador, a promessa se tornou engodo e ações constituem o mau exemplo a serviço dos interesses particulares, que prevalecem sobre os interesses gerais da sociedade. Além de negar o que pregou, Marina ofende a inteligência dos cidadãos ao afirmar que o documento assinado por Aécio Neves, “Juntos pela Democracia, pela Inclusão Social e pelo Desenvolvimento Sustentável”, não tenha sido dirigido a ela para obter seu apoio no segundo turno. Em que pese a legitimidade de Aécio querer conquistar apoio político, querer comparar seu documento, descontextualizando-o, ao documento “Ao Povo Brasileiro” assomado por Lula em 2002, expressa uma visão farsesca da história. Tivesse Aécio o propósito que não fosse conquistar o apoio de Marina, através de um texto de manobra tática, teria ele lançado tal documento no início da campanha. Marina comete uma imoralidade ao querer justificar moralmente sua atitude política em fatos e pressupostos que não são verdadeiros. A relação de causa – documento de Aécio – e consequência – declaração de apoio de Marina – é mais do que evidente.

Marina sugere, em sua declaração de apoio a Aécio, que o PT fomenta a política do ódio. Certamente, o PT e o governo Dilma cometeram muitos erros nos seus percursos e no primeiro turno, que são reprováveis. Mas imputar apenas ao PT a política do ódio constitui uma parcialidade inaceitável. Em São Paulo, por exemplo, o PT é vítima da política do ódio. E é vítima, não pelos seus vários erros, mas pelos seus acertos. O PT é odiado pelo Bolsa Família, pelo Prouni, pela inclusão social, por ter apoio dos nordestinos, por defender os mais pobres. A fonte deste ódio e a chamada “elite branca paulista”, nas palavras bem empregadas de Cláudio Lembo, e de seus representantes políticos.

Essa mesma “elite branca” está com Aécio Neves. É falsa a ideia de que na democracia ou em processos eleitorais se dissolvem os lados. Enquanto existir desigualdades e injustiças, existem lados nas escolhas políticas e eleitorais. Desigualdade que, como mostram vários estudos, cresceu no final do século XX e neste início do século XXI. Marina faz um falso apelo ao consenso para justificar seu apoio a Aécio. Falso porque o pressuposto da democracia é o dissenso e o conflito. Qualquer consenso é um consenso parcial ou um consenso de partes. O “consenso” em torno de Aécio é um consenso de partes interessadas. É o consenso do capital financeiro, das partes mais ricas da sociedade, das partes que mais lucram, das partes que mais contribuem com a agressão ambiental, das partes que menos sofrem, das partes que impedem a expansão de mais igualdade e de mais justiça no Brasil. É sintomático que Marina, no documento em que declara apoio a Aécio, não mencione a palavra igualdade.

Definitivamente, de esperança de reformadoras morais da política brasileira, Marina Silva e a Rede Sustentabilidade, se tornaram a cereja do bolo do festim daqueles que representam os interesses do grande capital. 

Aldo Fornazieri – Cientista Político e Professor da Escola de Sociologia e Política.
http://jornalggn.com.br/noticia/marina-e-o-infanticidio-da-nova-politica-por-aldo-fornazieri

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