segunda-feira, 13 de outubro de 2014

O ecossistema da corrupção

Por Jorge de Lima
Há tempos que venho pensando em escrever sobre “Corrupção”. Coloco entre aspas porque me parece que todo o debate a respeito parte de uma premissa intencionalmente equivocada. Fala-se de “Corrupção” como se estivéssemos tratando de algo tangível, algo personificado ou materializado, contra o quê fosse possível utilizar meios físicos para que fosse eliminada.
Mas “Corrupção” não é uma coisa. “Corrupção” é o meio pelo qual se burla as leis escritas e não escritas. Exemplifico: como policial, durante 21 anos, me habituei a ver conceituada “corrupção policial” como o ato de receber dinheiro ou vantagens pessoais para não investigar e prender determinado indivíduo. Mas o fato de que promoções, transferências arbitrárias, escolha de servidores para missões que garantiam vantagens financeiras fossem decididas pelas chefias a partir de simpatias pessoais fosse encarado como fato normal, prática institucionalizada, me surpreendeu depois de alguns anos.
Ora, quando se entra em um ambiente corrompido, nos quais as práticas corruptas são o padrão, demora-se algum tempo para notar que algo está errado. Durante anos eu considerei corruptos os policiais que se aliavam a criminosos. Quanto ao fato de que muitos eram promovidos, ocupavam as melhores funções, eram escolhidos para as melhores missões, do ponto de vista de ganho financeiro, me parecia algo normal, já que era assim quando eu entrei, e continuaria assim quando eu me aposentasse. Só recentemente me dei conta de que o favorecimento pessoal, por conveniência e simpatia entre chefe e subordinado, é uma modalidade de corrupção, até de peculato uso, além de improbidade administrativa tipificada em lei.
Não é uma peculiaridade da instituição policial. Toda instituição brasileira é corrupta, porque dentro do arcabouço institucional todas as relações são definidas pela “cordialidade”, no sentido que Sérgio Buarque de Holanda deu ao termo. Não existe, no Brasil, a fria sobriedade anglo-saxã. As pessoas são promovidas, ou beneficiadas de outras formas, em razão de seu relacionamento e das simpatias pessoais existentes entre elas e suas chefias que, por sua vez, são chefias porque mantém o mesmo tipo de relacionamento com os que estão imediatamente acima. É um grande jogo de compadres. Dizendo de outra forma, as instituições são corruptas porque não se considera corrupção que as relações entre e dentro das instituições sejam pautadas pela “cordialidade”.
Dito isso, passemos a analisar o caso da Petrobrás. O delator ascendeu a uma diretoria em razão de relacionamentos políticos. Portanto subiu na carreira graças à “cordialidade”. A alguém ele servia, por isso foi guindado a uma posição onde pudesse favorecer seu padrinho, no que se poderia definir como uma relação simbiótica. Os recentes vazamentos de seu depoimento tem o cuidado de não deixar claro quem o elevou a posição de mando. Isso é fundamental para que se usem suas declarações estritamente contra o atual governo. E o que o delator está dizendo? Que as empresas contratadas pela Petrobrás pagavam comissão de 1 a 3% sobre o valor dos contratos.
Se as empresas pagavam comissão, é óbvio que o dinheiro não era “desviado” da Petrobrás. Ora, se a empreiteira tira de sua remuneração a comissão, nada está sendo “desviado” da contratante. O que se deve questionar é se o preço dos contratos foi superfaturado ou não. Se havia sobrepreço, e ainda assim a empresa que pagava comissão era contratada, estamos tratando de um fato ilícito. Se não havia sobrepreço, podemos considerar o pagamento de comissão uma coisa imoral, mas que não fere nenhuma lei. Ou seja, há imoralidade, mas não ilegalidade. E entre ambas há uma longa distância, balizada de um lado e outro pelo que os filósofos do Direito conceituam como Direito Natural e Direito Positivo.
Analisemos, então, as modalidades de corrupção. É mais corrupto o sujeito que recebe uma comissão, ou aquele que paga a comissão? É mais corrupto o chefe que promove alguém por sentimentos pessoais, ou o subordinado que aceita ser promovido por que é o “peixe” do chefe? Ou serão todos corruptos na mesma medida? Pessoalmente, considero que não há gradações entre atos de corrupção. Todo aquele que propõe ou aceita vantagens ou benefícios que não se conformam com o que determinam as leis é corrupto. E de corruptos as instituições estão lotadas. É preciso uma grande mudança comportamental para que se possa, efetivamente, combater a corrupção. 
http://jornalggn.com.br/blog/jorge-lima/o-ecossistema-da-corrupcao-por-jorge-de-lima

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